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4 COMO O CORPO PODE PERGUNTAR EM FORMA DE IMAGEM?

4.1 A DANÇA EM PINA BAUSCH

4.1.4 Dançar é Pensar

Foto de Paulo Pimenta (2008)

<http://valkirio.blogspot.com/2009/07/pina-bausch-ii.html>. Acesso em: 05 jul. 2011.

Aquilo que se dá a ver na dança, como pode sugerir a imagem 16, é o fim do trajeto percorrido entre os procedimentos neuroniais e sua correspondência muscular. Todo o processo que fez surgir a dança, embora não esteja separado do que se vê, não aparece. Como a imagem pode sugerir de que se trata de um corpo pensando? De que maneira se pode perceber ressonâncias entre dançar e pensar? A imagem sugere possibilidades de ver as nuances de movimento e corpo se moldando. A leveza com que o corpo se mostra entregue em movimento sugere conhecimento do modo como esse movimento se organiza. O corpo parece experienciar algo que não tem receios de mostrar.

4.1.4 Dançar é Pensar

O entendimento aqui articulado, da dança como um modo de pensar o mundo e as relações, não se dá como simples aproximação analógica entre dançar e pensar. Mas, como uma vinculação complexa que compreende a dança enquanto estruturada por inúmeros atravessamentos neuronais, físicos, químicos, cerebrais, culturais... A ponto de entendê-la como semelhante a um pensamento.

Quando o corpo se move, o que aparece como um primeiro não passa do fim de uma cadeia que o precede. O movimento que aparece já é um resultado, que se apresenta como um julgamento da percepção. [...] o movimento torna o corpo uma paisagem sempre igual e sempre diversa, como as dunas impelidas pelo vento. O movimento entendido como signo assalta o corpo e o molda, promovendo um ajuste permanente, contínuo e infindável entre seu padrão e o padrão que estava no corpo antes do movimento se iniciar. [...] Assim se instala o movimento e a percepção do movimento. Da sua reprodução pelo corpo, em encadeamentos sob a forma de pensamento, nasce a dança. (KATZ, 2005, p. 67).

Com referência em Katz se pode entender que a forma aparentemente final de um movimento de dança é resultado do acomodamento entre inúmeras proporções. Muitos movimentos iniciam anteriormente ao momento em que se dão a ver no corpo. O movimento cria a existência, esculpe o corpo vivo e, ao mesmo tempo, é esculpido pelo corpo. Assim,

somente quando essa escultura de movimento se organiza tomando a mesma forma que o pensamento molda para existir é que o corpo dança. [...] Para tomar a forma de um pensamento, o movimento reproduz plasticamente a circuitação neuronial do pensamento no cérebro. [...] Ao enunciar a dança como pensamento do corpo, a ênfase recai na reprodução da plasticidade neuronial do pensamento pela musculatura do corpo. (KATZ, 2005, p. 110).

Ao se pensar nas narrativas do corpo, educando ou artista, é possível inferir, com referência em Katz (2005), que os neurônios são contadores de histórias. Eles contam suas histórias sempre que algo, uma imagem, uma fala ou um toque, por exemplo, dispara a sua ignição e, plasticamente, tomam a forma de dança. Isso só acontece devido a que o movimento percorreu um trajeto muito semelhante ao trajeto que produz o pensamento no cérebro. “Por isso, por razão dessa semelhança estrutural, a dança é o pensamento do corpo” (KATZ, 2005, p. 91). As relações entre os neurônios, as sinapses, são uma espécie de comunicação, de trânsito, de atividade que, entre circuitações eletro-químicas, vão constituindo pensamentos e movimentos no corpo que, por meio da percepção, enquanto princípio da experiência, está sempre em contínua relação com o ambiente. Processos internos e externos, indissociavelmente, constituem a trama natureza – cultura da qual o corpo resulta e na qual ele interfere.

A dança nasce quando no corpo se desenha um determinado tipo de circuitação neuronial/muscular. Este mapa, exclusivamente ele, tem o caráter de um pensamento. Quando ele se dá a ver no corpo, o corpo dança. Esse momento parece inaugural. No entanto, o apresentar-se da dança no corpo já representa o fim de um caminho. Quando lá se instala, a dança inaugura uma outra cadeia de circuitações para o corpo. Os acionamentos que impelem esse trânsito têm o mesmo caráter daquele que ocorre no cérebro humano. (KATZ, 2005, p. 52).

Da semelhança entre as organizações complexas, no corpo, que estruturam tanto a dança como o pensamento, a dança é compreendia como pensamento do corpo. A dança, que, com a obra de Pina Bausch e a construção dos educandos na experiência artístico-pedagógica, já vinha sendo entendida como um modo de pensar o mundo, por meio da sua constituição que entrecruza o físico, o químico, o neuronial, o cerebral, o mental, o cultural, é também entendida como pensamento do corpo. Todavia, que compreensão de pensamento permeia este modo de entender a dança? O pensamento que pensamos e o pensamento que configuramos como dança são a mesma coisa?

A mais complexa possibilidade de movimento em um corpo, aquela que se pode identificar com o nome de pensamento do corpo, essa é a dança. Todos os outros movimentos são quase-pensamentos nas mais variadas gradações. [...] os pensamentos não representam um feudo exclusivo da consciência [...]. E tampouco se referem aqui ao que habitualmente o leigo chama de pensamento [...]. Não se trata de um corpo que pratica uma atividade chamada pensamento (pensar sobre algo). Há que se entender que quando a dança acontece num corpo, o tipo de ação que a faz acontecer é da mesma natureza do tipo de ação que faz o pensamento aparecer. O pensamento que se pensa e o pensamento que se organiza motoramente como dança se ressoam. (KATZ, 2005, p. 39-40).

Compreende-se que, na proposição da autora, a dança é um “raciocínio com forma lógica, que não deixa de ser, simultaneamente, um processo físico de pensamento” (KATZ, 2005, p. 49). Pensamento compreendido como o modo que o movimento se ajustou para se apresentar e, dessa forma, somente em alguns movimentos realizados pelo corpo acontece o mesmo que quando o corpo está pensando. Mesmo que compreendida como linguagem, arte, expressão, ou movimento, “o que singulariza a dança é o fato dela ser o pensamento do corpo”

(KATZ, 2005, p. 10). Essa potente argumentação, com todo seu desdobramento, desestabiliza, de uma só vez, compreensões de que a dança vem de dentro, é uma linguagem universal e que todos os homens sempre dançaram. Corrobora, outrossim, para que a dança se desenvolva enquanto arte e área de conhecimento capaz de configurar saberes questionando as concepções dualistas de estruturas acadêmicas ainda organizadas sob a égide da normatividade científica moderna, que separa teoria e prática, corpo e mente, natureza e cultura.