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3 COMO TECER RELAÇÕES ENTRE CORPO, IMAGEM E PERGUNTA?

3.2 DAS IMAGENS, COM PERGUNTAS, ÀS NARRATIVAS

3.2.2 Imagens, Narrativas e Perguntas sobre Dança

Narrativa 4: Perfeição

Josiana (2010)

Imagem 10 – Da narrativa 4: Perfeição.

Imagem pesquisada pela educanda Josiana.

[...] as bailarinas que iam dançar comigo estavam muito nervosas, mas eu estava tranqüila, não havia motivos para me preocupar. Todas me admiravam pela beleza em mim e pela forma que eu dançava. Quando eu estava no palco esquecia de tudo, só pensava na minha dança. Sei que sou perfeita, todas querem ser iguais a mim, chegar aonde eu cheguei, conquistar o que eu conquistei, só que, por mais que tentem, nunca serão iguais a mim, sou insuperável, insubstituível.

A imagem sem fundo exalta a forma do corpo, ou melhor, a sua silhueta. Se pode dizer que há uma ênfase na forma que o corpo realiza. A associação entre

perfeição e dança, historicamente tem sido comum, o que gerou compreensões acerca de danças e modos de dançar mais perfeitos, mais belos e melhores que outros. Da mesma maneira, os termos admiração, beleza e forma, quando associados à dança, podem povoar a imaginação e o pensamento com imagens/ideias, quase que exclusivamente, acerca do balé clássico ou, outras danças que implicam em virtuosismo na sua performance.

De que forma a feiúra e o disforme poderiam, na dança, também causar admiração? Como é dançar uma forma? Como pensar a dança em termos de forma e conteúdo? Como é dançar tendo esquecido de tudo, pensando só na própria

dança? Como a dança pode existir independente de tudo o mais? Sem o corpo, o

ambiente, as relações, que dança é possível? Relações artísticas onde importam questões de admiração, beleza, forma, perfeição, conquista, superação,

substituição possibilitam que entendimentos de dança e de corpo?

Narrativa 5: A bailarina machucada Xênia (2010)

Imagem 11 – Da narrativa: A bailarina machucada.

Imagem pesquisada pela educanda Xênia.

[...] certo dia em seus ensaios a bailarina levou um tombo da sua sapatilha de ponta e machucou seu pé, isso aconteceu um dia antes do seu espetáculo [...].

[...] até que chega o momento dela subir ao palco, se concentra, entra com toda sua classe e postura e dança lindo. Mas acontece de sentir dores durante sua apresentação e o que havia ensaiado, por não suportar as fortes pulsações no seu pé, se transforma num balé contemporâneo, diferente. E por fim, finaliza sua apresentação com maestria e graça, sendo ovacionada pelo público.

A imagem apresenta um ambiente que parece se desvanecer. O recorte da imagem destaca o movimento dos pés e como esse movimento traz a atenção do corpo sobre si. Esta narrativa faz recordar comentários acerca de alguns textos de História da Dança que, ao narrarem as vanguardas da dança moderna e contemporânea, comentam ter sido do tombo da etérea e esvoaçante bailarina clássica (fada, sílfide, cisne), do seu contato com o chão, que surgiu a dança moderna e depois a contemporânea. Todavia, esta narrativa, “A bailarina

machucada”, possibilita pensar também que aquilo que não é executado com a

perfeição prevista pela dança clássica, aquilo que fica diferente, é considerado dança contemporânea. Ou ainda, pensar que a dança contemporânea é criada pelas situações, condições e possibilidades oferecidas pelo corpo.

Salvo quaisquer acidentes, em que medida se pode dizer que certas danças violentam o corpo? O que significa dançar sob critérios de execução estabelecidos por padrões externos ao corpo? Que significa considerar, na dança, a situação (dores, pulsações) do corpo? Em que sentido os movimentos que não são belos segundo os padrões da dança clássica, são, necessariamente, movimentos de dança contemporânea? Sob que aspectos a possibilidade do corpo se expressar (com suas dores e pulsações) pode ser entendida como uma característica da dança contemporânea? Como o imprevisto e o acaso podem ser propulsores para a criação de dança? Como criar dança com as experiências do corpo? Em que medida existe corpo sem experiência vivida?

Narrativa 6: (sem título) Emili (2010)

Imagem 12: Da narrativa 6: (sem título).

Imagem pesquisada pela educanda Emili.

Elas adoravam o momento de ir lavar as roupas, pois era o único momento no qual elas saiam da casa do Barão. Gostavam de ir cantando pelas ruas, esbanjando felicidade com a liberdade provisória até chegar ao riacho, cujo, elas chamavam Riacho Puro. Com suas saias rodadas e compridas e os balaios nas mãos, caminhavam em passos bailantes.

Entre as imagens aqui apresentadas, esta é a primeira e única onde os corpos estão em grupo. Como em imagens anteriores, a luz evidencia os corpos em contraste com um fundo escuro. A narrativa pode ser entendida como relações de poder, relações entre corpos, relações com o ambiente. São relações que podem conjugar opressão e consentimento, liberdade e arbítrio entre os corpos. Os corpos realizam tanto deslocamentos por eles escolhidos quanto deslocamentos sobre eles impingidos. Esses deslocamentos provocam posturas e caracterizam momentos da vida dos corpos. Canto, dança e música aparecem associados.

A descrição do ato de ir ao Riacho Puro como um momento que elas

adoravam, apesar de ser para o trabalho de lavar roupas, pode sugerir um momento

comportamento. Como encontrar em um cotidiano de relações cerceadoras espaço para relações emancipadoras? Como entender o corpo enquanto trânsito de relações entre natureza e cultura? Como perceber esta narrativa como uma cena de dança? Que relações podem ser estabelecidas entre experiência vivida e dança? Em que sentido situações, experiências e ações cotidianas podem ser dança? Como a dança pode ser entendida enquanto experiência, ação?

As imagens e as narrativas denotam algumas das compreensões de dança dos educandos. Suas concepções e as formas de representá-las aparecem nos modos como organizam suas narrativas e nas relações que estabelecem entre essas e as imagens. Por sua vez, as imagens são como mediadoras de concepções, entendimentos e representações. Pode-se dizer que as imagens transportam, deslocam, engendram e provocam sentidos. Compreensões de dança como forma e perfeição, como advinda do acaso e do imprevisto, como uma experiência, são possibilidades que emergem das narrativas e das imagens. Na sequência da reflexão as perguntas advindas das narrativas e as compreensões de dança articuladas pelos educandos evocam as proposições de autores, constituindo assim a tessitura da bricolagem.