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5. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E SEUS

7.1 A TÔNICA DAS NARRATIVAS

7.1.3 Colaboradora C

A narrativa da Colaboradora C153 apresenta reiterado entendimento de que as diferentes conjunturas políticas e econômicas do país e as normatizações governamentais a elas relacionadas tiveram papel decisivo no que se produziu no Curso de Educação Física do CEFD. Além disso, posiciona-se com estranhamento diante da noção de esportivização no trabalho institucional, pois considera que a preocupação com aspetos pedagógicos esteve sempre presente no processo de formação dos alunos, de tal modo que foram produzidas boas

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Sua trajetória profissional no CEFD a partir de 1984 envolve, entre outras coisas, a atuação com as disciplinas Metodologia da Pesquisa e Desenvolvimento Motor. Atuou, também, como docente da rede Estadual de Ensino – séries iniciais – em Santa Maria. Especializada em Basquetebol, realizou Mestrado em Ciência do Movimento Humano (UFSM) e Doutorado em Motricidade Humana (Portugal), além de ter se formado na primeira turma do curso de Educação Física do CEFD/UFSM.

aulas de Educação Física nas escolas, no período em que sua obrigatoriedade se estendia a todos os níveis e ramos da escolarização.

A parte pedagógica e a parte esportiva, nós precisávamos das duas. O esporte era nosso conteúdo, a ginástica era nosso conteúdo e a parte pedagógica era como trabalhar aquilo ali. Então, eu nunca vi essa dicotomia! (COLABORADORA C).

Nesse caso, é feito referência a um equilíbrio entre a teoria e a prática nas relações educacionais promovidas na Instituição. A ênfase na Ginástica, no Esporte e na própria Recreação relacionava-se ao desenvolvimento de um projeto federal denominado ‘Esporte Para Todos’ (EPT), no qual professores alemães tiveram papel importante. Há indicativo de que as atividades promovidas no contexto do EPT colocavam o Centro em evidência na comunidade. Contudo, não deixa de destacar o fato de que o CEFD sempre apresentou grande repercussão social por conta do incentivo ao Esporte Escolar, além do envolvimento com os esportes universitários em eventos de âmbito mundial, participando e sediando jogos, inclusive. Tais acontecimentos influenciaram a formação dos graduandos que, posteriormente, iriam atuar nas escolas na condição de professores.

[...] nós sediamos esportes universitários mundiais aqui em Santa Maria. E éramos nós sediando, organizando, arbitrando e tudo... [...] a gente passava se preparando. Então, eu acho que tudo isso repercutia muito. Eu acho que o Centro de Educação Física sempre teve uma repercussão grande pela parte do esporte escolar, que foi até uma época [...] E aí depois eles [os alunos] se tornava professores. O que eles iam fazer? Eles iam ensinar Voleibol, Basquetebol, se a escola permitisse. As escolas começaram a ficar sucateadas. Começaram a ficar sem quadras, sem espaço [...] Aí o esporte escolar se foi [...]. (COLABORADORA C).

Com a acentuação das limitações financeiras e estruturais das escolas ao longo do tempo, houve uma redução nas possibilidades de trabalho com a Educação Física escolar, associando-se a isso, o fato de muitos professores estarem cansados da rotina de viagens para a participação em competições estudantis aos finais de semana. Tais fatores contribuíram para a redução da própria prática do esporte escolar com o passar dos anos.

Nesse ponto da narrativa, a Colaboradora salienta, também, suas aulas relacionadas ao Desenvolvimento Motor dos alunos, na época em que atuava na Educação Básica, e se questiona sobre as razões da perda de carga horária da Educação Física na grade curricular das escolas. Sobre isso, conclui que, “infelizmente, hoje [...] nós [os professores de Educação Física] fomos parando de existir”. De três períodos semanais, passou-se a um período, em

muitos casos, além de não haver mais aulas dessa disciplina curricular para os universitários e para os alunos nos anos inicias da Educação Básica.

Outra consideração relevante referente a esse tópico é a constatação de que nas décadas de 1970 e 1980, os alunos que entravam no Curso de Educação Física do CEFD tinham como objetivo serem, efetivamente, professores de Educação Física, ou seja, almejavam concluir a graduação para atuarem profissionalmente nas escolas. Um perfil que com o passar do tempo se alterou, de modo que foram sendo apresentados outros interesses de atuação na área. De fato, o próprio interesse pelo esporte, por parte dos alunos, alterou-se, reduzindo-se significativamente, enquanto, afirma a Colaboradora, “na minha época, quem ia [para o CEFD] era porque queria ser atleta! Eram muitos”.

No que se refere ao perfil dos primeiros dos professores do Centro, há o entendimento de que se constituiu um grupo de profissionais provenientes de Porto Alegre, com atuação voltada, exclusivamente, para o ensino. E, nesse particular, merecem destaque dois fatos. O primeiro diz respeito à compreensão de que o CEFD instituiu-se como um modelo da UFRGS, já que a formação desses professores ocorrera naquele sistema de ensino. Em segundo, a inexistência de pesquisadores no grupo dos primeiros professores em função das peculiaridades da organização do ensino formal e da organização social como um todo, na época.

Então eu te digo, assim: na década de 70, só docente. Nós não tínhamos livro. Não existia livro! Não tinha nada, nada! Quando queríamos um livro nós íamos a Buenos Aires, na Stadium, buscar. Quem começa, depois, é a Artmed, da Globo, que começa a traduzir alguns livros [...] vocês não conseguem imaginar o que era isso àquela época! Não se viajava paro exterior. Não é como hoje. (COLABORADORA C).

Diante dessas circunstâncias, a especialização profissional era um processo difícil de se realizar, enquanto o Mestrado em Educação Física no Brasil, por sua vez, representava algo longínquo. Na verdade, a transformação do perfil docente para um perfil de professor pesquisador no CEFD ocorreu com o desenvolvimento dos laboratórios em suporte ao Doutorado oferecido pelo Centro – antes, com o Mestrado, especialmente em seus primeiros anos, pouco se havia qualificado o grupo local de professores154. Com o Doutorado os Laboratórios de Biomecânica, Fisiologia, Aprendizagem Motora, Desenvolvimento e Pedagogia desenvolveram-se fortemente, decaindo, apenas, quando o aporte de recursos financeiros a eles destinados sofreu restrições.

Compreensão semelhante também se aplica aos projetos de Extensão desenvolvidos através do curso de Educação Física. Há na narrativa o entendimento de que os trabalhos dessa natureza foram muito ‘fortes’ até a década de 1990, aproximadamente, devido à mobilização dos professores da Instituição e ao bom relacionamento com as pessoas que ocupavam cargos estratégicos em Brasília, especialmente no Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto (INDESP), de modo que se conseguiu verbas expressivas para os projetos desenvolvidos no Centro até o período em questão, quando os investimentos começaram a ser reduzidos.

Já no que diz respeito às dificuldades enfrentadas pelo Mestrado e Doutorado do CEFD nos processos de avaliação institucional, a razão apontada pela Colaboradora envolve outro tipo de problema: “[...] nós nos aposentamos em onze doutores em poucos meses. Foi quando ocorreu toda aquela função [...] aposenta, não aposenta agora, paga pedágio... [...] com isso nós saímos [...]”. Como consequência, o Programa de Pós-Graduação stricto sensu do CEFD foi descredenciado pela CAPES.

Durante a entrevista, a Colaboradora também abordou o contexto de criação e desenvolvimento da Instituição, considerando que quartéis deram suporte para a construção de determinadas atividades formativas com os alunos da Educação Física, especialmente na cedência de espaços e infraestrutura, sem jamais ter sofrido interferência militar no desempenho das suas ações docentes. Ademais, no período da Ditadura Civil/Militar no país, iniciou-se a participação de professores do CEFD em “[...] qualquer comissão, em nível nacional”, envolvidas com as questões da Educação Física. Um trabalho que iria perdurar até o início da década de 1990.

Quanto aos testes de aptidão como etapa seletiva para o ingresso no curso de Educação Física, relata que começaram a haver questionamentos sobre sua validade, uma vez que se consumiam recursos, tempo, e eliminava-se do processo candidatos com potenciais diversos, somente porque não atingiam resultados padronizados em determinados exercícios físicos. Tal ocorrência se deu ao mesmo tempo em que houve a queda do modelo de professor de Educação Física “bonito, formoso e atleta”, na sociedade.

Finalmente, há breve menção a respeito do atual desenvolvimento da Educação Física na educação superior, revelando que, com o surgimento da Licenciatura e do Bacharelado no CEFD, acreditava em grande evolução da área, mas não identifica nas práticas profissionais que tem oportunidade de observar, a confirmação dessa expectativa.