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5. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E SEUS

9.2 O ESPORTE

Reconhecida a força das atividades práticas nas primeiras décadas do curso de Educação Física, importa registrarmos que essas eram compostas, predominantemente, por ações de natureza esportiva. Todos os colaboradores apontaram a presença marcante desse conteúdo nos processos de formação instituídos pelo CEFD ao longo do tempo, desde a graduação até a pós-graduação195. Essa tendência também é considerada por Mazo (1997) ao referenciar a prioridade, nos dois primeiros concursos públicos da Instituição, para o ingresso de professores com forte trajetória esportiva em seus currículos, além de destacar o

194 Havendo nova legislação expressiva na área somente em 1987, com a Resolução CFE n° 03/87, que

determinou novo currículo mínimo para os cursos de Educação Física destacando a necessidade de se estabelecer, também, objetivos de ensino que desenvolvessem a reflexão, a crítica, a inovação e a ética, entre outras coisas.

desenvolvimento dos Clubes Universitários a partir de 1971 – que, em 1974, reuniam 7.848 (sete mil oitocentos e quarenta e oito) alunos da UFSM.

A mesma autora afirma que em 1977, baseado na Lei n° 6.251/75 – Plano Nacional de Educação Física e Desportos – o CEFD desenvolveu projetos relacionados ao desporto de alto nível e ao desporto estudantil, estando presente, em ambos os casos, a ideia de formação de atletas. Na perspectiva do desporto de alto nível, concebido para vigorar de 1976 a 1988, havia a seleção e acompanhamento de jovens por meio de triagens esportivas rigorosas. As atividades contemplavam alunos com idades entre 6 aos 18 anos, objetivando a contribuição com o desenvolvimento integral dos indivíduos, a integração sociocultural, o auxílio no cumprimento das determinações do Decreto n° 69.450/71, e a formação de equipes estudantis para representação do município em competições, além de favorecer o desenvolvimento técnico dos alunos para que tivessem condições de competir nacional e internacionalmente quando passassem a integrar outras instituições como empresas ou universidades, por exemplo.

Nessa época também foram desenvolvidos projetos com o Desporto de Massa, através de bolsas de apoio e aperfeiçoamento para os graduandos atuarem junto à comunidade, chegando a atingir um público de 2.812 (duas mil oitocentos e doze) pessoas no município de Santa Maria durante a primeira temporada (MAZO, 1997).

De forma semelhante, o próprio Diretório Acadêmico esteve imbuído de promover eventos esportivos na Instituição, ao passo em que essa estava aberta ao público para a utilização das suas instalações, como o campo de futebol e a pista de atletismo. Para tanto, o CEFD organizava a ação de estagiários de modo a orientarem à prática de atividades físicas por parte dos frequentadores do espaço.

Também identificamos, com Mazo (1997), a Especialização Permanente em Técnicas Desportivas, promovida pelo Centro ao longo de vários anos196. A definição de qual modalidade seria abordada em cada edição baseava-se, principalmente, nas práticas esportivas mais desenvolvidas nas escolas. Além disso, a autora chama a atenção para o desenvolvimento local do Programa ‘Esporte Para Todos’, que apresentou ampla repercussão no trabalho do CEFD, levando o município de Santa Maria a um papel de destaque no estado do Rio Grande do Sul no desenvolvimento daquelas atividades.

Informações de ordem semelhante também estão presentes nos documentos consultados. A consideração unânime dos colaboradores sobre a hegemonia do esporte nas

196 A informação mais atualizada a respeito da duração da Especialização Permanente em Técnicas Desportivas

ações formativas promovidas pelo CEFD encontra referência no Relatório do Curso de Educação Física – 1970, o qual informava que das vinte e quatro disciplinas trabalhadas até aquele momento na graduação, dez eram de natureza esportiva, equivalendo a aproximadamente197 42% das disciplinas. No Catálogo Geral da UFSM – 1978, esse número sobe para treze disciplinas em um universo de vinte e seis, representando 50% do total de componentes curriculares da com caráter eminentemente esportivo198.

Já o Relatório do Departamento de Métodos e Técnicas Desportivas – 1979 traz, entre as metas apresentadas, a importância de reuniões com os alunos para orientá-los sobre a profissão e a necessidade de se promover medidas para que os docentes do CEFD se conscientizassem da missão de educadores a ser por eles desempenhada. Essa, segundo o Documento, envolve atribuições ligadas à educação, não devendo ser limitada a ação de um treinador esportivo. Tal indicação leva a crer que questões da ordem do treinamento e do rendimento estavam muito presentes no trabalho formativo cotidiano na Instituição.

No Ementário UFSM – 1980/81, quatorze das vinte e seis disciplinas que compunham a graduação em Educação Física eram de natureza esportiva, representando aproximadamente 54% do total de componentes curriculares, enquanto no PPC/CEFD/UFSM – 1990, de um total de 2.505 (duas mil quinhentas e cinco) horas/aula, 600 (seiscentas) horas/aula eram destinadas a disciplinas nomeadamente esportivas, o que totalizava aproximadamente 24% da carga horária total das aulas. Se o critério de avaliação fosse o número de disciplinas esportivas em relação ao total de componentes curriculares esse percentual subiria para aproximadamente 26%199.

O Projeto do Curso de Pós-Graduação em Nível de Mestrado – 1978, por sua vez, também revela um enfoque esportivo a partir da grade de disciplinas que o compunha. Das trinta relacionadas, dez eram nomeadamente de natureza esportiva, representando aproximadamente 33% do currículo, enquanto em 1997, a partir do documento ‘Curso de Mestrado em Ciência do Movimento Humano – Código: 925 –Disciplinas do Curso de Mestrado’, as matérias de ordem esportiva perfaziam aproximadamente 29% do total de disciplinas curriculares. O que reforça a narrativa que fez referência à valorização esportiva também naquele Programa.

197 A expressão ‘aproximadamente’ é utilizada em função de ter sido realizado arredondamento dos números.

198

É importante notar que ao dizer disciplinas esportivas, não estamos contemplando todas as disciplinas técnicas na composição do curso.

A partir dessa tendência de ação construída, historicamente, nos seus diferentes níveis de ensino, o CEFD foi considerado, em 1998, um ‘Centro de Excelência Esportiva’, pela Secretaria Nacional de Esportes do Ministério de Esporte e Turismo (UFSM, 2005).

No entanto, é importante atentarmos para o fato de que essa não representou uma posição isolada da Instituição na educação superior. A Educação Física brasileira se constituiu baseada fortemente na instituição esportiva. Ocorrência em curso desde 1946, e que fora intensificada no período da Ditadura Civil/Militar no país, de modo que o esporte ascendeu “[...] à razão de Estado” (BETTI, 1991, p. 100). O governo federal promoveu alterações significativas na política educacional brasileira para atender a interesses chamados por Dreifuss (1981) de multinacionais e associados, buscando desenvolvimento com segurança nacional. Deste modo, a própria Educação Física integrou a planificação estratégica do Estado, tornou-se obrigatória em todos os níveis e ramos de escolarização e foi reduzida às noções de competição e desporto de alto nível (GHIRALDELLI, 1997).

Entre as evidências dessas concepções na área podemos citar a Decreto n° 69.450/71 que determinou em um dos seus trechos que a aptidão física fosse considerada tanto no planejamento quanto no controle e na avaliação na Educação Física, e ainda anterior a ela, temos a Lei n° 5.540/68 que determinou às universidades, entre outras coisas, o estímulo a Educação Física e aos desportos, de modo que a competição e o rendimento estavam incluídos nesse contexto. Para Castellani Filho (1994), essa iniciativa, em específico – esporte relacionado ao rendimento, nas IES – destinava-se a fragilizar possíveis tentativas de articulação política do movimento estudantil na educação superior. Atribuía-se, desta forma, um viés ideológico à área com finalidades de controle sobre a sociedade.

Essa hegemonia esportiva somente passou a sofrer questionamentos mais expressivos a partir de 1980, com base em diferentes perspectivas teóricas. Entre elas, algumas fundamentadas nas Ciências Sociais. Boa parte das novas abordagens que surgiram na Educação Física propunha objetivos, métodos e fundamentações no sentido de aprimorar ou transformar a área, como, por exemplo, a abordagem ‘Crítico-Superadora’ e a abordagem ‘Crítico-Emancipatória’.

As diretrizes legais a partir desse período também passaram a contemplar a preocupação com uma formação pedagógica mais consistente para os alunos da graduação. Entre elas podemos destacar a Resolução CFE n° 03/87, que norteou a elaboração dos PPCs até o ano de 2004, os quais deveriam estar baseados na formação humanística e técnica. Também a Resolução CNE/CP n° 1/2002, determinando, entre outras coisas, que a formação dos graduandos ocorresse de forma contextualizada, interdisciplinar e reflexiva, de modo que

fosse assegurada a autonomia intelectual e profissional dos estudantes, e a Resolução CNE n° 07/2004, que passou a orientar a elaboração dos PPCs agregando às perspectivas técnico- científicas, dimensões políticas e sociais na formação docente, entre outras determinações. Contudo, o conteúdo esportivo permaneceu muito forte na composição dos cursos e, com ele, perspectivas técnico-instrumentais e de rendimento, historicamente presentes na constituição da área.

É isso que Bracht (1992) destaca ao mencionar que nenhuma das várias abordagens da Educação Física, desenvolvidas até a elaboração do seu estudo, pareceu ter reunido condições de superar a preponderância do fenômeno esportivo no campo da Educação Física200. Observação que, embora tenha sido realizada há alguns anos, é confirmada pelo Projeto Pedagógico do Curso de Educação Física do CEFD, elaborado em 1990 e em vigor até o ano de 2004, e pelo reconhecimento da Instituição, em nível nacional, como ‘Centro de Excelência Esportiva’, no final da década de 1990.