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5. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E SEUS

9.3 DECRÉSCIMO DE ATIVIDADES PRÁTICAS

Três das cinco narrativas apontam, no entanto, a ocorrência de uma alteração no predomínio das atividades práticas, inclusive de natureza esportiva, nas aulas da graduação em Educação Física, com o passar dos anos. A data não é identificada com precisão, mas um dos entrevistados indica a possibilidade disso ter ocorrido no ano de 1998, enquanto dois colaboradores consideram a possibilidade do fenômeno ter ocorrido por conta da valorização da trajetória acadêmica dos candidatos nos processos de seleção de professores, promovidos pelo CEFD.

O fato é que é marcante a consideração de que os conceitos, as noções, os métodos e as teorias didático-pedagógicas passaram a ser prestigiadas na Instituição, de tal forma que se restringiu a experiência para a ação dos futuros professores de Educação Física201. Um dos outros dois colaboradores, nesse caso, limitou-se a mencionar uma mudança no perfil do corpo docente a partir dos afastamentos dos professores do CEFD para qualificação

200 É possível identificar esse acontecimento, também, na sequência, no tópico que trata dos estrangeiros no

CEFD, de modo que ficam evidentes as dificuldades em se superar um paradigma historicamente instituído e fortalecido na área.

201 A categoria ‘Pedagogia/Didática da Educação Física’ na qual foram classificados alguns Trabalhos de

Pesquisa, Ensino e Extensão encontrados nos documentos, não é conclusiva, indicando uma oscilação elevada no período. A título de exemplo, de 2 (dois) trabalhos encontrados em 1992, passa por 8 (oito) trabalhos em 1997, 2 (dois) trabalhos em 1998, 29 (vinte e nove) trabalhos em 1999, 1(um) trabalho em 2000 e 1 (um) trabalho em 2001.

profissional em 1976202. Desta forma, a noção não recaiu sobre mais ou menos atividades práticas, mas sobre o estabelecimento de alternativas diante da preponderância esportiva no ensino, como o enfoque em diferentes nuances da Aprendizagem Motora, por exemplo. Infere-se, baseado nessa consideração, que mudanças no perfil do grupo docente tenham ocorrido ao longo da década de 1980, quando os professores retornaram ao trabalho no CEFD, coincidindo, inclusive, com os movimentos emergentes na Educação Física Nacional.

Contudo, tanto Mazo (1997), quanto Bitencourt (2006), de forma complementar, destacam a ênfase nos aspectos técnicos e de rendimento físico/desportivo na composição das ações de ensino promovidas historicamente pela Instituição, envolvendo um período que abarca, justamente, o recorte temporal estabelecido nesse trabalho. O que denota uma primeira contradição mais efetiva entre a maior parte das narrativas e as informações bibliográficas.

Tal contradição talvez seja resolvida através da própria bibliografia antes que cheguemos aos documentos. Senão, vejamos o que consideraram Caparroz e Bracht (2007) ao tratarem de questões vinculadas à didática em sua obra. Para esses autores, houve uma gradativa “sociologização do pedagógico” na década de 1980, em contraponto à reprodução das relações capitalistas na Educação Física. Nesse caso, passou-se a promover discussões na área baseado em temáticas de ordem histórica, psicológica e sociológica. Tal fato causou estranhamento naqueles não iniciados no tratamento de problemas dessa natureza, de modo que não é incomum ouvir de profissionais graduados “[...] antes da reformulação curricular dos anos de 1990, que eles eram práticos, sabiam fazer e que, agora, os novos professores são teóricos e não sabem fazer (ensinar)” (CAPARROZ e BRACHT, 2007, p. 26).

Essa consideração revela certa tendência, pois deriva de uma obra com temática e objetivos distintos, passando por fenômeno semelhante ao que está aqui em pauta. Há, de fato, nesse caso, a abordagem de um contexto no qual, aparentemente, cabe a lógica do argumento desenvolvido pelos autores, uma vez que todos os colaboradores desse estudo formaram-se antes de 1990. Embora, mais uma vez, nem todos tenham assumido esse posicionamento quanto à relação teoria-prática, em desfavor desta última, nos cursos do CEFD.

Assim, atentemos para a configuração curricular estabelecida pelo PPC/CEFD/UFSM – 1990. Embora este ainda conservasse um forte caráter técnico no conjunto de disciplinas e nas especificidades que apresentavam no contexto da motricidade humana –

aproximadamente 57% da carga horária total203 – o Documento trouxe um avanço na forma de conceber as ações formativas a partir dos distintos componentes curriculares.

Nesse caso, primou-se pela compreensão, pela análise e interpretação dos conteúdos em grande parte das disciplinas, seguidos pela indicação de se aplicar os saberes em situações de ordem prática. Isso representou um acréscimo de complexidade aos objetivos de “conhecer e executar”, tão comuns nas ementas do PPC anterior. Ademais, importa lembrar que no primeiro Projeto Pedagógico do Curso, eram 1000 horas/aula destinadas as ‘Matérias Profissionalizantes’, as quais eram constituídas por atividades esportivas, sendo eminentemente práticas. Assim, de um documento para outro, em um intervalo de 20 anos – período que todos colaboradores vivenciaram institucionalmente, em maior ou menor tempo204 – houve, entre outras alterações, uma redução de 40% na carga horária destinada as disciplinas de natureza esportiva. A percepção de que várias disciplinas deixaram de existir, como a ‘Educação Física’205

, pode ter contribuído com o entendimento presente na maioria das narrativas, de que “a teoria venceu a prática” (Colaborador A).

Outros fatores também podem ter influenciado a compreensão de que as práticas foram reduzidas acentuadamente. De um lado, dois dos cinco entrevistados indicam que a política de desenvolvimento institucional relativa à pós-graduação gerou um incentivo à constituição de um perfil de aluno-pesquisador no CEFD, diferenciando-se, as perspectivas, daquelas que tinham os primeiros discentes da Instituição – atuar nas escolas. De outro, uma das narrativas indica que, com o passar dos anos, começou a se modificar a compreensão socialmente aceita de que os professores de Educação Física deveriam ter boa forma, no sentido estético, além de serem atletas. O surgimento das abordagens críticas na Educação Física, a partir de 1980, provavelmente, colaborou com essa mudança.

Em tal contexto, muitos alunos passaram a ingressar no Curso interessados em diversas possibilidades que a formação em Educação Física oferecia. Como o esporte era responsável pelo maior parte das atividades práticas no contexto geral da graduação, pode ter havido um decréscimo de projetos e atividades nesse campo por conta desse novo perfil.

Assim chegamos aos documentos. Em consulta aos Trabalhos de Ensino, Pesquisa e Extensão realizados entre 1974 e 2003, constatou-se que aproximadamente 6% destes

203

Importa não cairmos na tentação de associarmos indiscriminadamente disciplinas de ordem técnica com disciplinas práticas, mesmo que as noções de técnica e prática encerrem características que as aproximam. É possível desenvolvermos conteúdos que tratam de questões técnicas relativas à profissão, com 10% ou 90% de atividades teóricas, por exemplo.

204

Ingresso dos colaboradores como docentes na Instituição ocorreu entre os anos de 1971 e 1984.

205 Encarregada dos Clubes Universitários e que deixou de ser obrigatória na Educação Superior com a Lei n°

constituíram-se com foco prioritário em questões ligadas diretamente ao fenômeno esportivo. O maior número de registros dessas atividades foi encontrado nos documentos relativos aos anos de 1999 e 2001, com 29 (vinte e nove) e 20 (vinte) trabalhos, respectivamente.

Sobre esses dados cabe considerar ainda que, mesmo referindo-se ao contexto esportivo, alguns trataram de temáticas relacionadas à Medicina ou a Psicologia do Esporte, por exemplo. Casos em que as abordagens tenderam a ser teóricas, pelo menos em um primeiro momento.

Considerado isso, avancemos com as informações disponíveis sobre a temática, levando em conta os trabalhos desenvolvidos especificamente na extensão. Estes podem ser uma referência importante para a compreensão dos acontecimentos, uma vez que tendem a se configurar como atividades práticas. Assim, temos que, em 1992, foram produzidos seis trabalhos de extensão, em uma curva crescente de produções alcançando trinta e cinco no ano de 1995. Esse número conservou-se entre dezesseis e trinta e cinco até 1999, quando alcançaram setenta e cinco produções, mantendo-se entre vinte e nove, e quarenta e oito produções anuais até 2002. Ou seja, há indícios de que projetos com tendências de ações práticas foram produzidos de forma crescente na Instituição especialmente na década de 1990.

Gráfico 60 – Trabalhos de Extensão

Entretanto, devemos estar atentos ao fato de que isso não encerra definitivamente a questão, determinando que as atividades práticas apresentaram um produção crescente no CEFD. A cautela se deve a necessidade de considerar o trabalho cotidiano da graduação, que representa um volume de relações formativas altamente significativo nesse contexto.

Em consulta ao Ementário UFSM – 1994 e ao Ementário UFSM – 1996/1997206 identificou-se uma tendência no curso de Educação Física em se promover o conhecimento, a

compreensão, a análise e o relacionamento dos saberes nas disciplinas curriculares, sem deixar de observar a necessidade de aplicação dos conhecimentos específicos na prática. Essas perspectivas estavam baseadas em um PPC que, apesar de sintético e genérico, como observa Bitencourt (2006)207, ampliou a forma de se conceber o processo de formação dos alunos estabelecendo, ao lado da técnica, conhecimentos sobre o homem e a sociedade, juntamente com conhecimentos de ordem filosófica. Tanto que ‘Antropologia do Movimento’ e ‘Filosofia e História da Ciência’ figuravam entre as matérias a serem estudas pelos graduandos, com uma carga horária de 60 horas e 45 horas semestrais, respectivamente.

Contudo, a apreciação dos dois documentos, na íntegra, não nos autoriza a considerarmos imediatamente uma redução da prática nas relações mediadas pelo Centro – no período ao qual se referem. Até porque indicam um volume expressivo de disciplinas voltadas para as questões técnicas da profissão e, mesmo, um acréscimo destas se compararmos com a configuração disciplinar apresentada no PPC/CEFD/UFSM – 1990, passando de 46% para 59% do total de disciplinas.