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A decisão por trabalhar com documentários mais curtos e fazer coberturas audiovisuais de manifestações tem uma motivação diretamente atrelada à forma de organização que os integrantes do Nigéria queriam para o grupo. Eles possuem uma visão sobre o que é ser um coletivo bastante condizente com a definição feita por Migliorin (2012). O autor afirma que este tipo de agrupamento traz como característica uma relação entre os membros não institucionalizada por meio de contrato ou de uma posição na cadeia produtiva. Estes membros buscam uma horizontalidade na ação, rejeitando hierarquias, como afirma Bruno Xavier:

Pra mim, pra entrar nessa lógica [de produção de longas para cinema], a gente teria que entrar numa lógica de hierarquia. Que é uma lógica que a gente não vai, não vai mandar, não vai ter alguém dando ordens. A gente ainda não pode estabelecer uma ordem que não seja uma ordem horizontal, entendeu? Ela tem que ser sempre uma lógica de parceria, tanto com quem chama a gente pros trabalhos, quanto com quem a gente entrega. No cinema, a gente acha que isso não funciona. A figura do diretor e tal. A gente não quer essa figura. Os três juntos. Os três fazem. E aí não tem a figura de que você tem a casta menor. E castas, de algum modo, vai… a mim, me incomodava muito pensar a Nigéria dentro desse esquema”.54

Esse posicionamento justifica a opção por se envolverem mais em projetos de curtas- metragens, que permitem que possam realizar um número bem maior de produções, diversificando mais o trabalho. Entretanto, isso não implica necessariamente em descartar documentários de longa-metragem. “Tipo o Swingueira55, né? A gente tem um bom

financiamento, para fazer um longa em um ano. Mas a gente não para pra fazer só isso, porque,

53 Ibidem. 54 Ibidem. 55

Swingueira é o título provisório do documentário que o coletivo trabalha entre os anos de 2016 e 2017, com previsão de lançamento em 2018. O filme se propõe a investigar corpo, juventude e periferia no Nordeste, partindo do movimento de música e grupos de dança da ''swingueira'', também chamado de ''pagode baiano'', na Bahia, e ''muvucão'', em Pernambuco.

sei lá, a gente não quer. E aí a gente fica fazendo o Swingueira, mas faz uma porrada de coisa ao mesmo tempo”, afirma Roger56.

O Nigéria se afirma como uma produtora de audiovisual. Todavia, para além disso, os integrantes se veem como um coletivo. “A gente é uma empresa que teve que se constituir formalmente para tirar nota fiscal, mas a gente não se comporta como uma empresa porque a gente nega trabalho”, esclarece Yargo57. De acordo com ele, o grupo segue uma linha editorial,

um posicionamento político do qual afirmam não abrir mão. “E, por conta disso, não existem cargos aqui, somos nós”, completa58.

A rotina de trabalho também é defendida por eles como um diferencial em relação às relações existentes em empresas formais do mercado de audiovisual. Nas reuniões em que discutem os projetos, informam não haver burocracias no processo. “Eu sempre estou deitado ali, dando a luz, sabe. A gente vai de pé descalço, tá ligado? A gente não age como uma empresa formal”, analisa Yargo59, que já trabalhou em veículos de comunicação da cidade, mas diz não se

ter adaptado a este esquema de trabalho. Para ele -- e tal posicionamento defende como comum entre os integrantes --, o trabalho não foi iniciado com o objetivo de ganhar dinheiro, mas de fazer algo que sentiam desejo de fazer.

Esse “ser um coletivo” os instigou a realizar trabalhos que não são remunerados, como é o caso das ações de videoativismo que já realizaram. Entre estas, está a cobertura do movimento popular que fez resistência, em 2013, à derrubada de árvores no Parque do Cocó60 pela Prefeitura de Fortaleza para a construção de dois viadutos. O “Onze”, que trata das pessoas que foram assassinadas por policiais militares do Ceará no bairro de Messejana, na capital cearense, também é um destes. Realizado em parceria com o Coletivo Zóio, sem nenhum financiamento, o filme é apontado pelos integrantes do Nigéria como um dos que lhes deu mais satisfação pessoal. E, além destes, há o “Com Vandalismo”, longa produzido através da compilação das coberturas feitas por eles, em Fortaleza, das manifestações populares de junho 2013, que tomaram as ruas de todo o país. Este é tido como o filme que gerou mais retorno ao coletivo em termos de reconhecimento e repercussão, não só em Fortaleza, como no âmbito nacional.

56Entrevista concedida ao autor em 21/07/2016. 57 Idem. 58 Ibidem. 59 Ibidem. 60

O Parque Ecológico do Rio Cocó é um parque estadual localizado em Fortaleza. Território de conservação da vida natural, possui uma área de 11,552 km² e um dos maiores parques urbanos da América Latina e do mundo.

Yargo61 afirma que há uma vontade muito maior entre eles de trabalhar com movimentos sociais pelo fato de estes grupos se envolverem em pautas de transformação social, e não apenas naquelas ligadas a lucro, como, dizem, acontece nos grandes grupos empresariais de comunicação. “É isso que fez a gente sair do mercado formal e vir trabalhar com essa lógica”, justifica Yargo62.

Uma outra característica que associa o Nigéria ao conceito de coletivo trazido por Migliorin (2012) no que diz respeito ao intercâmbio com outros coletivos, com a natureza aberta dessas organizações a outros grupos. O curta-metragem “Onze”, já citado aqui, é um exemplo disso. O Coletivo Zóio, que produziu o documentário com conjunto com o Nigéria, é um grupo surgido no Curió, bairro pobre de Fortaleza, cuja ação é mais voltada para a fotografia, que é utilizada com o objetivo de ressignificar a imagem da Periferia. Por esta razão, eles não possuem muito conhecimento sobre edição de vídeos, que acabou sendo feita pelo Nigéria. Já as entrevistas, em sua maioria, foram feitas pelo Zóio. “O nosso modus operandi que a gente mais gosta é esse modo mais livre, é o modo colaborativo. É o modo que não existe hierarquias, em que todo mundo faz”, defende Yargo63.

Essa ideia do trabalho em rede é uma das características fundamentais dos coletivos, segundo Migliorin, quando afirma o coletivo é um ponto na rede, mas também ele próprio uma rede, que, inclusive, cria potências que podem sair para compor novas redes. O que une esses diferentes grupos e indivíduos é uma utopia em comum, uma ideologia, um posicionamento político. No caso do Nigéria, as conexões se dão pelo compartilhamento de pautas relacionadas à transformação social, como já definiu Yargo64. Situações diferentes destas são relegadas pelo grupo. “Se chegasse alguém pra falar: ‘Ó! Quero ganhar dinheiro’. Bicho, isso aí não rola, saca? Porque eu acho que isso tem a ver com o tipo de organização que a gente é, que faz da gente um coletivo”, defende o integrante65. O dinheiro, aponta, vai surgindo com o reconhecimento e a

credibilidade que eles forem construindo. Quando um documentário que traz a temática dos direitos humanos é lançado por eles, outros grupos que querem financiar um trabalho do tipo

61Entrevista concedida ao autor em 21/07/2016. 62 Idem. 63 Ibidem. 64 Ibidem. 65 Ibidem.

acabam procurando também. Isso faz com que, aponta Yargo66, eles consigam se sustentar “sem abrir mão da veia política”.

O nosso capital é a nossa credibilidade. Se a gente perde a nossa credibilidade, a gente vai perder dinheiro, sabe? Se a gente um dia fizer uma campanha pro PT67, fizer uma campanha pro PSDB68,

sei lá, a gente perde credibilidade. É por isso que é importante pra gente manter esse tipo de organização que a gente é. Sempre baseado em fazer coisas que estão ligadas em transformação social, diferente de um emprego. Lucrar, lucrar, sabe? E a gente não tem lucro, a gente só se paga e se sustenta, só isso, sabe?69

Recusar trabalhos do PT e do PSDB, entretanto, não significa abrir mão de qualquer trabalho de linha partidária. Não somente os integrantes do Nigéria individualmente, mas o coletivo em si já realizou trabalhos, como a propaganda política para televisão, do PSOL. Yargo70 defende que os trabalhos realizados pelo PSOL não são pelo partido em si, mas pelas pautas que este empreende, que vão ao encontro dos ideais do Nigéria. Ele diz que os integrantes do coletivo não são partidários, apesar de terem feito a campanha da sigla. “O PSOL é um partido que representa, de alguma maneira, os movimentos sociais. Tem o PSTU, mas que é mais ligado à classe operária. O PSOL, acho que ele tem uma pauta mais ampla, mesmo sendo um partido”, justifica.

É também dessa relação de rede, tanto com outros coletivos, como com organizações da sociedade civil e indivíduos envolvidos nas lutas de direitos humanos, que o Nigéria encontra as pautas que decide abraçar, que escolhe as temáticas que serão abordadas em suas produções audiovisuais.

A maioria dos temas que a gente trabalha são provocações externas dos espaços em que a gente está metido. Então, movimentos sociais, indivíduos, grupos, todos estariam, de certa forma, dentro de um guarda-chuva de militantes dos direitos humanos. Acho que dificilmente vem alguma coisa de fora disso, das organizações sociais, ONG’s, movimentos.71

66

Ibidem.

67Partido dos Trabalhadores (PT). 68

Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

69Entrevista concedida ao autor por Yargo Gurjão em 21/07/2016. 70

Idem.

Estas provocações a eles feitas são realizadas pelos indivíduos ou grupos, pessoalmente ou via redes sociais. Além disso, destaca Roger72, algumas sugestões lhes são passadas em meio a manifestações e protestos dos quais fazem parte, tanto quanto militantes, como quanto jornalistas, através da cobertura do Nigéria. Ele73 cita o curta “Faixa” (2017), que trata da atuação de três grupos cicloativistas74 de Fortaleza (Ciclovidas, Ciclanas e Massa Crítica), em três ações simbólicas promovidas pelos mesmos na cidade. A pauta surgiu da participação do coletivo na cobertura de alguns atos da Massa Crítica e também de um debate sobre cidades no qual estiveram presentes a convite da Ciclovida. Através destas situações, ao conhecer esses atores da cidade e acompanharem os eventos que surgem, eles vão avaliando as sugestões de temas e percebendo o que está gerando repercussão e interesse público. É o embrião de um novo projeto. “A gente alia a sustentabilidade de uma produção com a vontade de querer falar, de querer vivenciar, pesquisar sobre o tema”, diz Roger.