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Uma tendência que se configurou no início do século XIX, segundo Thompson (2011), foi a transformação das instituições de mídia em interesses comerciais. Com sua comercialização, o seu caráter muda profundamente, transformando o que antes era um fórum exemplar de debate crítico-racional em apenas mais um domínio de consumo cultural. Com a concentração desse poder simbólico nas mãos de alguns poucos grupos empresariais, houve uma clara e intencional redução na diversidade de vozes ouvidas pela mídia.

Canclini (2002) amplia esse pensamento, afirmando que:

Uma descoberta que se confirma em diversas pesquisas dos últimos anos é que a imprensa, o rádio e a televisão contribuem para reproduzir, mais do que para alterar, a ordem social. Seus discursos têm uma função de mimese, de cumplicidade com as estruturas sócio-econômicas e com os lugares comuns da cultura política. Mesmo quando registram manifestações de protesto e testemunham a desigualdade, editam as vozes dissidentes ou excluídas de maneira a preservar o status quo. (CANCLINI, 2002, p. 50)

Diante deste quadro, sabendo-se da improbabilidade de a mídia empresarial encampar bandeiras e discursos dissidentes, de vozes subalternas, minoritárias, surge uma comunicação alternativa, disposta trazer esses grupos para o centro das discussões e fazer reverberar suas lutas para públicos não diretamente envolvidos em suas ações.

Cicília Peruzzo (1998) fala em comunicação popular, defendendo que este não é um fenômeno recente, mas que só nas décadas de 1970 e 1980 surgiu de maneira mais representativa na produção científica do campo da comunicação social.

Numa conjuntura em que vinha à tona a insatisfação decorrente das precárias condições de existência de uma grande maioria e das restrições à liberdade de expressão pelos meios massivos, criaram-se instrumentos “alternativos” dos setores populares, não sujeitos ao controle governamental ou empresarial direto. Era uma comunicação vinculada à prática movimentos coletivos, retratando momentos de um processo democrático inerente aos

tipos, às formas e aos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles da estrutura então dominante, da chamada “grande imprensa”. Nesse patamar, a “nova” comunicação representou um grito, antes sufocado, de denúncia e reivindicação por transformações, exteriorizado sobretudo em pequenos jornais, boletins, auto-falantes, teatro, folhetos, volantes, vídeos, audiovisuais, faixas, cartazes, pôsteres, cartilhas etc. (PERUZZO, 1998, p. 114-115)

Resultado de um processo surgido da própria dinâmica dos movimentos populares, essa comunicação traz como características essenciais a questão participativa voltada para a mudança social. A definição de o que vem a ser, de fato, a comunicação popular, admite a autora, ainda é imprecisa. Entretanto, ela utiliza de suas pesquisas e da bibliografia já existente para traçar algumas particularidades comuns a estes meios. De maneira geral, comunicação popular seria uma realização da sociedade civil, admitindo o pluralismo e ocupando novos espaços ou incorporando canais de rádio e televisão e outras tecnologias de comunicação, como as redes virtuais.

A comunicação popular também é comumente chamada de alternativa por alguns autores, mas diversos outros adjetivos também são utilizados para referir-se a estas experiências, como comunitária, participativa, dialógica, horizontal etc. Peruzzo (1998), todavia, levanta uma distinção entre os termos popular e alternativo.

No Brasil, a expressão “imprensa alternativa” tem recebido conotação específica, entendendo-se por ela não o jornalismo popular, de circulação restrita, mas os períódicos que se tornaram uma opção de leitura crítica, em relação à grande imprensa, editorialmente enquadrada nas regras da censura imposta pelo regime militar, mas confortavelmente assentada na condição de monopólio informativo. Também chamada de “nanica”, foi lançada no mercado a partir da década de sessenta, para tornar-se mais frequente e variada nos anos setenta. (PERUZZO, 1998, p. 120)

Por questões conjunturais, esses veículos desapareceram, mas deixaram como herdeiros a imprensa popular e a imprensa partidária, aponta a autora. A expressão comunicação popular, entretanto, é mais ampla e abriga diversos meios de comunicação. Inicialmente, a definição se dava pela característica de estes meios serem simples, de circulação limitada e produzida quase que artesanalmente por grupos populares. Posteriormente, passou-se a dizer que ela “não se

refere ao tipo de instrumento utilizado, mas ao conteúdo das mensagens” (FESTA, Regina apud Peruzzo, 1999, p. 123). Depois, surgiram autores que defendem que “não são os meios técnicos em si que definem a comunicação popular, nem tampouco são os seus conteúdos. O alternativo estaria no processo de criação conjunta, diálogo, construção de uma realidade distinta na qual a pessoa seja sujeito pleno” (GOMES, Pedro Gilberto apud Peruzzo, 1998, p. 123).

Peruzzo, então, traça cinco características que compõem a comunicação popular. A primeira delas é a) “expressão de um contexto de luta”. Apoiando-se em Festa e Gomes, a autora afirma que esta característica está ligada à luta do povo e tende a se converter em um processo dialético entre teoria e prática. Estes meios, portanto, seriam o espaço de conscientização, mobilização, educação política, informação e manifestação cultural do povo. “É canal por excelência de expressão das denúncias e reivindicações dos setores organizados da população oprimida” (PERUZZO, 1998, p. 125).

A segunda característica seria b) “conteúdo crítico emancipador”. Ela traz em seu conteúdo a crítica da realidade e o anseio de emancipação, denunciando as condições reais de vida e as desigualdades existentes. Em seguida, c) “espaço de expressão democrática” é o aspecto evidenciado no fato de a comunicação popular referir-se à abertura de novos canais para segmentos sociais sem garantia de acesso aos meios massivos para expor suas ideias e reivindicações.

O quarto aspecto é o que traz d) “o povo como protagonista”. “A comunicação popular tem como protagonistas o próprio povo e/ou as organizações e pessoas a ele ligadas organicamente. Nesse caso, ele é visto no seu antagonismo em relação às classes dominantes e concebido como o conjunto das classes subalternas” (Idem, p. 127). Peruzzo ressalta que a comunicação pode se dar em dois sentidos: a que surge no âmbito das próprias classes subalternas e a que tem origem em classes hegemônicas, mas que é dirigida às classes subalternas.

Por fim, a autora traz a característica de e) “instrumento das classes subalternas”. Peruzzo explica: “Nesse caso, ela é vista como oposta ao modelo massivo em poder das classes dominantes, o qual é encarado como impositivo” (Ibidem, p. 127-128).

A análise dos meios de comunicação contemporâneos ligados às classes subalternas ainda leva em consideração os fatores acima citados. Todavia, com a popularização da Internet e das

redes sociais virtuais e com a nova conjuntura surgida no Brasil e no mundo, outros elementos são necessários para o estudo das experiências midiáticas que foram surgindo ao longo dos anos.