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Pierre Lévy (1999), grande entusiasta da tecnologia, defende que a internet trouxe o fim da comunicação de “um para muitos” e deu início a uma nova era com a comunicação de “todos para todos”. Essa visão é reforçada por Castells (2013), que chama de “autocomunicação” esse uso da internet e das redes sem fio como plataformas da comunicação digital, permitindo essa comunicação de muitos para muitos. A utilização destas possibilidades pelos movimentos sociais permite, segundo o autor, dar uma dimensão bem maior de poder a eles, a ponto de Castells (2013, p. 28) afirmar que os movimentos sociais em rede podem ser os “arautos da mudança social no século XXI”.

Em nossa sociedade, o espaço público dos movimentos sociais é construído como um espaço híbrido entre as redes sociais da internet e o espaço urbano ocupado: conectando o ciberespaço com o espaço urbano numa interação implacável e constituindo, tecnológica e culturalmente, comunidades instantâneas de prática transformadora” (CASTELLS, 2013, p.20).

Ainda que não se caracterize, na verdade, como um movimento social, o Nigéria se relaciona diretamente com a análise de Castells, uma vez que sua produção está relacionada com as lutas e pautas dos movimentos populares. E, identificando-se como um coletivo de audiovisual, ele, assim como muitas outras experiências alternativas de mídia, utiliza-se destas novas oportunidades para ganhar seu espaço e, assim, criar ambientes de visibilidade às minorias. Estes atributos, conforme Gomes (2008), criam a zona propícia para que estes grupos subalternos possam ter voz:

[...] características próprias da Internet a convertem num ambiente de comunicação ideal para vozes que não costumam ser ouvidas no madrigal considerado socialmente relevante. Algumas dessas vozes estão fora do concerto por que pertencem a grupos, classes, povos etc. que são socialmente postos à margem dos fluxos predominantes da comunicação. (GOMES, 2008, p. 312)

A primeira vez que o Nigéria registrou essas vozes citadas por Gomes com a intenção de divulgá-las por meio da rede mundial de computadores foi com o vídeo “Posse da Nova Estiva” (2012)76. O coletivo acompanhou uma ação de despejo, realizada em 18 de dezembro de 2012 por ordem da Justiça no bairro Serviluz, na zona leste de Fortaleza. O material, em formato de reportagem, destaca as falas das famílias de baixa renda que ocuparam o local em agosto do mesmo ano para fins de moradia e que alegam que havia abandono daquele espaço. O vídeo foi divulgado noYoutube seis dias após o despejo.

“Eu acho que foi um aprendizado também, porque, tipo, a gente botou muita energia nele [o vídeo], só que ele não teve tanto acesso, acho que foram uns 1200 [visualizações]. Isso daí foi, também, um negócio que a gente aprendeu: na verdade, a internet ela é um território diferente da TV”, analisa Yargo77. Segundo ele, a motivação para o reduzido número de acessos, diante de

todo o potencial que a Internet permite, foi o formato do vídeo. Para ele78, é a ação que atrai os internautas. Após essa percepção, eles entenderam que era necessário fazer produções mais dinâmicas, para conseguir um maior retorno no meio digital.

“Por exemplo, a gente começou a bombar em 2013, porque tinha ação, velho, tá ligado? E a gente foi gravar um vídeo que era, tipo, chuva de gás lacrimogêneo… aí já tinha 13.000

76

Reportagem pode ser acessada no Youtube através do link: https://www.youtube.com/watch?v=ZIHhArkbZdw. 77Entrevista concedida ao autor em 21/07/2016.

78 Idem.

visualizações, tá ligado?”, relembra Yargo79. O vídeo citado refere-se à cobertura que o Nigéria

fez das manifestações de junho de 2013, acompanhando o enfrentamento com a polícia na linha de frente e postando os vídeos logo em seguida. Foi a partir deste trabalho que o Nigéria ganhou maior repercussão na cidade, mostrando os eventos de uma maneira que não era encontrada na mídia convencional, até mesmo pela rejeição dos manifestantes em relação aos grandes meios de comunicação.

Essa reação negativa aos grupos empresariais de comunicação nos protestos foi registrada em todo o País. Na capital cearense, um carro de reportagem da TV Diário foi queimado e outro da TV Jangadeiro foi depredado durante manifestação no dia 27 de junho, próximo ao estádio Castelão. A saída para muitos veículos de comunicação foi registrar os acontecimentos à distância, de cima de prédios ou de dentro de helicópteros. Isto fez com que o Nigéria, por estar dentro da linha de frente dos combates, conseguisse imagens que retratavam, de forma mais fidedigna, os fatos. Essas imagens rapidamente se espalharam pela Internet e internautas passaram a seguir o coletivo pelas redes sociais para acompanhar os fatos.

De posse de todo aquele material audiovisual que conseguiram captar das manifestações, o coletivo o compilou em um documentário de longa-metragem que foi intitulado de “Com Vandalismo”. O vídeo foi divulgado no Youtube cerca de um mês depois das manifestações, em 26 de julho. Foi o primeiro documentário sobre as Jornadas de Junho a ser lançado no Brasil, o que fez com que os olhos da internet de todo o País fossem se voltando para o grupo. “Na época das manifestações, a gente tinha 300 curtidas no Facebook. Aí, eu acho que depois do ‘Com Vandalismo’, aumentou, assim, tipo pra 3.000”, relata Yargo80. Eles[79]81 afirmam que, até

então, não movimentavam sua conta na rede social. Não davam a ela a importância que hoje dão, quando já reconhecem o potencial de divulgação que ela possui.

O documentário “Com Vandalismo” é, até o presente momento, o que mais repercussão teve na história do coletivo, tendo sido exibido em diversas partes do país e tendo ganhado as páginas da imprensa, como as da Revista Piauí, Correio Braziliense, Catraca Livre e Jornal O Povo. O filme, que possuía 253 mil visualizações em março de 2017, chegou a ganhar o Prêmio Câmara Cascudo, do Festival de Cinema de Gostoso 2013 (Rio Grande do Norte).

79 Ibidem. 80 Ibidem. 81 Ibidem.

Desde de 2015, entretanto, eles concluíram que a melhor forma de divulgação dos vídeos é no Facebook, e não mais no Youtube. Ao longo desses anos, eles aprenderam não só onde é possível conseguir uma maior repercussão de seus vídeos na Internet, como também o formato que deve ser levado a ela.

O “Defensorxs”, por exemplo, que foi lançado em 2015, não se encontra de forma aberta na rede. O documentário longa-metragem -- o qual registra o cotidiano da luta de populações indígenas e LGBT, a ação de defensoras e defensores dos direitos à moradia e à justiça, e a resistência de comunidades tradicionais a megaobras do Estado -- só pode ser visto pela plataforma Vimeo, que, diferentemente do Youtube, permite aos administradores exigir senha para visualização. “O público da internet é muito disperso, e o Defensorxs é um filme de imersão, você precisa parar e assistir, tá ligado? E o que que a gente fez pra valorizar o filme? Falou: ‘oh, galera, quem quiser ver o filme, pede a senha’”, explica Yargo82.

E além do formato e da plataforma, eles perceberam que outro fator de valorização de seus filmes está no timing. O fato de divulgar um vídeo sobre uma pauta que está em forte debate na sociedade garante um maior interesse do público. Essa estratégia vem sendo seguida pelo coletivo nas suas últimas produções, aliada a uma outra preocupação: a qualidade estética dos vídeos, de imagem e de som. Isso faz com que os vídeos tenham uma divulgação maior do que aqueles feitos por câmeras digitais, que “formigam” na rede cibernética.