• Nenhum resultado encontrado

4.2 Caderno de Acompanhamento: espaço de diálogo entre família e escola

4.3.2 Práticas de letramentos mediadas pelos Planos de Estudo e produção do

4.3.2.2 Colocação em Comum

A Colocação em comum é, por sua natureza, uma atividade de socialização dos resultados de pesquisas sobre os temas dos PE. Mas há outras atividades de um CEFFA que utilizam a Colocação em comum. Por isso, ela possibilita conhecer e partilhar as descobertas, os ganhos e as contribuições para a formação de cada um dos alternantes. Os monitores, enquanto formadores, provocam os estudantes a refletir sobre os resultados das pesquisas relativas aos temas dos PE. Portanto, é um instrumento pedagógico que dá “poder de voz” a cada um e ao grupo (de estudantes e monitores).

Na sequência, apresentamos um excerto (transcrito) das interações registradas durante a realização das atividades da etapa Colocação em comum a respeito do tema do PE 01 – Agricultura familiar, coordenada pelo monitor Décio:

Décio: Todo mundo tá com o PE aberto aí na cadeira? (Escrevendo o título

do PE da Colocação em comum quadro negro)

Décio: Eu quero três candidato aqui. Agora. Nelma levantou a mão. Pode

vim.

Nelma: Não.

Décio: Levantou, vi alguma coisa.

Nelma: Não, estava tocando na mochila (risos... cobre o rosto com as

mãos, demonstrando timidez).

Décio: Levantou, vem Nelma. Vem o Francisco, Nelma e Francisco, e...

Augusto. Bora! Com o cadernim, com; Pode vim... precisa ter medo não. Pode vim com o cadernim... Vamos.

Nelma: Não tô nem com o caderno finalizado...(sorrindo)

Décio: Num tem nada não, pode vim. Traga o cadernim aberto que você vai

a..., vai ser a redatora. Bora! Pode botar uma cadeirinha pra vocês sentar aí que... vai ser demorado. (os três estudantes pegam seus cadernos com o questionário pesquisa do PE 01 – Agricultura familiar, cadeira e sentam à frente da turma, próximos à mesa do monitor e ao quadro negro).

Décio: É... vocês três, vão ser responsáveis, é, por fa...por... pelas

anotações do que há em comum. O que há em colocação de cada resposta, viu? Quem vai fazer são vocês. Só vou tá orientando. Tá bom? E você também vão ler as respostas de vocês, tá? Mas vocês três vão, vão, vão... fazer as anotações, sobre o que há de... (pede para a turma prestar atenção) sobre o que há de comum, em cada uma das respostas, e depois vocês três vão reunir e vão colocar no quadro o que foi de comum, no PE Agricultura familiar, do 1º ano, entendido?

Alunos: Entendido! (em coro) (Transcrição: VPE1-031, 26/02/2014, às

19h32 – de 5min28 a 7min34)

Durante essa atividade, o monitor conduziu as atividades, convidando todos os alternantes a socializarem cada uma das respostas obtidas durante a pesquisa sobre o tema do PE no Tempo Comunidade. Alguns estudantes preferiram fazer leitura das respostas, enquanto outra parte preferiu uma apresentação da resposta espontaneamente. Por outro lado, os três estudantes “redatores” convidados tomavam nota, sintetizando o que havia de comum entre as respostas socializadas pela turma. Em seguida, o monitor Décio solicitava que essa equipe (o trio) apresentasse a síntese, e que, na sequência, a turma apreciava e dizia se estava boa ou não. Quando a síntese não comtemplava o conteúdo ou informações de todas as respostas apresentadas, a turma ajudava e a equipe de redatores fazia os ajustes necessários. Após ser apreciada a versão final pela turma e o monitor, a síntese de cada uma das questões era transcrita no quadro negro pela colaboradora

Figura 15 – Colocação em comum – PE Agricultura familiar – Didatização97

Foto: Pesquisa do Autor (26/02/2014).

A didatização adotada pelo monitor – embora esse profissional não tenha formação na área de licenciatura – nessa etapa de estudo do PE focalizado, reforça que as opções didáticas são dignas de reconhecimento não só por incentivar os alternantes a conduzirem a própria Colocação em comum, mas sobretudo por criar condições para que os jovens em formação possam discutir, sistematizar, dialogar o próprio saber na práxis. Ações pedagógicas dessa natureza fertilizam as atividades alicerçadas na perspectiva da PA. Além de terem registrado a Colocação em comum na modalidade escrita da língua materna no CR, os alternantes que conduziram a atividade tiveram a oportunidade de usar a oralidade para apresentar ou para socializar os resultados de suas pesquisas, o que representa uma prática de letramento importante em sala de aula. A alternância, ao valorizar a oralidade nas práticas didático-pedagógicas, reconhece a importância da expressão oral em situações de interação e de construção do conhecimento no sistema formal de ensino. Evidentemente, tal constatação reforça que a formação nos CEFFA visa ao letramento ideológico, pois no processo formativo o estudante precisa ser capaz de superar a condição de mero “expectador” na construção do conhecimento, já que as atividades das quais participa exigem engajamento em diferentes atividades mediadas por interações orais e escritas em torno de temas geradores dos PE.

O texto (Figura 16) ilustrado na sequência faz parte do CR produzido pelo colaborador Leomar, um dos colaboradores da turma do 1º ano da escola-campo em 2014:

97

A foto mostra os estudantes responsáveis pelas atividades, em sala de aula, relacionadas à Colocação em comum referente ao PE Agricultura familiar.

Figura 16 – Colocação em comum – PE Agricultura familiar – Registro no CR

Esse texto da Figura 16 apresenta uma síntese da Colocação em comum a respeito do tema do PE 01 – Agricultura familiar. Não podemos deixar de reconhecer que, do ponto de vista do letramento escolar, é uma produção escrita que demanda revisões. Evidentemente, as inadequações dizem respeito ao uso da língua na modalidade escrita e poderiam ser solucionadas com a adoção da reescrita por parte dos monitores (formadores) responsáveis pelas orientações dos alternantes na produção do CR (cf. SILVA; ANDRADE, 2014), conforme apontamos anteriormente na seção 4.2.

Por outro lado, a produção do texto evidencia que o colaborador Leomar foi capaz de produzir um texto bastante informativo e fiel aquilo que estudaram a respeito do PE focalizado, com boa progressão temática, bem estruturado quanto à paragrafação e que materializa os resultados de uma ampla negociação entre diversos atores sociais, colocados como coautores, sujeitos que aprendem uns com os outros na interação dialógica (BAKHTIN, 2006) e não apenas com o monitor (professor formador). A escola tradicional tem quase sempre apenas um autor (aluno solitário) para um único leitor (professor). Na alternância, esses textos que compõem

o Caderno da Realidade têm razão de ser, são produzidos colaborativamente e os estudantes vão amadurecendo a capacidade de análise da produção em processo.

Tendo em vista o conhecimento construído pelos alternantes ao terem a oportunidade de estudar o tema do PE Agricultura familiar, a Figura 16 sintetiza pontos importantes e que, para o colaborador Leomar, são considerados os mais significativos, destacando-se: (i) importância da união e trabalho da família no cultivo da terra; (ii) produção de alimentos para melhorar a qualidade de vida e a renda familiar camponesa; (iii) assistência técnica de órgãos como Instituto de Desenvolvimento Rural do Tocantins, Associações e técnicos voluntários da comunidade visando a melhorar o cultivo da terra e a produção dos agricultores; (iv) aprendizado de técnicas naturais (práticas e fáceis) de controle de insetos/pragas, evitando assim o uso de agrotóxicos (produtos que trazem risco de contaminações do meio ambiente e dos agricultores); (v) produção de alimentos saudáveis e livres de contaminação; (vi) conhecimento de programas (Programa de Aquisição de Alimentos98 e Programa Nacional de Alimentação Escolar99) do Governo que garantem a aquisição dos alimentos produzidos pelas famílias dos pequenos agricultores.

Ademais, podemos destacar aqui que, talvez, antes de estudar o tema do PE

Agricultura familiar Leomar e a maioria dos colegas da turma não tivessem

conhecimento acerca de cultivo orgânico, controle de pragas com produtos naturais e dos programas que garantem aos camponeses o direito de vender sua produção a um preço “justo”. Entendemos que, ao desenvolver esse tema do PE, a EFAZD reforça que a formação alicerçada pelos princípios da alternância não visa apenas ao desenvolvimento do letramento escolar entre os jovens que ali estudam, mas sobretudo preparar os alternantes de modo que possam ser multiplicadores dos conhecimentos aprendidos na escola dentro das comunidades. Certamente, tais

98

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado em 2003 e é uma ação do Governo Federal para colaborar com o enfrentamento da fome e da pobreza no Brasil e, ao mesmo tempo, fortalecer a agricultura familiar.

99

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi implantado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em 1995. De acordo com a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, no mínimo 30% do valor repassado pelo PNAE a estados, municípios e Distrito Federal pelo FNDE deve ser aplicados na aquisição de produtos alimentícios “diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas. A aquisição dos produtos da Agricultura Familiar poderá ser realizada por meio da Chamada Pública, dispensando-se, nesse caso, o procedimento licitatório”. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar/agricultura-familiar> acesso em: 23 jun. 2017.

práticas trazem aspectos do letramento ideológico, que é fortalecer os estudantes como atores sociais.

Portanto, como mostram as análises realizadas a respeito da Colocação em comum nesta subseção, esse Instrumento Pedagógico promove uma cooperação efetiva no que diz respeito à valorização de diferentes saberes no processo de formação dos jovens (GIMONET, 1998). Ou seja, a Colocação em comum favorece a interação dos sujeitos do discurso, seja via modalidade oral ou escrita da língua. Por sua vez, a oralidade é privilegiada nessas atividades. E o mais interessante é que não há um saber escolar superior rivalizando com um saber prático do trabalhador. São saberes que interessam simultaneamente aos estudantes.

No tópico seguinte, analisamos a etapa Intervenção externa.