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1.3 A Pedagogia da Alternância

1.3.3 Os quatro pilares da Pedagogia da Alternância

As experiências formativas em alternância vivenciadas nas MFR, ao longo da história do movimento nos diferentes contextos, fomentaram discussões pautando a importância de assumir “uma identidade comum” para alcançar a unidade do movimento e preservar os ideais originais concebidos pela PA (GIMONET, 2007). Desse modo, conforme proposto pela UNMFR nas discussões a respeito da questão, foi estabecida “a carta de identidade” da PA, a qual apresenta os objetivos e os princípios basilares norteadores da formação por alternância.

Segundo Gimonet (2007), a expansão do movimento dos CEFFA pelo mundo, em especial as experiências brasileiras, motivaram certas adaptações no projeto ao longo dos tempos, de modo que os princípios da PA passaram a ser representados pelos “quatro pilares da Pedagogia da Alternância” conhecidos atualmente, como mostra a Figura 3:

Figura 3 – Os Quatro Pilares dos CEFFA

Fonte: Adaptado de Garcia-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010, p. 66).

A obra de Garcia-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010) apresenta ao leitor um quadro geral da formação nos CEFFA. Além de discutir as finalidades e os meios para alcançar a formação nas experiências em alternância, os autores apresentam um panorama mundial de desenvolvimento do movimento educativo na Europa, e principalmente na América Latina, onde atualmente está mais forte. Garcia- Marirrodriga e Puig-Calvó ainda discorrem acerca da contribuição da formação por alternância para o desenvolvimento local das comunidades, ressaltando a importância da participação e o compromisso das famílias associadas com outros atores sociais no projeto, além dos jovens alternantes.

Os pilares ilustrados na Figura 3 apresentam os componentes principais de sustentação do movimento dos CEFFA no mundo (GIMONET, 1998; 2007). Assim, o objetivo primordial das unidades educativas que adotam a alternância nas práticas de formação é promover o desenvolvimento dos atores sociais e da comunidade em que estão inseridas, a curto, médio e longo prazos, com ênfase na formação de crianças e jovens. Para alcançar tal objetivo, Garcia-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010) lembram que são estabelecidas as finalidades (cf. Figura 3) do movimento dos CEFFA, sendo organizadas em dois eixos: Formação Integral e

Desenvolvimento do Meio ou Local.

A Formação Integral não se refere apenas à oferta de curso de formação técnico-profissional com metodologia apropriada nos CEFFA. O processo formativo pressupõe uma dimensão integral, capaz de proporcionar às pessoas o desenvolvimento em diferentes aspectos: técnico, profissional, intelectual, social,

humano, ético, espiritual (GARCIA-MARIRRODRIGA; PUIG-CALVÓ, 2010). Ou seja, as principais capacidades do ser humano.

O Desenvolvimento Local está articulado diretamente com a Formação

Integral. Quando o meio social (ou comunidade) não se desenvolve nem é capaz de

oferecer boa qualidade de vida às pessoas, a tendência é tais atores sociais deixarem o meio em que vivem. Para Garcia-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010), na proposta dos CEFFA, a formação proporcionada aos jovens deve potencializar que estes se transformem em atores do desenvolvimento individual e do território em que estão inseridos. Assim, fortalecerão as comunidades e as famílias.

Para alcançar tais finalidades, os CEFFA utilizam dois meios (cf. Figura 3) importantes no processo de formação: a Alternância e a Associação Local.

A Alternância é considerada uma das principais respostas contra o sistema escolar instalado nas escolas rurais, já discutido anteriormente. A alternância deve ocorrer entre escola e meio socioprofissional, em outros termos, possibilitando que a formação aconteça nos Tempo Escola – período de aula no CEFFA – e Tempo Comunidade – período de vivência no meio socioprofissional/comunidade, onde são desenvolvidas pesquisas, experimentos, entre outras atividades educativas (cf. RIBEIRO, 2008). Para tanto, é necessário o envolvimento e o engajamento de todos os atores da formação, como os monitores, os alternantes, as famílias e profissionais colaboradores dos CEFFA (cf. GARCIA-MARIRRODRIGA; PUIG-CALVÓ, 2010).

Como, em geral, os CEFFA são fruto de ações das famílias organizadas entre si juntamente com os movimentos sociais do campo, e não de uma política pública de Estado, a Associação Local é constituída pelos pais, famílias, profissionais e entidades parceiras. Segundo Garcia-Marirrodriga e Puig-Calvó (2010), esses atores são os gestores que conduzem o projeto de um CEFFA, figurando assim como protagonistas do próprio desenvolvimento.

Ao defender esses pilares ou princípios, a alternância nos ensina que sua proposta oferece condições capazes de proporcionar uma formação condizente com a realidade social e econômica dos jovens camponeses e suas famílias. Não se pensa, dentro dos CEFFA, apenas a formação para atender as demandas da formação dos jovens camponeses; pensa-se, antes de tudo, a formação da pessoa humana nos termos de Gimonet (1998), de modo que as práticas educativas envolvam as famílias na vida do centro de formação e que estas participem da caminhada rumo à preparação de seus filhos. Como veremos no capítulo 3, por ser

um CEFFA, a escola-campo da nossa pesquisa tem seus alicerces baseados nesses pilares da PA.

A proposta de formação baseada nos princípios da PA e conduzida nos CEFFA em tempos (Escola e Comunidade) diferentes sinaliza – assim como em outras experiências de ensino – a necessidade de os estudantes serem participativos, interessados e observadores, a fim de que possam ter autonomia na formação e construção do conhecimento. Nesse sentido,

[...] o jovem deve aprender pela pesquisa, pela socialização e sistematização dos dados pesquisados, todo conhecimento deve ser reconstruído a luz da realidade que está sendo trabalhada, a experiência deve ser refletida, sistematizada para se tornar conhecimento e ser aplicada em outras realidades (COLINAS, 2015a, p. 14).

Com base nesse excerto, percebemos que o desenvolvimento de pesquisas e a socialização de resultados são atividades recorrentes na proposta educativa da alternância. Por outro lado, não são pesquisas sobre qualquer tópico ou a serem realizadas em qualquer contexto; na verdade, os alternantes desenvolvem pesquisas acerca de temas que focalizam a própria realidade local. Entende-se que a reflexão deve partir do conhecimento situado nas práticas locais para aquelas mais amplas. É observando e analisando a realidade local que se percebem as demandas; assim, é do conhecimento ou saberes acerca da realidade mais ampla que vêm as contribuições para promoção de intervenções na realidade em que estamos situados.

Além disso, devemos ressaltar que existem diferentes tipos de alternância. Devido à expansão do movimento no mundo, o termo “alternância” passou a fazer parte de experiências educativas praticadas em vários países, o que exige diferenciar a concepção de alternância tal como é praticada nos CEFFA, daquela recorrente em outras práticas formativas (cf. PUIG-CALVÓ, 1999).

Em um estudo de Queiroz (2004), no qual analisa sócio-historicamente o surgimento e o desenvolvimento das Escolas Famílias Agrícolas de Ensino Médio e Educação Profissional no Brasil, há também uma abordagem acerca das classificações de tipos específicos de alternância definidos por diferentes pesquisadores:

Girod de L'Ain diferencia dois tipos (alternância externa e alternância interna), Malglaive fala de três tipos (falsa alternância, alternância aproximativa e alternância real), Bourgeon classifica em três (alternância

justapositiva, alternância associativa e alternância copulativa) e Lerbert menciona três (alternância ritmo, alternância da inversão e alternância reversibilidade) (QUEIROZ, 2004, p. 93).

Apesar de certas diferenças, Queiroz (2004) afirma que as classificações elaboradas por Malglaive, Bourgeon e Lerbert se correspondem. Nesta tese, discutiremos apenas as classificações de Malglaive (1975) e Bourgeon (1979).

A alternância externa visa a “[...] aumentar a população estudantil, a proporção de adultos ou de jovens tendo já uma experiência de trabalho” (BOURGEON, 1979 apud QUEIROZ, 2004, p. 93). Nesse tipo de alternância, ao enfatizar a relação escola-trabalho (nos cursos noturnos, por correspondência ou em alguns cursos ofertados a alunos egressos do Ensino Médio), o enfoque principal da formação é a atividade profissional voltada à continuidade dos estudos pelos jovens. Estes são orientados pela lógica da não desvinculação do intelectual da realidade do mundo do trabalho no sistema produtivo manual. Por outro lado, a alternância

interna é baseada no sistema cooperativo oriundo do contexto norte-americano, cuja

formação acontece por meio da realização de atividades profissionais durante o período de estudos do educando. Ou seja, o trabalho deixa de ser pré-requisito para a formação do aluno (QUEIROZ, 2004; CALIARI, 2013).

Malglaive (1975), ao analisar em um de seus trabalhos a utilização da alternância na formação de professores, estabelece três tipos: falsa alternância,

alternância aproximativa e alternância real. A falsa alternância é “precisamente

aquela que consiste somente em deixar lacunas no currículo de formação e em não estabelecer qualquer ligação explícita entre a formação e atividades práticas” (MALGLAIVE, 1975, p. 36, tradução nossa)39. Em outras palavras, esse tipo de alternância é marcado pela ausência de integração entre o fazer educativo e as atividades práticas.

Já a alternância aproximativa “é aproximada porque ela se conforma em colocar os formandos [alunos] em uma situação de observação da realidade sobre a qual eles [educandos] deverão trabalhar, sem dar-lhes os meios para agir sobre ela [essa realidade]” (MALGLAIVE, 1975, p. 36, tradução nossa)40. Embora possua instumentos pedagógicos articulados a tempos e espaços formativos (espaços

39

Do original em Francês: “précisément celle qui consiste à seulement laisser des blancs dans le cursus de formation et à n'établir aucun lien explicite entre formation et activités pratiques”.

40

Do original em Francês: “est approchée parce qu'elle se contente de mettre les formés en situation d'observation de la réalité sur laquelle ils vont devoir travailler, sans leur donner les moyens d'agir sur ele”.

escolares, familiares e atividades práticas) restritos à observação e à análise, não oferece condições para que os educandos atuem na realidade. No entanto, diferentemente da falsa alternância, esse tipo de alternância possibilita, de algum modo, a integração em determinadas áreas ou momentos do processo formativo dos estudantes.

A alternância real é “aquela que visa a uma formação teórica e prática global permitindo que o estudante construa seu projeto pedagógico para implementar e efetivar uma perspectiva reflexiva sobre tal aplicação” (MALGLAIVE, 1975, p. 37, tradução nossa)41. Esse tipo de alternância favorece a interação em todas as áreas e programas de atividades, pois contempla a formação teórica e práticas efetivas. Além de incentivar o envolvimento dos estudantes em atividades produtivas, leva-os a estabelecer relações entre ações práticas com reflexão sobre o porquê e o como das atividades desenvolvidas (cf. CALIARI, 2013).

Ao analisar a alternância justapositiva proposta por Bourgeon, Queiroz (2004) afirma que esta corresponde à alternância externa, à falsa alternância e à

alternância ritmo, sendo caracterizada pela

[...] sucessão dos tempos de períodos consagrados a uma atividade diferente: trabalho ou estudo. Estes dois momentos não têm, nos casos extremos, nenhuma relação entre eles: nenhuma lei os rege e o conteúdo de um não tem repercussão sobre o conteúdo do outro (BOURGEON, 1979 apud QUEIROZ, 2004, p. 94).

Por sua vez, a alternância associativa possui relação estreita em termos de equivalência com a alternância aproximativa e a alternância da inversão. Caracteriza-se, basicamente, por permitir uma articulação entre a formação profissional e a formação geral dos estudantes, a partir de mecanismos legais definidores da natureza dessas relações entre tais formações diferentes (cf. QUEIROZ, 2004; CALIARI, 2013).

Ainda no trabalho de Queiroz (2004), aparece a alternância copulativa estabelecida por Bourgeon. Este tipo de alternância corresponde à alternância real e à alternância reversibilidade e se caracteriza por permitir a “compenetração efetiva de meios de vida sócio-profissional e escolar em uma unidade de tempos formativos” (BOURGEON, 1979 apud QUEIROZ, 2004, p. 94). Dito de outra forma, ela favorece o desenvolvimento de “momentos integrativos entre os meios

41

Do original em Francês: “est celle qui vise à une formation théorique et pratique globale permettant au formé de construire son projet pédagogique, de le mettre en oeuvre et d'effectuer un recul réflexif sur cette mise en oeuvre”.

socioprodutivos e escolares, consolidando-os como tempos formativos” (CALIARI, 2013, p. 179). Portanto, ela não se resume apenas a “tempos teóricos” e “tempos práticos” previstos no Plano de Formação do CEFFA. Na verdade, exige uma tarefa de produção que visa articular a ação e a reflexão a respeito dos conteúdos (dos momentos prático e teórico) que se encontram em permanente relação, completando-se mutuamente (cf. CALIARI, 2013).

Com base nesses tipos de alternância, precisamos ressaltar que as experiências educativas baseadas no sistema educativo da Pedagogia da Alternância não podem nem devem ter suas práticas formativas limitadas a tempos e espaços. A alternância real de Malglaive (1975) e a alternância copulativa de Bourgeon (1979) reforçam, de maneira implícita, que a formação por alternância requer ações que envolvem um processo de construção do conhecimento via ação- reflexão-ação. Como veremos na próxima seção, os Instrumentos Pedagógicos da PA são essenciais em tal processo.