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A perspectiva investigativa adotada na pesquisa é de natureza transdisciplinar (MOITA LOPES, 1998), alicerçada em aportes teórico-metodológicos de diferentes áreas, como Educação, Sociologia, Estudos da linguagem e Teorias do letramento. Nesse enfoque, a pesquisa insere-se no percurso investigativo da Linguística Aplicada (CELANI, 1992; SIGNORINI, 1998; MOITA LOPES, 2006). Por sua vez, o objeto de pesquisa de interesse da Linguística Aplicada (LA) é o “estudo de práticas específicas de uso da linguagem em contextos específicos” (SIGNORINI, 1998, p. 91). No caso da nossa investigação na Escola Família Agrícola Zé de Deus, focalizaremos a mediação dos Instrumentos Pedagógicos nas práticas educativas orientadas pelos princípios da PA, em especial, o processo de execução dos temas dos Planos de Estudo e os usos da linguagem pelos atores envolvidos na formação. Por ser uma escola que possui uma proposta de formação condizente com a

realidade do campo e construída para atender a crianças e jovens camponeses, a natureza das atividades educativas desenvolvidas na instituição pesquisada podem refletir aspectos da cultura, dos saberes e da identidade local. Portanto, o percurso investigativo que escolhemos exigiu não só o domínio de uma abordagem metodológica apropriada para coleta e geração de dados no contexto de ensino da PA, mas, sobretudo, compreensão das diferentes etapas de execução dos Instrumentos Pedagógicos e usos da linguagem nas produções orais e escritas dos estudantes colaboradores.

Ao discorrer acerca da situação das pesquisas em LA na contemporaneidade, Moita Lopes (2006) defende que, para dar conta da diversidade de contextos de usos da linguagem humana, tais pesquisas passaram a ser desenvolvidas sob a perspectiva interdisciplinar55. Isso porque “o linguista aplicado, partindo de um problema com o qual as pessoas se deparam ao usar a linguagem na prática social e em um contexto de ação, procura subsídios em várias disciplinas que possam iluminar teoricamente a questão em jogo [...]” (MOITA LOPES, 1998, p. 102). Além de não obrigar o linguista aplicado a reduzir sua pesquisa a uma área específica, a LA favorece a articulação de conhecimentos originários de diferentes áreas.

Esse vínculo da pesquisa em LA à perspectiva transdisciplinar56 representa o estabelecimento de certa ruptura com o velho paradigma da ciência (cf. KUHN, 2009), ainda em evidência em algumas áreas. Considerando também que, para Pennycook (2003, p. 27), uma das grandes preocupações da LA “[...] parte do pressuposto de que as relações sociais são problemáticas”, entendemos que tais relações e “problemas” envolvendo a comunicação verbal dizem respeito a fenômenos intrínsecos, especialmente, ao ensino e à aprendizagem de línguas. Além disso, na condição de disciplina que intersecciona as fronteiras de componentes tradicionais vizinhos – como Linguística, Sociolinguística, Psicologia,

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Para Fazenda (2003, p. 74), “A pesquisa interdisciplinar permite o desvelamento do percurso teórico-pessoal de cada pesquisador que se aventurou a tratar as questões da educação, portanto, admite a presença de inúmeras teorizações, que inviabiliza a construção de uma única, absoluta e geral teoria da interdisciplinaridade”. Nesse sentido, estamos compreendendo interdisciplinaridade como “[...] um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que duas ou mais disciplinas interajam entre si. Esta interação pode ir da simples comunicação das ideias até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização da pesquisa” (JAPIASSÚ; MARCONDES; 1991, p. 106).

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Trans refere-se, simultaneamente, aquilo que está entre as diferentes disciplinas, evocando assim a acepção de transcendência. Nesse sentido, a transdisciplinaridade representa a construção de abordagens (tanto na pesquisa quanto no ensino) de modo que não haja fronteiras rígidas entre as disciplinas, além de haver uma valorização dos aspectos humanos e sociais.

Sociologia, Antropologia, Educação, dentre outras –, a LA possui uma perspectiva investigativa própria que pode e deve ser aplicada à pesquisa de maneira a alcançar outras disciplinas (cf. EVENSEN, 1998; MOITA LOPES, 2006). Nesse sentido, “essa categoria [problema] pode, portanto, explicar a natureza interdisciplinar da Linguística Aplicada e, simultaneamente, sua relação com a Linguística” (EVENSEN, 1998, p. 83). Entendemos que, segundo os princípios da pesquisa de natureza transdisciplinar, um novo diálogo pode ser estabelecido entre as disciplinas na produção do conhecimento científico, buscando a superação da tendência investigativa de orientação cartesiana.

Essa situação da perspectiva investigativa, lembra Moita Lopes (2006, p. 19), “[...] tem levado à compreensão da LA não como conhecimento disciplinar, mas como INdisciplinar57”. Assim, a LA ganha corpo e se consolida como uma área de pesquisa científica ancorada em subsídios teórico-metodológicos advindos de outras disciplinas, tais como Educação, Sociologia, Estudos da linguagem, Teorias do letramento, Análise do discurso, entre outras. Para Celani (1992, p. 133), o aspecto transdisciplinar das pesquisas aplicadas se deve, sobretudo, porque, desde seus primórdios, as investigações desenvolvidas nesse campo apresentam uma atenção especial aos aspectos “social” e “humano” dos participantes ou colaboradores. Por sua vez, esses elementos são considerados fundamentais na definição e no fortalecimento da LA.

Além disso, a pesquisa em LA deve ser entendida como aplicada porque se efetiva no contexto de aplicação (como, a sala de aula ou fora dela), ou seja, onde a linguagem está em uso real nas práticas sociais de comunicação das pessoas. Daí, a necessidade de o pesquisador ancorar-se em aportes teórico-metodológicos de diferentes áreas ou disciplinas em busca de subsídios necessários que possam ajudá-lo na análise e na compreensão do problema investigado.

Moita Lopes (2006) ainda destaca que, ao desenvolvermos pesquisas em LA, precisamos considerar o contexto social em que os colaboradores vivem e agem, tendo em vista a necessidade de o estudo vislumbrar aspectos relacionados à vida

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Considerando que durante muito tempo a divisão do saber produziu especificidades disciplinares, seja no âmbito da pesquisa ou do ensino, Sommerman (2006) lembra que em meados do século XX ocorreram mudanças importantes e que contribuíram para solucionar problemas gerados pelo desenvolvimento tecnológico e pela ausência de diálogo entre os saberes decorrentes dessa hiperespecialização disciplinar. No caso da área de estudos da linguagem, depreendemos que a LA ao assumir que é “indisciplinar” reforça que nessa abordagem não há uma relação demarcada entre diferentes disciplinas, sendo esta a perspectiva que assumimos em nossa pesquisa.

social, política e histórica que tais pessoas vivenciam. Em nossa pesquisa de campo, por exemplo, ao investigarmos as práticas e eventos de letramentos mediados pelos Instrumentos Pedagógicos da PA na escola-campo, certamente aspectos da vida social, política e histórica, bem como mudanças ocorridas na comunidade com a criação da EFAZD serão contemplados.

Outro traço importante apresentado nas investigações em LA é a opção por metodologias de base interpretativista. Signorini (1998, p. 93) afirma que estas não “ofuscam” a participação do investigador na “construção do campo de referência” e contribuem para o não deslocamento do linguístico. Em outras palavras, significa dizer que, ao realizar a análise interpretativa dos dados, o pesquisador deverá situar e interpretar dados de natureza linguística e não linguística, tendo como ponto de referência o contexto em que foram produzidos pelos colaboradores do estudo. Em nossa pesquisa, é no contexto escolar (Tempo Escola) que emergem as práticas e os eventos de letramentos que agregam os estudos de temas geradores dos PE e a construção do gênero CR. Ao lado disso, diferentes atores sociais (monitores/docentes, estudantes, pessoas da comunidade, dentre outras) participam de tais eventos, inclusive fora da sala de aula (Tempo Comunidade).

Para favorecer a compreensão a respeito do nosso objeto de estudo, caracterizaremos na sequência a Escola Família Agrícola Zé de Deus (escola- campo), os atores sociais colaboradores da pesquisa, a abordagem investigativa e os dados da pesquisa.