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2.4 Unidades Fraseológicas

2.4.1 Colocação: unidade lexical ou propriedade da língua?

O termo colocação foi utilizado pela primeira vez em 1957 pelo linguista J. R. Firth, para designar a coocorrência frequente entre unidades lexicais (ŠKOLNÍKOVÁ, 2010)

Para Corpas Pastor (1996), as colocações são unidades que são geradas a partir de regras da própria língua e não consistem em atos de fala, nem enunciados completos. A referida pesquisadora salienta que as colocações podem ser definidas levando-se em consideração duas características complementares, a fixação analítica e as restrições de combinações estabelecidas pelo uso. A fixação analítica está relacionada com o fato de os falantes produzirem certas combinações de palavras frente a outras combinações que são

totalmente possíveis de ocorrerem. Ademais, as colocações apresentam restrições de combinação estabelecidas pelo uso, geralmente embasadas pela semântica, pois em uma colocação, podemos identificar uma base (elemento semanticamente autônomo) que, além de determinar a escolha do colocado, atribui a ele uma acepção que, na maioria das vezes, apresenta caráter abstrato ou figurado. Para Corpas Pastor (1996), a fixação analítica e as restrições semânticas e sintáticas, características observadas nas colocações, são responsáveis por conferirem a elas o caráter estável das UFs.

Dessa mesma forma, podemos considerar que Koike (2001, apud SKOLNÍKOVÁ, 2010, p. 21) também considera as colocações como uma unidade lexical fraseológica e não como uma propriedade da língua. Ademais, o referido autor descreve as cinco características que, segundo ele, são as mais importantes em se tratando de colocações, a saber: a) frequência; b) restrições combinatórias; c) composicionalidade formal; d) combinação dos lexemas; e) tipicidade e precisão semântica. Para um melhor esclarecimento, descrevemos as características mencionadas:

a) Frequência

A frequência de coocorrência das unidades lexicais constituintes de uma colocação é sem dúvida uma das propriedades mais marcantes dessa unidade fraseológica. No entanto, é preciso enfatizar que essa não é a única característica percebida em uma colocação, nem tampouco por si só pode ser utilizada como propriedade definidora de uma colocação. Não podemos afirmar, portanto, que todas as combinações que coocorrem frequentemente são colocações, pois em se tratando dessas estruturas é preciso ressaltar que a coocorrência dos lexemas é, normalmente, determinada por critérios semânticos e de uso.

b) Restrições combinatórias

Embora as colocações, em nível do sistema linguístico, sejam combinações de palavras livres, elas apresentam restrições combinatórias que de certa forma as diferenciam das combinações que ocorrem no discurso livre, por exemplo. Nas combinações que ocorrem no discurso livre, as possibilidades de alteração que atuam nas combinações não são tão restritas.

Nesse sentido, Skolníková (2010), apoiada por Corpas Pastor (1996) postula que no caso da colocação, ou seja, a coocorrência de unidades lexicais, normalmente um de seus constituintes, apresenta maior restrição. A autora citada apresenta a colocação coger la gripe,

e afirma que o sintagma nominal la gripe ocorre principalmente com o verbo coger e seus sinônimos, enquanto que o referido verbo combina com outros vários substantivos. Nesse caso, temos que o sintagma nominal (la gripe) é a base da colocação que determina, do ponto de vista semântico, o colocado, no caso o verbo (coger).

c) Composicionalidade formal

A composicionalidade formal é uma característica própria das unidades que não apresentam um grau de fixidez alto, como é o caso das colocações. O fato de as colocações permitirem alterações de ordem sintática e semântica de seus elementos constituintes nos mostra que são estruturas mais flexíveis, ou seja, possuem baixo grau de fixidez.

Entretanto, segundo Skolníková (2010), essa particularidade não é o suficiente para classificar uma colocação como uma combinação livre, pois não podemos nos esquecer de que as combinações encontradas no discurso livre são mais flexíveis do que as colocações. d) Combinação dos lexemas

A combinação dos lexemas é um traço semântico que nos permite observar a forte 13 relação entre os significados das unidades lexicais de uma colocação. Ao observar as colocações chuva torrencial e chover torrencialmente, percebemos que houve uma alteração na classe gramatical dos componentes (chuva [substantivo], torrencial [adjetivo] e chover [verbo], torrencialmente [advérbio]), o que demonstra que existe uma forte combinação dos lexemas e que, por esse motivo, foi possível a modificação das classes gramaticais das unidades lexicais e manter duas colocações semelhantes do ponto de vista semântico.

e) Verdade, tipicidade e precisão semântica

Essa característica corresponde a outros vínculos que os componentes das colocações apresentam. Segundo Corpas Pastor (2001, p. 103) “los miembros de las colocaciones reflejan la relación típica, y, por tanto, verdadera que mantienen los colocados em el mundo real.” Para exemplificar tal afirmação, temos o exemplo da colocação carregar uma pistola (cargar um pistola) em oposição às que, segundo a autora, não seriam exemplos de colocações, lavar e esquecer uma pistola (lavar e olvidar uma pistola). Para a referida autora, o substantivo pistola, estabelece uma relação típica com arma de fogo e, por esse motivo, existe uma

Unidade lexical correspondente à unidade distintiva mínima do sistema semântico de uma língua, e

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considerada abstratamente, isto é, independentemente da forma flexional que possa assumir. Lexema.

In: Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-09-19].Disponível na

precisão semântica pela escolha do verbo carregar, pois os verbos lavar ou esquecer não representam a relação típica entre os componentes.

Para Skolníková (2010), as características acima descritas, principalmente as restrições combinatórias, são fortes indícios que sustentam o argumento de que as colocações são UFs. No entanto, a autora reconhece que as fronteiras entre as colocações e as combinações livres não são muito claras e sinaliza a dificuldade em delimitá-las.

Ainda sobre essa mesma temática, Gama (2009) sinaliza que as colocações possuem uma alta flexibilidade combinatória, permitindo assim que essas sofram transformações de ordem sintática. As colocações podem sofrer transformações tais como a modificação adjetiva, transformação para a passiva, nominalização, relativização, entre outras. Vejamos a seguir os exemplos trabalhados por Gama (2009, p. 17) que nos mostram as possibilidades de modificações observadas nas colocações (QUADRO 1).

QUADRO 1: possíveis modificações das colocações

Fonte: (GAMA, 2009, p.17)

Nesse sentido, ao mostrar as possibilidades de alterações semântica e sintáticas das colocações, Gama (2009) as aproxima das combinações livres, cuja principal característica é a liberdade combinatória e a flexibilidade de restrição.

Hoey (2005), no entanto, é contundente ao afirmar que o termo ‘colocação’ é utilizado

Tipos de transformações Exemplos

(colocação prototípica / colocação modificada).

Modificação adjetiva Fazer uma aterragem/ fazer uma aterragem forçada

Transformação para a passiva Transplantar um órgão / O órgão foi transplantado Nominalização Transplantar um órgão/ O transplante do órgão

para denominar uma propriedade da língua, mais especificamente uma propriedade do léxico mental.

Apoiado em Sinclair (1991) e Stubbs (1996), o pesquisador mencionado enfatiza que todos os itens lexicais possuem colocações (HOEY, 2005). Na definição de Hoey (2005, p. 3) “[c]olocação é, a grosso modo, a propriedade da língua em que duas ou mais palavras aparecem com frequência em companhia umas da outras (e.g. consequência + inevitável)” . 14 No intuito de fortalecer seu argumento para considerar a colocação como uma propriedade da língua, Hoey (2005) apresenta a definição do Webster’s New internacional Dictionary (1928), que descreve a vocábulo ‘collocation’ como:

o ato de se colocar, esp. com outra coisa; propriedade de ser colocado com outra coisa; disposição no lugar; arranjo.

A escolha e a colocação das palavras. Sir W Jones

... Colocação denota um arranjo ou a ordenação de objetos (esp. Palavras) com referência um ao outro . (HOEY, 2005, p. 3) 15

Diante da questão que posiciona o termo ‘colocação’ ora como uma unidade lexical, ora como uma propriedade da língua, preferimos considerar que a colocação pode assumir as duas funções. O termo ‘colocação’ pode representar tanto as unidades lexicais que coocorrem com uma grande frequência, quanto a propriedade da língua, mais especificamente do léxico mental, que nos mostra a capacidade de dois ou mais vocábulos aparecem frequentemente ao lado um do outro. Em nosso trabalho iremos nos referir a colocação como uma propriedade da língua, e utilizaremos os termos composição sintagmática e combinatória lexical para nos referir ao resultado dessa colocação.

Tradução nossa de: “Collocation is, crudely, the property of language whereby two or more words

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seens to appear frequently in each others company (e.g. inevitable + consequence) ” (HOEY, 2005, p. 3)

Tradução nossa de: “… the act of placing, esp. with something else; state of being placed with

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something else; disposition in place; arrangement. The choice and collocation of words. Sir W Jones… COLLOCATION denotes an arrangement or ordering of objects (esp. words) with reference to each other collocation”(HOEY, 2005, p. 3)