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commonwealth Security Treaty Organization (cSTO)

4. A era Putin

4.2. Política externa

4.2.2. Realidade e Prospetiva de curto/Médio Prazo

4.2.2.14. Política externa Russa no espaço pós-Soviético: Principais Meca nismos de integração

4.2.2.14.2. commonwealth Security Treaty Organization (cSTO)

A CSTO teve na sua génese o Collective Security Treaty (CST)411, assinado em 1992,

integrado inicialmente pela Federação Russa, Arménia, Cazaquistão, Quirguistão, Taji- quistão e Uzbequistão, a que se juntaram em 1993 a Bielorrússia, o Azerbaijão e a Geór- gia. Não é de estranhar o elevado número de países aderentes ao CST que anteriormente orbitavam na esfera de influência russa, especialmente se se tiver em consideração que, à data, a implosão da URSS deixou uma profunda desorganização nos respetivos aparelhos securitários, pesadamente dependentes da Rússia soviética e de génese marcadamente colectiva.

Neste quadro, o sucesso da adesão à organização, pelo menos na perspetiva do nú- mero de Estados aderentes, pode ser em grande parte explicado pelo vácuo entretanto criado nas respetivas estruturas de segurança e defesa decorrente da retração russa, adi- cionalmente agravado pelo facto de que em muitos desses Estados serem visíveis poten- ciais focos de destabilização, quer no plano interno, quer no plano externo, ficando assim significativamente sujeitos a poderosas forças centrípetas e centrífugas.

Deste modo, numa época de indefinição e incerteza, a opção pela adesão, ainda que eventualmente temporária, a um pacto de defesa coletiva, que não obstante ser li- derado pela antiga potência dominante oferecia no entanto um mínimo de garantias de estabilidade e segurança, em detrimento do lidar de forma autónoma mas impreparada com as ameaças latentes e/ou reais existentes, foi claramente determinada por neces- sidades securitárias de carácter imediato, essencialmente decorrentes da manutenção dos regimes.

Contudo, se a ausência inicial da quase generalidade dos países da antiga “Cortina de Ferro” e dos países Bálticos pode ser sustentada pelo poder centrípeto europeu e da geopolítica euro-atlântica, a não ratificação do Tratado pela Ucrânia revelou-se, especial- mente do ponto de vista russo, um sério revés e um fator de elevada complexidade, dado o potencial militar que o país representava na estrutura de segurança da ex-URSS e a sua elevada importância na estratégia russa.

409 Que levaria depois à saída da Geórgia da organização.

410 Como curiosidade, saliente-se que o Secretário-Geral da CEI é, desde 2007, Sergei Lebedev, ex-diretor dos Serviços de Informações Externos (SVR) da Federação Russa e um conhecido de longa data de Putin. 411 Tratado de Segurança Colectiva

Como agravante, em 1999, a saída do Azerbaijão412 e da Geórgia413 do CST, introdu-

ziu complexidade e preocupações adicionais no quadro de segurança e defesa da região Caucásica, enquanto a suspensão do estatuto de membro nesse mesmo ano do Uzbequis- tão materializou a complexidade relacional entre as ex-repúblicas da Ásia Central.

Decorrente das disfunções atrás referidas, a CST, contrariamente ao Pacto de Varsó- via, não permitiu desde o seu início à Federação a construção de um mecanismo credível por forma a garantir a sua segurança na fronteira Oeste, pelo que a sua evolução em 2002 para a CSTO representou uma clara orientação no esforço de consolidação do quadro de segurança e defesa na Ásia Central. Saliente-se que esta transformação decorreu não apenas da refocalização russa na sua área de influência tradicional, mas também da deterioração do quadro securitário regional, especialmente no Afeganistão a partir de 1999/2000, altura em que grupos extremistas afegãos se tornaram mais ativos na Ásia Central. É assim es- sencialmente a partir do início da década de 2000 que o quadro evolutivo da CSTO assume um novo dinamismo, em função do qual, entre outras, é decidida em 2001 a criação de uma Força de Reação Rápida414 destinada a operar na região, em 2009 de uma outra, porém

englobando forças de todos os Estados-Membros e com um leque de missões e quadro de atuação mais amplo415, ou em 2011 a criação de uma força de peacekeeping416.

Saliente-se contudo que não obstante este desenvolvimento, o grau de funciona- mento e nível organizacional da CSTO, bem como a sua coesão, são substancialmente inferiores ao da NATO, pelo que a sua designação de “NATO asiática” é perfeitamente destituída de fundamento417. Para esta disfuncionalidade concorrem vários e múltiplos

fatores, sendo especialmente de destacar, em primeiro lugar, o nem sempre harmónico relacionamento entre as ex-repúblicas da Ásia Central418, em segundo lugar algum receio

que estas possuem relativamente à liderança e propósitos futuros da Federação Russa, em terceiro a (ainda) preferência pelo bilateralismo no quadro de relacionamento regional, e finalmente a postura errática do Uzbequistão, a qual, não se refletindo apenas na CSTO, coloca o país numa situação de claro “perturbador regional”. Por outro lado, e não menos importante, releve-se que, contrariamente ao que sucede na NATO e União Europeia, os Estados-Membros da CSTO sobrevalorizam significativamente as questões de soberania, o que desde logo tem reflexos diretos, por um lado, na sua indisponibilidade relativamen-

412 Motivada essencialmente pelo apoio tácito que Moscovo concedeu à Arménia na disputa que este país mantém com o Azerbaijão relativamente ao enclave de Nagorno-Karabakh.

413 Eduard Shevardnadze, então Presidente da Geórgia, alegou a inépcia da organização para justificar a saída. 414 Collective Rapid Deployment Forces (CRDF), integrando essencialmente forças da Rússia, Cazaquistão e

Quirguistão.

415 Collective Quick Response Forces (CQRF), com cerca de 20 mil efetivos, destinada a reagir a diferentes tipos de ameaças, como terrorismo, extremismo, tráfico de droga, crime organizado ou agressão militar. 416 Possuindo cerca de 4.000 efetivos, destina-se a operar regionalmente em missões sob a égide das Nações

Unidas ou de organizações regionais.

417 Alguns autores afirmam mesmo que a organização mais não é do que o somatório do relacionamento bi- lateral russo com as ex-repúblicas, o que a impede de evoluir de forma adequada e sustentada. Athar Zafar (2012).

te ao grau de delegação a atribuir a órgãos supranacionais, e por outro constitui-se como fator limitativo de outros quadros cooperativos.

Quanto à liderança russa da organização, saliente-se que nela reside também um dos principais obstáculos ao desenvolvimento de relações das ex-repúblicas com atores exter- nos419, entre outros, a NATO ou a União Europeia, e não apenas no sector de segurança

e defesa, mas estendendo-se a outros domínios, a exemplo do que sucede com o sector energético ou económico.

Por outro lado, o quadro cooperativo da CSTO permite à Federação a cooptação, subtil mas eficaz, das elites militares das ex-repúblicas que frequentam as suas escolas mi- litares em ações de formação ou qualificação, e garante-lhe um substancial mercado para as suas exportações de armamento e equipamento militar. Adicionalmente, a presença militar russa, nomeadamente no Centro de Anti-Terrorismo em Tashkent, no Uzbequis- tão, a base aérea de Kant420 no Quirguistão, ou a presença da 201ª Divisão Motorizada em

Kulyab, no Tajiquistão, constitui um significativo fator de poder e uma forte alavancagem à sua estratégia na região.

Também no plano político da organização se faz sentir a liderança russa, especial- mente materializada no Secretariado permanente da CSTO, encontrando-se localizado em Moscovo421 e sendo seu Secretário-Geral o General russo Nikolay Bordyuzha, uma

personalidade integrante dos círculos íntimos de Vladimir Putin.

Relativamente ao relacionamento entre as ex-repúblicas, e destas com a Federação, julga-se fundamental uma breve análise à questão, dado que da sua normalização, ou não, em muito poderá depender o quadro evolutivo da CSTO e de segurança e defesa regio- nal. A título de exemplo, quando em 2008 a Geórgia entrou em conflito militar direto com a Ossétia do Sul, a generalidade dos Estados-Membros da CSTO foram unânimes em condenar a atitude georgiana, porém nunca apoiando a decisão russa de reconheci- mento da independência unilateral da Ossétia do Sul e da Abcázia. Tal derivou direta- mente dos problemas e movimentos de génese separatista presentes um pouco por toda a região, os quais naturalmente as ex-repúblicas desejam conter ou neutralizar, pelo que aquele reconhecimento constituiria no futuro um precedente de difícil contenção. Neste quadro surge naturalmente a questão relativamente à fonte e grau de autonomia que per- mitiu às ex-repúblicas a decisão nesse sentido. Julga-se que significativa parte da resposta poderá residir na sua integração na SCO e na presença da China nesta organização, cuja coexistência com a CSTO se analisará de seguida, a qual contrabalançando a liderança russa permite uma liberdade de ação adicional às ex-repúblicas.

Adicionalmente, subsistem várias problemáticas na região para as quais não se afigura uma solução fácil nem rápida, sendo de destacar entre outras, a gestão dos recursos hídricos, na qual o Uzbequistão se opõe à construção no Quirguistão pela Federação de um sistema de centrais hidro-eléctricas, o programa de reequipamen-

419 Que obviamente é um dos enquadrantes da estratégia russa para a região. 420 Que possuirá cerca de 80 aeronaves e 6 mil efetivos. Alexander Frost (2009).

to russo para as Forças Armadas do Tajiquistão e Quirguistão, em que igualmente o Uzbequistão manifesta a sua preocupação, disputas transfronteiriças, ou os acordos energéticos entretanto firmados, que frequentemente não se traduzem em substanciais benefícios regionais. Por último, saliente-se igualmente a importância que o destino dos “despojos afegãos”, i.e. todo o equipamento e armamento a retirar do Afeganistão pós-2014 e cuja grande parte não regressará aos países da coligação, especialmente o norte-americano, poderá ter no quadro de relacionamento e de segurança e defesa regional, incluindo no quadro da CSTO.

Como anteriormente referido, o Uzbequistão poderá ser porventura identificado como o ator-chave regional neste quadro, não sendo por isso estranho a “corte” e o esforço norte-americano no sentido de o cooptar antes da efetivação do cenário afegão pós-2014. Com uma população de cerca 30 milhões de habitantes, apenas superada pela Rússia na CSTO, e duplamente geobloqueado422, o país tem prosseguido desde

a sua independência uma política externa afirmativa e autónoma, ainda que errática e nem sempre sustentada, possuindo aspirações a potência regional. Quanto à sua parti- cipação na CSTO parece consensual o dado de que o futuro e potencial da organização em muito dependerá da integração ou exclusão do Uzbequistão, dado o peso específico do país na região ou a sua privilegiada localização. Tendo aderido à CSTO em 1992, suspendeu a sua participação em 1999, decorrente da ausência de apoio da CSTO a uma insurreição interna, ano que se junta ao GUAM423. Regressando novamente à

CSTO em 2006424, após a condenação internacional pela repressão de protestos anti-

-regime que ocorreram no país425, suspendeu novamente a sua participação, de forma

inesperada, em 2012426. Não obstante os diferendos recentes que o Uzbequistão man-

teve com a CSTO, nomeadamente a sua recusa em 2009 em ratificar a implementação da Força de Reação Rápida, e mais recentemente a sua não concordância quanto à proibição dos Estados-Membros permitirem a instalação de bases militares estrangei- ras no seu território427, as razões subjacentes à mais recente suspensão poderão possuir

igualmente outras raízes, nomeadamente a interligação da sua agenda regional com a questão afegã. Como anteriormente cenarizado, o Uzbequistão poderá constituir-se como o principal beneficiário dos “despojos afegãos”428, essencialmente decorrente da

sua localização e (eventual) predisposição para tal, pelo que nesse âmbito não apenas

422 O país encontra-se geobloqueado por outros, que por sua vez também se encontram geobloqueados. 423 O GUAM, foi estabelecido em 1997 pela Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão e Moldova, com o apoio dos EUA,

como forma de contrabalançar a influência russa regional e promover interesses ocidentais. Com a entrada do Uzbequistão alterou a sua designação para GUUAM.

424 Entretanto suspendendo a sua participação no GUUAM.

425 A Federação, bem como a SCO, apoiaram no entanto de forma clara a postura do regime uzbeque. 426 Tendo suspendido a sua participação em Julho de 2012, em Maio o presidente Karimov havia enaltecido

em Moscovo a importância da organização. Fonte: Uzbekistan National News Agency (2012).

427 Não obstante em Agosto de 2012 o parlamento uzbeque ter banido bases militares estrangeiras no país, bem como a participação de peacekeepers uzbeques no exterior. Fonte: Russia Today (2012b).

428 Ainda que menos provável, não se descarta um cenário favorável para o Turquemenistão e o Quirguistão, ou mesmo para as três ex-repúblicas, o que constituiria o pior cenário para a Federação Russa e China.

pretenderá maximizar financeira e militarmente, com também politicamente, dado o apoio que nessa eventualidade provavelmente terá no Ocidente429. Nesse sentido, o

seu distanciamento atual da CSTO poderá constituir um sinal inicial para os USA e para a NATO de que o país estará disponível para uma futura cooperação no quadro de segurança e defesa, o que a concretizar-se garantirá aos EUA um importante ponto de apoio à sua política externa e de segurança na Ásia Central430. Neste cenário haverá

contudo de contar com a postura e reação de outros atores, especialmente a Federação Russa e a China, certamente unidos no propósito de contrariar uma presença militar norte-americana de génese permanente na região.

Quanto aos cenários de evolução da CSTO, dir-se-ia que num cenário de ausência do Uzbequistão a organização será seriamente afectada, dado que seria privada do seu segundo Estado-Membro de maior capacidade militar, ficando porém ultrapassado no seio da organização o maior obstáculo às decisões por consenso que a mesma requer. Relativamente a um cenário de inclusão do Uzbequistão, em primeiro lugar haverá que referir que o seu regresso terá de ser necessariamente acompanhado da sua aceitação de todas as decisões que entretanto foram tomadas na sua ausência, o que se no plano das intenções seria certamente o desejável, na realidade será decerto de mais difícil concreti- zação, pelo menos enquanto se mantiver a atual liderança uzbeque.

Relativamente ao cenário afegão pós-2014 e ao papel que a CSTO nele poderá de- sempenhar, tudo aponta para que a organização possa vir a possuir um papel de algum relevo. Contudo, para além de uma eventual resistência chinesa, que neste âmbito prefe- rirá maximizar o papel da SCO, as diferenças conceptuais de abordagem da questão entre o Uzbequistão e a Federação são substanciais. Enquanto o primeiro, dado o fenómeno de islamismo de carácter radical que possui no país, prefere uma abordagem de âmbito bi- lateral com o regime afegão, a segunda prioritiza a de génese multilateral, nomeadamente através da CSTO, ainda que o quadro de envolvimento direto da organização no Afega- nistão pós-2014 seja por enquanto difuso e possa não encontrar grande consensualidade no seu seio, dada a extrema sensibilidade e complexidade da questão e incerteza quanto à sua evolução.

Finalmente, a coexistência do binómio CSTO – SCO na região constitui para a Fe- deração Russa uma questão de complexa gestão, derivado em especial do facto de não obstante a SCO não ser uma organização militar431, a sua vertente de segurança e defesa

tem evoluído de uma forma bastante dinâmica, por força da China e não obstante a resistência russa nesse sentido432, colocando assim a CSTO numa situação de alguma

429 No quadro da missão da NATO a Alemanha possui uma base militar no país, em Termez, cerca de 50 Km a Norte de Mazar Al Sharif, Afeganistão.

430 Os EUA já dispuseram de uma base militar no país, em Karshi Khanabad, porém em 2005, na sequência da condenação internacional, incluindo norte-americana, do regime uzbeque na resolução das manifestações anti-governamentais, foram obrigados a retirar da mesma.

431 O que a Federação Russa não se cansa de repetir.

432 Segundo Moscovo, a condução de exercícios militares de larga escala na região deverá ser uma respon- sabilidade da CSTO, pelo que poderá tentar inviabilizar ou neutralizar tentativas da SCO nesse sentido.

fragilidade. Neste quadro, parece assim claro que a crescente afirmação da SCO na região se tem efetuado à custa da diminuição da importância da CSTO, e o mesmo se poderá afirmar relativamente à afirmação chinesa em detrimento da importância russa, no fundo minando os esforços de integração prosseguidos por Moscovo.

A principal razão que leva assim Moscovo a integrar as duas organizações deriva essencialmente da incapacidade russa em, através dos atuais mecanismos de integração regionais, conseguir limitar a penetração dos dois principais concorrentes na região, a China e os EUA. Contudo, a SCO também serve de alguma forma os propósitos rus- sos, já que a sua co-existência com a CSTO permite apoiar a consecução de dois outros grandes objetivos para a região – a manutenção do seu posicionamento como polo de poder e influência na região, assim como manter os atuais regimes pró-russos. Poder-se- -á então afirmar que, num plano teórico e no que ao relacionamento sino-russo para a região diz respeito, o binómio CSTO-SCO integra e é ignidor de um conjunto de pesos e contrapesos, que por um lado apoiam o objetivo comum de limitar a penetração na região de atores externos, e por outro são geradores de equilíbrio entre as duas grandes potências da região – a Federação Russa e a China. Contudo, no plano prático, e por força do dinamismo geoeconómico chinês, o equilíbrio do binómio CSTO-SCO tenderá progressivamente a pender para o lado desta última organização, decorrente em grande parte da incapacidade russa em contrariar aquela realidade.

É no entanto expectável que duas variáveis possam vir a clarificar esta relação de força – a evolução do cenário afegão pós-2014 e a forma que vier a tomar o relacionamento das ex-repúblicas com a China e com a Federação, já que não desejando aquelas depen- dências excessivas destes dois atores, poderão neste quadro encontrar o apoio necessário para tal em atores externos, os EUA ou a União Europeia.