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Médio Oriente e norte de África

4. A era Putin

4.2. Política externa

4.2.2. Realidade e Prospetiva de curto/Médio Prazo

4.2.2.8. Médio Oriente e norte de África

Se na era soviética o relacionamento com os países árabes do Médio Oriente e Nor- te de África (MENA) se poderia caracterizar genericamente por alguma proximidade política e ideológica geradora de uma significativa estabilidade, atualmente, ainda que desaparecido o fator ideológico, é ainda visível um bom relacionamento de âmbito bi e multilateral com a generalidade dos regimes do Médio Oriente, independentemente de os mesmos possuírem uma atitude pró ou anti-americana e não obstante o atual momentum geopolítico que a região experimenta. Neste âmbito saliente-se desde já a posição de re- lativo outsider em que a Federação se encontra relativamente ao fenómeno das chamadas “Primaveras Árabes”, dado que na generalidade dos casos se encontra como apoiante dos regimes alvo das mudanças, as quais em muito poderão redesenhar a geopolítica regional e o respetivo quadro de relacionamento.

Ainda assim, e não obstante a atividade da atual política externa russa para com a região, esta é caracterizada por objetivos de âmbito limitado, em grande parte pelo facto de o principal ator externo, os EUA, ter a sua presença consolidada na área319, dos quais

se destacam (I) a tentativa de que o Cáucaso do Norte islâmico não se transforme numa causa anti-russa apoiada pelos regimes locais, a exemplo do sucedido com o Afeganistão nos anos 80; (II) prevenir ou impedir a ascensão de forças políticas e/ou religiosas de génese radical passíveis de se tornarem hostis para a Federação; e (III) garantir a manu- tenção dos interesses económicos da Federação na região.

A consecução destes objetivos será apenas exequível através da criação e manu- tenção de um equilíbrio relacional com os regimes locais, processo necessariamente instável e complexo, já que, paradoxalmente, tal desígnio encerra em si mesmo as con- tradições passíveis de o afetar ou deteriorar de forma significativa. Resultante deste quadro, são assim múltiplos e variados os empenhamentos da Federação na região,

318 E, acrescente-se, também para a Bielorrússia e Ucrânia, países que possuem unidades de produção de idêntico material.

319 Especialmente materializada nos laços económicos e de segurança com a Arábia Saudita e Qatar, que, entre outros, em grande parte impede uma concertação energética da Federação com estes últimos.

sendo de destacar que enquanto por um lado mantém um bom relacionamento com o Hamas, a Fatah, o Hezbollah, o regime sírio, iraquiano ou iraniano, por outro também o consegue com a Turquia ou Israel, adquirindo a este último armamento ou incorpo- rando a sua tecnologia em sistemas de armas que depois disponibiliza à Índia320. Em

simultâneo, apoia o regime iraniano mas consegue igualmente um bom relacionamento com a Arábia Saudita, a quem poderá vir a fornecer sistemas de armas, ou com os Emiratos Árabes Unidos (EAU), um importante mercado para a indústria armamen- tista russa, não obstante estes manterem uma longa disputa territorial com o Irão. Por outro lado, tendo-se manifestado frontalmente contra a intervenção no Iraque, possui boas relações com o regime pós-Saddam, de quem obteve um lucrativo contrato de exploração petrolífera321, enquanto as suas empresas operam também no Curdistão

independentista através de acordos assinados com o regime iraquiano322. Pelo atrás

referido, e excetuando o caso líbio em que, pelo menos por enquanto, foi um claro per- dedor, a manutenção desta situação de equilíbrio instável por parte da Federação Russa apenas tem sido possível devido à intensa rivalidade regional, permanecendo a dúvida se o desfecho da situação na Síria, Irão, Iraque ou Egito poderá servir de ignidor a uma deterioração no relacionamento russo com a região. Adicionalmente, e por paradoxal que possa parecer, o facto de a Federação possuir um bom relacionamento com atores conflituantes da zona, embora desagrade a qualquer um deles, tem igualmente como consequência a emergência de receios de que a degradação do seu relacionamento com a Federação possa vir a beneficiar qualquer outro, sendo esta porventura uma das bases do equilíbrio instável anteriormente referido.

Adicionalmente, e não obstante a posição consolidada que os EUA mantêm na re- gião, potenciadora e garante da estabilidade regional, o facto é que a animosidade latente ou real que grande parte desses povos possuem para como estes, geradora de alguma am- biguidade no respetivo relacionamento, constitui por assim dizer uma reserva adicional para a política externa russa para a região.

Ainda assim, e não obstante o pragmatismo russo e o facto de este poder ser adi- cionalmente potenciado pelo regresso de Putin à presidência, consideram-se de elevada complexidade as variáveis e fatores que sustentam o referencial do atual relacionamento russo para com a região, de que decorre naturalmente a probabilidade da sua rápida transformação e deterioração.

Como agravante, a instável situação política e social no Cáucaso do Norte russo, islâmico e permeável à ação de forças islâmicas radicais externas323, bem como à even-

tual ação desestabilizadora desencadeada por outros atores, constitui um poderoso fator

320 O crescente relacionamento com Israel tem sido em grande parte potenciado pela diáspora russo-judaica a viver no país, estimada em cerca de um milhão de pessoas.

321 Trata-se da Lukoil. Ver Russia Today (2012a). Recentemente, e já depois de publicitado um lucrativo acor- do de venda de armamento a Bagdad, foi subitamente anunciado o seu cancelamento.

322 Contrariamente à TOTAL francesa e às norte-americanas ExxonMobil e Chevron, que negoceiam direta- mente com as autoridades regionais, efetuando deste modo um bypass completo a Bagdad.

influenciador e limitador da política externa russa com o Médio Oriente e Norte de África. Com efeito, a reduzida capacidade de influência que a Federação Russa possui relativamente ao impedir a emergência de forças sunitas radicais nesta região retira-lhe significativa liberdade de ação, o que a poderá remeter para um estatuto de observador passivo cujo objetivo primário se centrará no controlo de danos e manutenção das con- dições mínimas para um reatamento relacional futuro. Neste quadro, a preferência da Federação Russa quanto à evolução da situação na região poderá pender para regimes autoritários moderados, eventualmente apontando uma direção religiosa e sem uma clara orientação pró-ocidental.