• Nenhum resultado encontrado

34 BBC (2012) 35 Idem.

3.6. A Geopolítica e estratégia energética da Federação Russa 1 introdução

3.6.3. O Papel da Turquia

Sob o ponto de vista geoenergético a Turquia constitui-se como um ator pivot e fundamental no que respeita ao abastecimento de petróleo e gás natural à Europa, com origem no Médio Oriente, Cáucaso e na Bacia do Cáspio. Neste quadro, Ankara possui várias alternativas, sendo contudo de salientar duas grandes modalidades – (1) incrementar o relacionamento energético com a Rússia, nomeadamente através da par- ticipação no projeto South Stream, e em que a posição da Geórgia e do Azerbaijão são enfraquecidas e a viabilidade do projeto Nabucco colocada em causa; (2) optar por uma colaboração com os EUA e participar no projeto Nabucco, enfraquecendo a posição da Federação Russa no Cáucaso e permitindo uma alternativa ao gás russo com destino à Europa. A Turquia parece ter optado por uma aproximação à Federa- ção através da participação no projeto South Stream, não obstante contar já com gás natural russo fluindo pelo gasoduto Blue Stream, um projeto bilateral turco-russo, não ficando o país dependente exclusivamente de um único gasoduto. Com efeito, após um intenso e longo processo negocial, a Federação e a Turquia parecem ter chegado a acordo relativamente à questão energética entre ambos e que claramente se traduz numa relação win-win. Se para a Turquia constitui uma forma de se assumir claramente como o mais importante hub energético (a Sul) de distribuição de energia à Europa, para a Rússia o acordo garante a sua continuidade como principal fornecedor energé- tico do continente, não deixando espaço para muitas alternativas. Refira-se que a tota- lidade das importações energéticas turcas da Federação Russa se cifra atualmente em 60%, valor que muito provavelmente aumentará com a operacionalização do presente acordo. Entre outras contrapartidas, destaque-se o apoio russo na construção de uma

153 A Ucrânia receberá anualmente da Federação Russa cerca de 3.000 milhões de USD em taxas de trânsito. 154 Existem contudo notícias referindo ainda a possibilidade de o South Stream correr por águas ucranianas,

em troca da eventual construção de um gasoduto Geórgia-Ucrânia (White Stream), o que conferiria alguma independência energética do país face ao abastecimento de gás natural russo.

central nuclear na Turquia, com quatro reatores e uma potência de 4,8 Gigawatt155, num

projeto que orçará cerca de 25 Bi USD. A Federação deverá possuir 51% do projeto, sendo expectável que empresas turcas detenham os restantes 49%, e tendo a garantia do financiamento por base um acordo de compra de eletricidade à Federação durante 15 anos, ficando a manutenção também a cargo desta.

Esta eventual opção turca nada tem de anacrónico ou ilógico, e poderá ser explicada pela conjugação das (reduzidas ou difíceis) perspetivas de integração na União Europeia, da vitalidade crescente da sua economia ou das suas aspirações a potência regional, sendo que neste último quadro poderá existir uma forte comunhão de interesses turco-russos no sentido de manter atores externos afastados do Mar Negro156.

Para Moscovo a concretização do Nord e South Stream constitui assim um verda- deiro jackpot geopolítico, reforçando claramente a sua posição enquanto principal forne- cedor de gás natural à Europa, cenário igualmente alavancado com a concretização dos restantes objetivos da Gazprom no mercado europeu de gás natural atrás referido.

Quanto à probabilidade de execução de ambos os projetos Nabucco e South Stream, julga-se que o atual empenho da alemã Wintershall e da EDF francesa, se considerados também os interesses efetivos de ambos os países no Nord Stream, este já uma realidade, em muito poderá indiciar a sua opção final pelo South Stream, e nesse cenário a quase inviabilidade do Nabucco, dado que um apoio a este último seria naturalmente interpre- tado por Moscovo como uma atitude hostil.

A execução destes dois grandes projetos estruturantes da estratégia energética russa para o continente europeu provocaram por sua vez reações de outros atores, nomeada- mente o equacionar de projetos a eles alternativos, especialmente ao South Stream, tendo em vista dificultar e/ou impedir a sua concretização. Não obstante a sua validade e viabi- lidade, são significativos os obstáculos que se colocam à sua concretização, relevando-se (1) os substanciais meios financeiros necessários ao investimento, difíceis de reunir na atual crise económica europeia, (2) o carácter marcadamente nacional das políticas ener- géticas dos Estados-Membros da União Europeia, já anteriormente abordada, ou (3) a necessidade de recorrerem a gás natural dos produtores da bacia do Mar Cáspio. Entre outros projetos, são de salientar os seguintes:

• O Trans-Caspian-Gas-Pipeline (TCGP), uma variante inicial e eventual “alimenta- dor” do Nabucco, estruturalmente assente na construção de um gasoduto através do Mar Cáspio, entre o Turquemenistão e o Azerbaijão, posteriormente ligado à Turquia via Geórgia;

• O Trans-Anatolian-Gas-Pipeline (TAGP), uma outra variante inicial e eventual “alimentador” do Nabucco, anunciado em Novembro de 2011 pelas autoridades turcas e azeris, que ligará o campo azeri de Shah Deniz no Azerbaijão, à Geórgia

155 Potência que nem a própria Federação Russa possui e que será uma das maiores do mundo.

156 O que, também, poderá explicar a (pelo menos atual) opção turca pelo South Stream. Refira-se igualmente a “resistência” turca à tentativa da NATO em estender ao Mar Negro a Operação Active Endeavour.

e à Turquia. O Turquemenistão poderá também fornecer 40 bcm/ano157, embora

parte possa vir a alimentar o projeto White Stream;

• O Trans-Adriatic-Pipeline (TAP), uma “variante final” do Nabucco, alimentado por gaz azeri, possui a vantagem de integrar na sua estrutura acionista a norueguesa Statoil158, também acionista do campo azeri de Shah Deniz;

• O Interconnector Turkey-Greece-Italy (ITGI), também uma “variante final” do Nabucco, alimentado por gás natural azeri, ligando a Grécia e a Itália através do Adriático e prevendo uma variante da Itália para o Sudeste europeu, visando es- pecialmente o abastecimento dos Balcãs. Para além da origem do gás natural que o poderá alimentar, uma outra importante questão prende-se com o seu finan- ciamento, dada a situação económica da Grécia. Contudo, o facto de a eventual privatização da estatal grega do gás (DEPA), um dos parceiros, poder pender a favor da GAZPROM ou uma sua subsidiária159, por um lado (I) potenciará

claramente o South Stream, (II) facilitará uma fusão entre TAP e ITGI ou (III) mesmo provocará o anúncio de um novo projeto pela Statoil.

• O South-East European Pipeline (SEEP), financiado pela BP e prevendo a utiliza- ção da rede de gasodutos existentes e a construção de outros, que ligará a região fronteiriça turco-búlgara ao hub austríaco de Baumgarten160. Constituindo uma

verdadeira alternativa ao Nabucco, tem um custo bastante mais reduzido que este último, e o facto de ter a BP como principal financiador poderá constituir o seu atributo mais forte. Contudo em muito dependerá da decisão turca e búlgara, paí- ses entretanto já envolvidos no Nabucco e no South Stream.

Relativamente à importância do mercado energético asiático, esta temática havia sido previamente analisada e espelhada pela Federação no documento de 2009 intitulado

Energy Blueprint for 2030, em que é preconizado um maior empenhamento no desenvol-

vimento dos campos gasíferos e petrolíferos do leste siberiano, tendo em consideração estimativas que apontam para que as exportações para os mercados asiáticos passem dos atuais 8% do total para 25% nos próximos anos.

Neste âmbito, a entrada em funcionamento em finais de 2009 do oleoduto East Siberian-Pacific Ocean (ESPO), que permite a exportação de petróleo russo com origem nos campos do Leste siberiano para a China, bem como posteriormente para o Japão e Coreia do Sul, constitui para a Federação um importante marco na diversificação de mercados e na aposta inequívoca no Leste Asiático.

Com mais de 4.800 Km, e presentemente com uma capacidade de 600.000 barris/dia (bpd), estima-se que em 2016 possa alcançar um milhão de bpd. Neste quadro foi igual- mente acordada com a China a construção de uma via secundária que efetuará o trans-

157 Presume-se que este valor coincida com os 40 bcm/anuais que o país anunciou para alimentação do Na- bucco.

158 A estrutura acionista é composta pela suíça EGL, a norueguesa Statoil (ambas com 42,5%) e a alemã E.ON Ruhrgas (15%).

159 A estatal russa já terá manifestado o seu interesse na DEPA. 160 Recorde-se que 50% é já pertença da Gazprom.

porte para a região chinesa de Daqing, o centro energético e petroquímico do país, bem como o berço do seu maior campo petrolífero. Saliente-se que a rápida execução deste projeto foi apenas possível através da concessão de um empréstimo de 25 Bi USD161 da

China à Federação, tendo como principal contrapartida o fornecimento de petróleo e gás natural durante as próximas duas décadas. O empréstimo, concedido a uma taxa de 6% e considerando um preço médio de barril de 22 USD, constituindo um excelente negó- cio para a China foi no entanto para a Federação igualmente um acordo positivo, já que o destino final do total de crude transportado pelo ESPO não se resume à China, mas também ao mercado asiático (de maior vitalidade e potencial de crescimento do que o europeu), especialmente o Japão e a Coreia do Sul, países com os quais poderá já praticar preços de mercado considerados “normais”.

Quanto à exportação de gás natural para os mercados asiáticos, pouco tempo após a compleição do oleoduto ESPO, a Federação iniciou as primeiras entregas de LNG com origem no campo Sakhalin II e tendo como o destino o Japão, país cujas empresas Mitsui e Mitsubishi se encontram em parceria com a GAZPROM nesse projeto.

Quanto às parcerias energéticas que a China tem desenvolvido com países da Ásia Central162, não obstante o seu desenvolvimento futuro poder constituir uma ameaça aos

interesses nacionais da Federação, tais iniciativas poderão no entanto fortalecer a coesão e cooperação no seio da SCO, sendo que adicionalmente, por um lado, impede que sig- nificativo gás turquemeno possa vir a alimentar o projeto Nabbuco, e por outro mantém convenientemente afastados atores externos da região.

Em conclusão, a geopolítica e estratégia energética da Federação Russa para com a Europa parece ter adquirido uma dinâmica de difícil inversão, por variadas razões. Consi- derando as estimativas de crescimento do consumo de gás natural do mercado europeu, o declínio das reservas do continente e a recente entrada em funcionamento do Nord Stream, é significativa, pelo menos no curto/médio prazo, a probabilidade do aumento da dependência energética da União Europeia em relação à Federação Russa, em virtude das reduzidas alternativas e o respetivo timing necessário à sua concretização. Como agra- vante, a ausência de uma posição consensual no seio da União Europeia quanto a uma política energética comum, a qual passará também forçosamente pelo reequacionar do relacionamento energético com a Federação, bem como as competências que os Estados- -Membros (ainda) possuem em matéria de política energética e a difícil alienação desse fator de soberania, pouco potenciam a procura de alternativas. Existem contudo riscos na manutenção e/ou aumento da dependência energética europeia em relação à Federação Russa, sendo porventura a situação mais preocupante no plano técnico do que no plano geopolítico. Entre outros, e não obstante algum investimento entretanto efetuado, são de salientar a falta de manutenção da rede de gasodutos russa, a dificuldade crescente que a

161 Que para além de financiarem a construção do ESPO, irão também apoiar a modernização da Rosneft e Transeft e o desenvolvimento de novos campos.

162 Nomeadamente a efetuada com o Turquemenistão para construção de um pipeline, Central Asia China Pipeline ou Turquemenistan-China Gas Pipeline.

Federação tem experimentado em garantir gás natural com origem na Bacia do Cáspio ou Ásia Central, ou as dificuldades várias subjacentes ao desenvolvimento de novos campos gasíferos. Como consequência, não serão de descartar cenários em que a Federação Russa se depare com dificuldades em garantir o fornecimento a partir de 2020.

Quanto à temática da segurança energética, importa desde já salientar a importância de que se reveste a mesma, sendo de relevar o ponto de vista do consumidor, para o qual significa o acesso aos recursos energéticos a preços razoáveis e isentos de riscos de dis- rupção, do produtor, interessado em garantir o mercado e as rotas de abastecimento, por forma a honrar os compromissos, e, finalmente, os países de trânsito, os quais, para além da perspetiva de consumidores, procuram adicionalmente obter vantagens.