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enquadramento Geopolítico e Geoestratégico

34 BBC (2012) 35 Idem.

3.5. enquadramento Geopolítico e Geoestratégico

Dado que ao longo deste trabalho se efetua, direta e/ou indiretamente, a caracteri- zação específica da geopolítica e estratégias várias da Federação Russa, optou-se neste capítulo pela sua caracterização genérica, tentando-se, deste modo, relevar neste quadro as grandes linhas associadas a tais temáticas.

3.5.1. caracterização Geral

Como anteriormente referido, a conjugação na Federação Russa da não coincidência do seu centro geográfico e dos seus restantes polos, incluindo o polo político decisório, com o facto de se encontrar geoeconómica e geopoliticamente comprimida entre dois grandes polos de poder, um a Oeste, de génese essencialmente económica e numa crise crescentemente sistémica, a União Europeia, e um ator crescentemente global a Leste, aspirante a superpotência, a China, constituem duas das mais marcantes realidades na geopolítica e geoestratégia russa da atualidade.

Relativamente ao continente europeu, a conjugação do facto de as preocupações de segurança ou ameaças militares diretas que daquele espaço poderão advir para a Federação serem reduzidas118, com a crescente interdependência económica entre os

dois espaços, bem como com a alavancagem de génese energética que a Federação ostenta, em muito poderão contribuir para consolidar as bases de um crescente clima de cooperação. Adicionalmente, o elevado nível do relacionamento da Federação com as principais potências europeias, especialmente a Alemanha, França e Itália, se conju- gado com o montante dos investimentos mútuos já realizados e/ou a realizar, não são indiciadores de que tal possa ser circunstancial ou reveladores de um entendimento de curto prazo, pelo contrário, visando sim o médio e longo prazo e significando uma

117 Entre outros, o sector possui interesses em projetos localizados na Jamaica, Guiana, Camarões, Serra Leoa, Noruega, Austrália, Roménia, Botswana, Finlândia, República da África do Sul, Casaquistão, Tanzânia, Ucrânia, Canadá ou EUA.

118 Não obstante a perda do buffer ucraniano e da totalidade do buffer do Leste europeu, ou o anúncio, entre- tanto convenientemente adiado, da eventual instalação do sistema anti-míssil promovido pelos EUA.

harmonização crescente entre aqueles atores. Não se pretende contudo afirmar com este conceito que da posterior evolução natural desta realidade resulte uma integração euro-russa, quer num quadro idêntico ou aproximado ao da União Europeia, quer num outro quadro geopolítico, já que o resultado de tal processo não serviria decerto os interesses nacionais de qualquer daqueles atores. Apenas se pretende valorizar a possibilidade de ocorrência de uma cooperação crescentemente íntima e alargada entre o continente europeu e a Federação Russa, num quadro de respeito, equilíbrio e inter- dependência mútua.

Neste referencial, e tentando evitar exercícios de prospetiva estratégica demasiado arriscados ou de difícil sustentação, não se parecem assim vislumbrar desde já cenários que possam encerrar ou indiciar a ruptura de tal equilíbrio.

Com efeito, tais cenários poderiam advir de duas grandes alterações ou linhas de ação. Uma, de génese e vontade essencialmente russa, em que Federação readquiria ra- pidamente o anterior estatuto de superpotência, e decorrente do qual surgiriam natu- ralmente aspirações de outro âmbito e dimensão relativamente ao continente europeu, sendo no entanto de salientar que face à atual realidade russa não se afigura provável, no mínimo, a sua concretização no curto ou médio prazo. Outra, tendo por base uma crescente desagregação do projeto europeu, que determinaria a ruptura de equilíbrios gerados no seu seio e poderia forçar um realinhamento entre e dos seus principais atores. Será neste cenário que se insere a visão do Embaixador Franco Nogueira, para quem um realinhamento germano-russo não constitui, de todo, um fenómeno contra-natura. E não será demais atentarmos nas suas palavras quando afirmou em 1992 que “... a Nova Alemanha, fortemente industrializada, grande exportadora, científica e tecnologicamente avançada, é de tudo isto que a Rússia atual necessita durante décadas – constituem então os Eslavos o mercado natural de que a Alemanha dispõe, estando assim encontrada uma base sólida para uma boa relação de âmbito bilateral e até a um entendimento germano- -russo, aliás de velhas tradições históricas entre ambos....”119. Ainda assim, e conside-

rando, quer a dinâmica que poderá possuir a projeção geopolítica da história, quer as inúmeras e complexas variáveis passíveis de modelarem o futuro dessa relação, conside- raremos como pressuposto que a mais provável evolução do quadro de relacionamento russo-europeu se deverá efetuar no sentido de uma maior harmonia entre aqueles dois espaços geopolíticos, sem que no entanto tal signifique a eliminação total dos diferendos existentes ou se impeça o surgimento de novos.

Quanto ao relacionamento da Federação com o vizinho a Leste, a China, aspirante credível a superpotência, o mesmo encerra substancialmente maior potencial de tensão do que o relacionamento do quadro russo-europeu. Tal tensão advém não apenas da crescente capacidade política, económica ou militar chinesa, mas também, por um lado, das debilidades e vulnerabilidades estruturais do Leste russo, e por outro do grau de pe- netração chinês no espaço que a Federação considera como seu e de elevada importância para a execução de várias das suas estratégias particulares – a Ásia Central.

Todavia, existem igualmente oportunidades e cenários que sustentam uma crescente cooperação sino-russa. Neste quadro releve-se os decorrentes da (ainda) existência de uma superpotência americana, eventualmente recentrada na Ásia-Pacífico, e cuja estra- tégia global, geradora de receios sino-russos, é por vezes castradora e/ou impeditiva da consecução dos interesses nacionais destes últimos atores. Por outro lado, a evolução do quadro geopolítico interno afegão no cenário pós-2014, em que se considera subs- tancialmente provável o crescimento da conflitualidade interna, bem como o extravasar regional de um islamismo de génese radical, em muito poderá constituir a base de uma cooperação sino-russa, dada a convergência de interesses que se verifica no que respeita à estabilidade regional.

Com influência direta no quadro de relacionamento sino-russo, não é de descartar igualmente a concretização do (pior) cenário para a Federação, ainda que eventualmente de baixa probabilidade de concretização – uma íntima ou seletiva cooperação sino-ameri- cana, no fundo materializada pelo já apelidado de “G2”, que colocaria a Federação numa posição de crescente marginalização, quer regional, quer global.

Quanto à sua fronteira Norte, a ártica, um domínio geográfico que a Federação igual- mente considera como seu, e analisado adiante com maior detalhe, releve-se o potencial que, de facto, a Rússia possui naquele amplo espaço, assumindo-se como um ator incon- tornável da geopolítica e geoestratégia do mesmo e porventura o seu maior beneficiário.

No que concerne à sua fronteira Sul, a ação estratégica da Federação orienta-se se- gundo duas grandes direções ou linhas de atuação – a Ásia Central e o Cáucaso, ambas consideradas numa perspetiva securitária por Moscovo como uma zona tampão e último reduto defensivo de contenção de ameaças várias.

Quanto à Ásia Central, no que concerne às ex-repúblicas e antecedendo alguma da análise adiante explicitada, para além de se constituírem como parte integrante da estra- tégia energética russa, e como tal dela não podendo ser dissociadas ou alienadas, dado que em muito a influenciariam e/ou inviabilizariam, a Federação possui várias e sérias preocupações, todas substancialmente interligadas. Em primeiro lugar, relativamente à evolução do quadro político das ex-repúblicas e a questão da sucessão dos atuais regimes, fenómeno que poderá também sofrer significativa influência da forma como a evolução do quadro de segurança interno afegão se processar. Em segundo, a limitação ou impe- dimento da penetração de atores externos na região, havendo nesse âmbito uma evidente comunhão de interesses sino-russos. Finalmente, e em simultâneo, contendo a expansão política e económica chinesa na região, assim como a turca, este um ator com profundas raízes históricas na região, que pretenderá reavivar. Como facilmente se poderá constatar não se afigura fácil, nem simples, nem porventura equilibrada a consecução deste objeti- vo estratégico russo para a região.

Quanto ao Cáucaso, e especialmente o Cáucaso do Norte, a maior ameaça que im- pende sobre a Federação é a constituída pela emergência de forças islâmicas de génese radical, especialmente sunitas, que poderia colocar em causa a sua integridade territorial e posteriormente alastrar às regiões do sudoeste russo do Mar Negro, ou potenciar outras forças centrífugas. Neste contexto, a erupção e instabilidade política e social resultante

das chamadas “Primaveras Árabes”, um caótico e incerto Iraque, um Irão internacio- nalmente renegado, um Afeganistão pós-2014 instável e radical, ou o encapotado mas ativo papel da Arábia Saudita e do Qatar na promoção do radicalismo islâmico sunita, em muito contribuem para o avolumar das preocupações de segurança de Moscovo no seu flanco sudoeste.

Por último, uma breve referência aos interesses de génese global que a Federação Russa possui e persegue, e nos quais é provável encontrar substanciais apoios externos, quer no plano bilateral, quer no plano multilateral. Neste quadro são merecedoras de especial relevância e prioridade dois grandes objetivos estratégicos - (1) a valorização das Nações Unidas e de outras organizações e mecanismos que promovam a emergência, consolidação e gestão de um mundo de génese multipolar, e (2) a reestruturação do sis- tema financeiro mundial, que, segundo a Federação, para além de concorrer igualmente para uma ordem de génese multipolar, garante um maior equilíbrio ao sistema interna- cional.

3.6. A Geopolítica e estratégia energética da Federação Russa