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3.1. Como a definir e quais as suas manifestações particulares?

Também a exemplo da pobreza de rendimento, não existe consenso quanto a uma definição universal da pobreza energética, embora identificar as duas não seja difícil. Há uma corrente de pensamento que envereda por uma quantificação dos valores expressos em unidades de energia necessárias para uma família obviar às suas necessidades (por exemplo, 500kWh por ano por pessoa nos centros urbanos e metade disto – 250 kWh – para os rurais) (Krugman & Goldemberg, 1983, pp. 45-60).

Definida esta necessidade básica em termos de energia, traça-se uma linha abaixo da qual uma pessoa ou um lar é considerado energeticamente pobre, linha essa que colhe as mesmas críticas apontadas à famosa linha da pobreza e da qual é uma réplica em termos concetuais. Trata-se de facto de uma transferência do tal cabaz mínimo que constitui as necessidades básicas para definição de quem é pobre e quem não é para a esfera da energia. Em suma, trata-se apenas de uma questão de quantidade de calorias necessárias; essa abordagem é às vezes chamada de “física”, outras vezes de “abordagem de engenharia ou até “vitalista”, exatamente como na teoria da pobreza geral ou de rendimento.

26 A crítica mais ouvida acerca desse “cabaz” ou quantidade razoável – ou vital - (para viver no caso da pobreza geral) ou quantidade de unidades energéticas necessárias num lar para cozinhar, iluminar e aquecer a habitação (no caso da energia) é a dificuldade de ter nível de necessidades igual devido à discrepância entre regiões e povos quanto ao tipo de confeção de alimentos e ao tipo de aquecimento que difere consoante as condições climato-geográficas.

No entanto, esta é mais uma mensuração do que uma definição concetual, diriam alguns, mas já na pobreza geral (de rendimento) a medida e o conceito confundem-se e essa “confusão” é largamente tolerada e aceite na literatura (“poverty is defined by how it is

measured, consequently, the metric used to quantify energy poverty is critical in establishing its’ prevalence and defining the energy poor”, segundo Guruswamy).

(Guruswamy, Energy Poverty, 2011, pp. 139-161). Também tem a característica de ser prática e mais operacional, sendo utilizada pelas organizações internacionais de ajuda alimentar (no caso da pobreza), podendo também ser transposta para o caso da energia, mas com mais dificuldade por esta última não ser um bem em si mas um serviço a incorporar noutros.

Outras abordagens encaram a pobreza energética em termos de acesso a serviços de energia e apontam para uma relação entre o acesso às formas modernas de energia e o nível do bem-estar das populações (Barnett, 2000). O fato de ter em consideração o acesso é em si um complemento importante da medição da pobreza energética com base no consumo já que o que diferencia um agregado pobre de outro rico é o leque de escolhas de combustíveis a usar (mais eficiente, mais conveniente, menos poluidor, mais ou menos cómodo) assim como no tipo de equipamento associado ao tipo de energia e que tem de ser adquirido logo.

De forma menos técnica, e tal como a pobreza geral (de rendimento), a pobreza energética tem definições sob o ângulo das privações que lhe estão subjacentes dado que ser pobre é ser-se privado de algo que outros têm, algo que é geralmente considerado material. Mas o conceito de pobreza moderna tem uma abrangência que ultrapassa a mera posse material para campos do foro sociológico (pertença e consideração dentro da comunidade, capital

27 social), político (liberdade de expressar-se e votar, ser elegível...) assim como cultural (direito à literacia), entre outros.

Sendo a energia algo mais “técnico” comparativamente ao nível de vida e bem-estar (campos de intervenção da pobreza geral), ser pobre energético é ser privado do acesso às chamadas energias modernas como a eletricidade (para a iluminação, pelo menos) ou os combustíveis líquidos para cozinhar (gás butano, querosene).

Decorre disto, e na ausência de uma definição cabalmente consensual, que os pobres energéticos são privados do acesso à rede da energia elétrica (recorrendo a velas ou lamparinas para iluminar as suas casas) e cozinham com biomassa (também dita “energia tradicional” ou “combustíveis sólidos”) porque têm acesso muito limitado a fontes de energia moderna para cozinhar, como o gás butano.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) adota a seguinte definição:

“Energy poverty can be defined as the inability to cook with modern cooking fuels and the lack of a bare minimum of electric lighting to read or for other household and productive activities at sunset”. (UNDP, Energizing the Millennium Development Goals, 2005)

Outras definições menos teóricas e mais focadas na operacionalidade dos objetivos que pretendem atingir, são avançadas por diferentes organizações internacionais ou instituições ligadas às temáticas da energia e da pobreza. No entanto todas comportam as duas características principais enunciadas na definição do PNUD acima - acesso à luz elétrica e o tipo de combustível para cozinhar.

Algumas acrescentam “condições mais exigentes” como “energias limpas, abordáveis em termos de preço e sustentáveis em termos ambientais e de saúde.”, como a do Asian Development Bank: “the absence of sufficient choice in accessing adequate, affordable,

reliable, high-quality, safe and environmentally benign energy services to support economic and human development” (Masud, 2007, p. 24).

Perante esta definição de pobreza energética podemos questionar como seria a definição de um “menos-pobre energético”? Embora isso pudesse ser uma situação desejável, peca

28 por não ser realista ainda nos dias de hoje, já que assim colocaria a quase totalidade da humanidade numa situação de pobreza energética de uma forma ou outra.

No entanto, a literatura não subdivide a pobreza energética em extrema e relativa – como acontece no caso da pobreza geral (ou de rendimento). Uma hipótese poderá ser considerar a pobreza energética extrema a nível do acesso às energias modernas (falta de eletricidade e gás em casa – quando económica e geograficamente isso é viável) e a pobreza energética relativa ao nível de consumo para o qual alguns autores e a própria Agência Internacional da Energia ( IEA), já definiram um mínimo no caso da eletricidade – diferenciando o nível entre o urbano e o rural. (Bazilian, 2010, p. 38).

Segundo a definição do PNUD, anteriormente referida, a situação do mundo em relação à pobreza energética apresenta-se sinteticamente como segue:

Tabela 3.2

População dependente da biomassa tradicional para cozinhar (2014)

Região

População a cozinhar com biomassa tradicional

(Milhões)

Percentagem da população a cozinhar com

biomassa tradicional % Países em Desenvolvimento 2 742 49% África 793 69% África do Norte 1 0% África Sub-Sahariana 792 81% Ásia em Desenvolvimento 1 875 50% China 453 33% Índia 819 63% América Latina 65 14% Brasil 10 5% Médio Oriente 8 4% MUNDO 2 742 38%

29 Tabela 3.3

Acesso à eletricidade em 2014 – Agregados Regionais

Região População sem eletricidade milhões Taxa de Eletrificação % Eletrificação Urbana % Eletrificação Rural % Países em desenvolvimento 1 185 79% 92% 67% África 634 45% 71% 28% África Norte 1 99% 100% 99% África Sub-Sahariana 632 35% 63% 19% Ásia em Desenvolvimento 512 86% 96% 79% China 0 100% 100% 100% Índia 244 81% 96% 74% América Latina 22 95% 98% 85% Médio Oriente 18 92% 98% 78%

Economias em Transição &

OCDE 1 100% 100% 100%

MUNDO 1 186 84% 95% 71%

Fonte: IEA, World Energy Outlook 2016