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SAHEL: MAPA GEOGRAFIA E POPULAÇÃO

SECTOR DE CONSUMO FRAÇÃO DO SALÁRIO GASTO

N. B As notas da moeda nacional (Ouguya=MRO) mudaram e ao valor facial foi tirado um “zero” mas aqui,

6.2.3. O fator económico e a incerteza de rendimento

A pobreza energética, à semelhança da pobreza geral (ou de rendimento) tem causas, manifestações e efeitos multifacetados, mas não deixa de ser o fator económico aquele que é mais importante e caracterizador do fenómeno. Na Mauritânia, a pobreza atinge uma franja importante da população -31% em 2014 a viver abaixo do limiar da pobreza e 16,6% do total da população vive abaixo do limiar da pobreza extrema (ONS., 2015) - e o setor informal é de longe o setor que mais empregos oferece – 56,5% da população empregada. No sector privado não agrícola, 91,1% dos trabalhadores estão na atividade informal) ((ONS), 2017), não obstante a precaridade e as condições que o envolvam (uma em cada 5 pessoas está num emprego precário – temporário, ocasional ou sazonal) ((ONS), 2017). Esta situação não é muito diferente nos outros países da região oeste-africana onde, segundo a Organização Internacional do Trabalho o setor informal – ou “economia popular” como é justamente referido por alguns – constituí entre 20 a 30 por cento do

120 Produto Interno Bruto (PIB) da economia da África Ocidental e garante a sobrevivência da maior parte da população urbana dando emprego a 60% da população ativa. (De Gromard & Louvel, 2015).

Para a cidade de Nouakchott, o seguinte quadro dá-nos as taxas dos três principais indicadores da pobreza para três anos (2004, 2008 e 2014):

Tabela 6.10

Evolução do nível da pobreza em Nouakchott (2004, 2008, 2014)

Ano P0 P1 P2 Desigualdade “GINI”

2004 25,9% 6,3% 2,4%

2008 15,6% 3,3% 1%

2014 14,4% 3,5% 1,3%

Nacional (2014) 31% 9,4% 4,1% 0.34* P0: Incidência da pobreza; P1: profundidade da pobreza e P2: gravidade da pobreza

Fonte: ONS – EPCV (Inquérito sobre as condições de Vida dos 3 anos). 2017.

*Em 2008 esse índice que mede a desigualdade era de 0.38 e, por ter passado para 0.34 em 2014, indica um aumento de desigualdade na sociedade.

Desta forma, a incerteza em termos de rendimento fixo mensal caracteriza boa parte da população considerada pobre, o que não se coaduna com compromissos mensais, como por exemplo a fatura da eletricidade. Despesas consideráveis feitas de uma só vez são geralmente difíceis para essas populações, como no caso do gás cuja botija tem de se comprar de uma vez e pesa no orçamento familiar e, não raras vezes, as famílias não têm, num dado momento, aquele montante recorrendo ao carvão, já que há sempre um fogareiro em casa (um pelo menos).

Assim, a nível da energia doméstica, a eletricidade com contas fixas a pagar mensalmente não é compatível com esse tipo de rendimentos incertos; o gás butano, ainda que a um grau menor, além de implicar a compra de uma botija inteira de cada vez, acarreta custos à cabeça (upfront costs) para aquisição do equipamento necessário para se poder usar. Assim, no caso da eletricidade e do gás de botija é exigida uma soma importante a mobilizar, fora das possibilidades de muita gente.

121 A prova disto, olhando para as estatísticas e observando a situação concreta, é o fato das duas cidades mineiras do Norte (em pleno deserto) – Nouadhibou e Zouerate – terem taxas de “butanização” muito elevadas (acima da de Nouakchott) por serem povoadas em maioria por assalariados da empresa mineira (SNIM) e terem segurança no trabalho e todas as regalias sociais exigidas pela lei do trabalho. Por outro lado, calcula-se que em Nouakchott cerca de 70% dos assinantes da empresa de eletricidade (SOMELEC) são funcionários públicos, uma população com emprego (e rendimento) garantido ao longo da vida.

6.3. Para que fonte moderna de energia vai o “primeiro dinheiro” (ou novo rendimento)?

Lembra-se aqui algo já mencionado: a realidade da África Ocidental é diferente da Ásia tanto a nível geográfico como climatérico (e hábitos sociais e culinários). O aquecimento, como função mencionada sempre na literatura como importante – ao lado do cozinhar e iluminar a casa – não se coloca da mesma forma na região da África Ocidental onde a Mauritânia está inserida.

As fontes de energia na Ásia incluem os resíduos agrícolas, os dejetos animais e alguns combustíveis líquidos como querosene ou parafina, fontes estas que não são comuns na região da África Ocidental, onde o grosso da biomassa utilizada se limita à lenha e ao carvão vegetal. Há casos de uso de resíduos agrícolas em zonas onde a cobertura vegetal rareia devido, em parte, à exploração excessiva para a produção de carvão para satisfazer a procura crescente nas cidades. A refrigeração também não se coloca como necessidade para as famílias pobres e é dispensável para muitas outras já que o hábito é comprar a carne ou o peixe do dia no mercado e os refrescos na loja da esquina.

As duas fontes principais da energia doméstica em Nouakchott são então a eletricidade para a iluminação e pouco mais e o binómio gás butano-carvão vegetal para a cozinha. O carvão conta para cerca de um quinto na balança energética e o gás butano para praticamente o resto (77,9%) conforme os números do ONS para 2015 (ONS, Enquête par

122 Grappes à Indicateurs Multiples (MICS) 2015, 2016). A eletricidade conta apenas com 2,1% no balanço energético da cozinha em Nouakchott.

Na hipótese de se adquirir rendimento extra, a opção de “upgrade” energético seria sempre do carvão para o gás butano e nunca para eletricidade, conforme verificamos junto das pessoas em situação hipotética como esta.

Não obstante essa lógica de consumo racional, observa-se também um comportamento contrário de pessoas que se podem considerar pertencentes à franja dos “menos pobres dos pobres” (ou os mais pobres dos menos pobres, se se quiser) que fazem caso de optar pela ligação à rede elétrica e continuar a cozinhar com carvão, por uma questão de status ou porque a vizinhança já tem. Contudo, não é a opção maioritária – longe disso.

6.4. Problemas no subsetor da eletricidade

A Energia é sempre tida como sinónimo de eletricidade: as políticas concebidas para lutar contra a pobreza energética são direcionadas para maior oferta da capacidade instalada de energia elétrica. Mesmo aqui, em vez de uma abordagem integrada dos três eixos do sistema que são:

a) a produção, b) o transporte e c) a distribuição,

a tónica é sempre a da produção (abordagem pela oferta e não pela procura) com negligência do transporte e distribuição da energia.

Centrais / geradores: várias fontes contactadas denunciaram irregularidades graves – não de agora mas dos sucessivos governos – como a má escolha do equipamento não adequado e às vezes incompatível com a situação local (de segunda mão e não devidamente

123 inspecionado, que exige um know-how técnico não existente localmente para a sua manutenção e reparação, não adaptado às temperaturas muito altas locais..) e material às vezes sub ou sobredimensionado e com preços sobre-faturados. São casos que sempre ouvi há muito tempo e alguns estão à vista, praticamente tudo isso não foi novidade para mim nem surpresa.

6.5. Coexistência de fontes tradicionais e fontes modernas de energia doméstica