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2.1. Energia e a sua importância histórica

"Au commencement est l’énergie, tout le reste en découle." (Cheikh Anta Diop, 1974, p. 7) .

A Energia desde sempre acompanha a vida e a atividade do homem e sem ela, sob as mais variadas fontes e formas, a própria vida na Terra seria impossível já que, no mínimo, sem as funções básicas como cozinhar os alimentos e aquecer-se do frio extremo em certas zonas do globo, existiria sempre um risco associado à própria existência. Para além disso, qualquer atividade tendente a cumprir as necessidades da vida quotidiana envolve dispêndio da energia em sentido lato (incluindo a humana e a animal): na agricultura, pastorícia, extração da água dos poços. Falamos aqui da vida antiga, mas que durou milhares de anos e que ainda hoje – mesmo com algumas variantes – existe em algumas partes do planeta localizados em países ditos em vias de desenvolvimento, mais particularmente na Ásia do Sul e na África Sub-sahariana.

No entanto, a grande revolução energética aconteceu há 140 anos (1878) quando Thomas Edison apresentou publicamente a sua descoberta materializada numa lâmpada elétrica simbolizando o advento da eletricidade. Edison afirmou na ocasião: “we will make

electricity so cheap that only the rich will burn candles.”

Com sucessivas evoluções energéticas, em particular a descoberta e exploração de grandes jazigos fósseis como o petróleo e o carvão, a eletricidade fez andar muito mais depressa a revolução industrial em curso na Europa e América. A importância em todos os domínios da eletricidade pode ser apreendida pelo facto de, até aos dias de hoje, mesmo nas esferas mais altas da academia e da política, a palavra eletricidade é sinónimo de energia. Erradamente, ao nosso ver, essa visão redutora dum fenómeno tão vasto e complexo como a energia teve também consequências nefastas a nível das estratégias delineadas pelos países em vias de desenvolvimento cujo sistema energético é mais variado e complexo e onde coexistem as formas mais antigas ou tradicionais de energia - (lenha, dejetos animais,

12 resíduos agrícolas, carvão vegetal) com as mais modernas como a eletricidade, o gás e até a nuclear; é de referir que a Índia , sendo uma potência nuclear, tem o maior número de pessoas a cozinhar com lenha e dejetos assim como o maior número de pessoas sem luz elétrica.

Guruswamy, ao comentar o relatório da IEA de 2010 dirigido à Assembleia Geral da ONU intitulado “Energy Poverty: How to make modern energy access universal?”, chama a atenção para esta confusão da eletricidade igual a energia:

“One of the important conclusions of this valuable report, however, is significantly flawed because, with one exception, it equates electricity with energy. The one exception made is for addressing indoor pollution by introducing non-electric cookstoves. Beneficial energy for cooking is a basic and fundamental need of the EP, and cookstoves are an example of ASETs that supply this need. With the exception of cooking, the report considers electricity for all as its aim and objective. But having recognized an exception dealing with energy for cooking, the rest of the IEA Report is premised on the linear leapfrogging model that equates electricity with energy, and advocates the sole goal of universal modern electrical energy by 2030. This is puzzling”. (Guruswamy, Energy Poverty, 2011, pp. 139-161)

Se a ausência de eletricidade, nem que seja por uns minutos, é algo dramático e que faz parar a vida nas sociedades industrializadas, várias regiões do planeta com mil milhões de pessoas continuam a viver no escuro – literalmente. Ou seja, as estatísticas globais e as baterias de indicadores integrados escondem uma realidade muito desigual a nível planetário, regional e até no mesmo país: toda a África sub-sahariana (fora a África do Sul) gasta a mesma quantidade de energia que a cidade de Nova Iorque que tem uma população 45 vezes menor; a capacidade instalada de geração elétrica na ASS é 30 GW menor do que a de Noruega embora população da região seja 150 vezes maior do que aquele (relativamente) pequeno país europeu. (Onyeji, 2010, p. 2).

Situações de pobreza e privacidades envolvem também as noções de justiça e (des)igualdade. A nível global, os ¾ mais pobres da população mundial apenas gastam 10% do total da energia gerada no mundo. (Bazilian, 2010).

Hoje, um quarto da humanidade continua sem ter acesso à eletricidade e perto de um terço ainda só tem a biomassa para cozinhar e aquecer o seu espaço habitacional. Mas em África

13 são 4/5 da população a cozinhar dessa forma e a usar velas e lamparinas para ter luz em casa. África tem também a mais baixa taxa de acesso à eletricidade no mundo, com 57% da população (635 milhões de pessoas) nesta situação. Um habitante do continente africano gasta a energia equivalente a 1/11 da energia que é consumida por um habitante da América do Norte, 1/6 da energia consumida por um habitante da Europa e metade do que gasta um sul-americano. Construímos o quadro comparativo seguinte, a partir dos dados do Banco Mundial e da OCDE para realçar as discrepâncias de consumo entre países e regiões:

Tabela 2.1

Consumo Eletricidade em África (Sul Sahara – menos África do Sul) comparado com outras regiões desenvolvidas

País/região Consumo terawatt- hora p.a. (2010) Consumo per capita (kWh) X consumo per capita da África EUA 3,962 13,395 26 China 3,557 2,944 6 União Europeia 3,035 6,264 12 Japão 996 8,394 16 América Latina 841 1,961 4 Índia 760 626 1.5 Canada 522 15,137 30 Portugal 4,663 9 Brasil 426 2,381 4.5

África Sul Sahara* 423 514 1

Fonte: (WB, OCDE, & IEA, 2013). A última coluna, da responsabilidade do autor, representa a relação entre o consumo per capita de cada um dos países e o consumo per capita da Africa Sul Sahara..

Hoje o papel central e imprescindível da energia no nosso quotidiano não deixa dúvidas: nas casas, indústrias, hospitais, escolas e demais serviços públicos, nos vários modos de

14 transporte (McKinsey, 2015, p. 3), tudo faz com que a privação de energia se assemelhe a uma privação de um direito fundamental como o direito à água.

Para Kammen e Spreng (Kammen, Spreng, & Pachauri, 2011), “human activities are closely linked to energy use, and hence an energy dimension to poverty exists”. Também para a Agência Internacional da Energia (IEA, 2004) “energy is a prerequisite to economic, social, and environmental development” e Saghir (Saghir J. , 2005, p. 1) afirma que “no country has managed to substantially reduce poverty without greatly increasing the use of energy”. Perante isto, temos de aceitar que a pobreza energética é um parâmetro útil para ajuizar acerca do bem-estar global da humanidade, sendo por isso também, um fator de avaliação do grau de desigualdade e até de exclusão numa determinada sociedade.