• Nenhum resultado encontrado

SAHEL: MAPA GEOGRAFIA E POPULAÇÃO

4.3. A problemática do carvão vegetal

4.3.4. Problemas económicos e ambientais em números do processo de carbonização

Os rendimentos brutos de um “forno de Casamança” («meule casamançaise» em francês – onde se proceda à carbonização da madeira para dar carvão) e um forno de carbonização tradicional bem controlado são da ordem de 25%. Ou seja, com uma tonelada de madeira, são produzidos 250 kg de carvão. No entanto, com técnicas mais rudimentares, os rendimentos geralmente não excedem 15 a 20 por cento, ou 150 a 200 kg por cada tonelada de madeira. Muitos carvoeiros usam, por exemplo, madeira verde (se bem que o seu corte seja proibido) e, como a energia necessária para secar a madeira é “por conta” da madeira que se quer queimar, o rendimento é reduzido para 15%.

O teor de carbono da madeira e do carvão a partir dela produzido é de 50% e 90%, respetivamente (Girard, 2002, p. 6), de modo que o equivalente de carbono é o seguinte:

74 • 1.000 kg de madeira -> 500 kg de carbono (50%)

• 250 kg de carvão -> 225 kg de carbono (90%) • 150 kg de carvão -> 135 kg de carbono

Quando 1 tonelada de madeira é carbonizada, 365 kg e 275 kg de carbono negro (“black

carbon”) são libertados para a atmosfera, respetivamente, usando uma técnica mal

controlada ou um forno de carbonização melhorado. A técnica melhorada evita assim a emissão de 90 kg de carbono por tonelada de madeira carbonizada, que representa 300 kg de carbono, ou seja, 1,1 toneladas de CO2 por tonelada de carvão consumido.

Para a cidade de Nouakchott (como mero exercício mas próximo da realidade, por analogia aos exemplos acima mencionados), que consome cerca de 150 milv toneladas de carvão

por ano, a “poupança” anual, em termos de emissões de CO2, representa:

• 165.000 toneladas de emissões de CO2 evitadas; e

• 400.000 toneladas de madeira não utilizada como resultado do aumento do rendimento. O teor do nível de carbono (no carvão vegetal) pode variar muito se tivermos em conta os diferentes usos aos quais se destina, sendo que “the fixed carbon content of charcoal ranges from a low of about 50% to a high or around 95%. Thus charcoal consists mainly of carbon. The carbon content is usually estimated as a "difference"; that is to say, all the other constituents are deducted from 100 as percentages and the remainder is assumed to be the % of "pure" or "fixed" carbon. (FAO, Simple Strategies for Charcoal Making, 1984, p. 4).

Bagdanski refere esse aspeto duro da tarefa de arranjar o combustível diário para cozinhar quando afirma que: “a escassez de lenha pode obrigar as famílias a gastar menos tempo em atividades produtivas e geradoras de rendimento, incluindo na agricultura e produção de alimentos. O magro rendimento pode vir a ser gasto em comprar lenha ou carvão em vez da compra de alimentos”. (Bogdanski, 2012).

v Baseando-se na média de consumo per capita de 150 kg/ano (FAO) e levando a população de Nouakchott ao limite superior do intervalo da estimativa (800 a 1 milhão).

75 (Kammen & al., Clean Energy for Development and Economic Growth:, 2001, p. 20) descreve essa luta diária na seguinte passagem do seu trabalho(coletivo):

“In the industrialized world, most people are well removed from the source and distribution of their energy supply. Energy is typically delivered at the flick of a switch or the turn of a knob, and is valued only for the services it provides: lighting, heating, mechanical power, and entertainment. Consumers’ thoughts only turn to energy distribution and supply when there is an interruption in service or a technical fault, and such anomalies are treated with the seriousness and urgency usually reserved for national disasters like earthquakes and train wrecks. In developing countries, where the majority of the population still resides in rural areas, and where many urban residents do not receive reliable energy services, the situation is quite different: energy supply is a matter of daily routine and daily survival.”

Como foi já referido, uma das grandes barreiras impeditivas do acesso dos mais pobres às chamadas energias modernas (ou comerciais – como a eletricidade e o gás butano) é o custo dos equipamentos que lhes são associados –“upfront costs” (fogão, botija, instalação elétrica, o aluguer do contador, a caução...), enquanto o carvão exige apenas um fogareiro básico cujo preço não é significativo (cerca de 5 a 7 euros em média).

A maior vantagem do carvão em relação ao gás butano que as pessoas mencionaram em Nouakchott, é o fato de se poder comprar avulso e na quantidade requerida enquanto o gás butano não oferece essa flexibilidade (ou se adquire a botija inteira ou nada)vi.

É preciso conhecer bem a sociedade e o seu modo de vida para perceber quão importante é este fator de poder comprar a retalho (e eventualmente a crédito até o fim do mês) já que quase tudo se compra avulso (farinha, leite, arroz, feijão, fraldas, cigarros e tudo mais). Na Mauritânia, poucas são as pessoas com rendimento fixo já que o maior setor empregador é o informal: 91,1% dos ativos privados não agrícolas são empregues no setor informal – da população ativa total esse número desce para pouco mais que a metade - 59,5%-, sendo que a cidade de Nouakchott concentra 38.1% das unidades privadas informais – UPI ((ONS), 2017, pp. 60-62)).

vi É comum os vizinhos pedirem uns aos outros um bocado de carvão em certas horas que a venda se encontra fechada, por exemplo.

76 Existe uma solidariedade social (ou étnico-tribal) que faz com que a comida e tudo o resto seja partilhado por quem aparecer (para almoçar ou jantar mesmo sem avisar e muito menos ser convidado). Esses fatores inviabilizam a possibilidade de calcular um orçamento familiar pela alta imprevisibilidade das duas classes de despesas e receitas.

É comum (diariamente até) aparecerem sem avisar três, quatro, cinco ou mais pessoas “estranhas” ao núcleo familiar para almoçar ou jantar ou tomar o chá que na Mauritânia (e alguns países vizinhos da África Ocidental) é um ritual altamente consumidor de energia (e de uma fatia razoável do orçamento familiar) e que preferencialmente é preparado com carvão, mesmo nas casas onde se usa gás para cozinhar. No entanto, a vida na cidade introduziu uma nova disciplina a nível da alimentação (incluindo o chá) e, para quem trabalha, o chá de manhã (pequeno-almoço) é feito usando um pequeno “camping-gás” próprio para o efeito.