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P.-A. Taguieff observou que “o gosto pela pergunta, pela formulação do problema, mais que a busca a qualquer preço das soluções e dos resultados, eis o que mais caracteriza classicamente o pensamento filosófico”245. De fato, este autor

privilegiou a crítica à construção teórica. No entanto, usando de um olhar oblíquo, é possível interrogar-se: qual seria o bom antirracismo segundo P.-A. Taguieff? Interessamo-nos particularmente por quatro livros dos anos 1990. Uma obra, Les fins de l’antiracisme (1995), é essencialmente teórica, e representa o seu livro o

mais importante da década de 1990. Dois livros engajados e destinados prioritariamente aos militantes antirracistas complementam-no: Face au racisme (1991) e Face au Front National (1998). Enfim La République menacée (1996) é um livro-entrevista com o jornalista Philippe Petit246. Destacaremos primeiro as medidas

concretas favorecidas por ele, e depois os valores implícitos ou explícitos embutidos nestas medidas.

1. O que fazer?

245 P.-A. Taguieff. La force du préjugé. Essai sur le racisme et ses doubles. Paris: Gallimard, 1999,

p. 428-429.

246 P.-A. Taguieff. Face au racisme, op. cit., 1993; idem, Les fins de l’antiracisme. Paris: Michalon,

Para lutar com eficácia contra o racismo, três caminhos abrem-se segundo o autor. São a ação indireta contra as causas da xenofobia, as medidas favoráveis à integração dos imigrantes e a escolha da argumentação (e não a ação penal) para fazer recuar o racismo.

A ação indireta

Primeiro, em vez de estigmatizar os eleitores do Front National e perder-se em “nazificação”, pouco digna de crédito no que diz respeito a este partido, é preciso

resolver os problemas sociais que o discurso lepenista transforma em argumentos eleitorais. Esta estratégia implica uma ação multidimensional sobre as causas, os fatores ou as condições do mal-estar social polimórfico que funda ou favorece o voto no Front National, alimentando o imaginário xenófobo, os medos ideologizados e a demanda de ordem: desemprego, fragilização da condição salarial, insegurança objetiva multiplicada pelo sentimento de insegurança, mal- estar em periferias segregadas, tendência à sociedade dual, etc. Esta estratégia antilepenista só pode agir de maneira indireta: melhor que confrontar-se com o efeito Front National, ela consiste em transformar as condições de emergência e de extensão do movimento nacional-populista autoritário247.

P.-A. Taguieff apela assim em favor de um “antirracismo concreto”, atento à complexidade das situações concretas, por oposição a um antirracismo de rememoração (do perigo fascista) e de comemoração (da ação antifascista). Por exemplo, em vez de perseguir “palavras ideologicamente inconvenientes”, o que remete a uma “ação mágica”, um “ritual conjuratório”, e se desvia em direção a um “antirracismo conformista [bien-pensant] e sectário”, o antirracismo eficaz seria

exemplificado pela ação do GISTI, admirável “na sua defesa concreta dos direitos fundamentais dos estrangeiros, a qual defende e ilustra o Estado de direito”248.

Ao contrário, é contraproducente o discurso de desprezo, que assimila eleitores do Front National, classes populares pouco diplomadas e o chamado complexo do “pequeno branco”, em referência à História dos Estados Unidos. O risco é que se confirme, involuntariamente, a representação divulgada pelo Front Nacional, de ser um partido “popular”, que expressa os “sentimentos do povo”, longe da elite intelectualizada. O antirracismo não deveria cair na armadilha de essencializar “os racistas”, com o risco de uma “racialização” do imaginário social (a França como mosaico de “raças”, de “etnias”, de “culturas”, de “comunidades”). Não deve favorecer o retorno do mito maniqueísta das duas Franças, envolvidas em uma luta até a morte – a “França antirracista” contra a “França racista”249.

Essa ação indireta é portanto uma ação cautelosa. Teme que uma confrontação direta com os eleitores e simpatizantes do nacional-populismo contribua para cristalizar, fixar, as oposições. É atenta aos efeitos perversos. Em particular, a categoria do “povo” e da “cultura popular” não deve ser abandonada à extrema-direita. Em resumo, o combate contra o racismo não pode confundir luta contra a xenofobia e distanciamento com as classes populares menos escolarizadas, menos abertas sobre “o exterior”, menos favoráveis ao “liberalismo cultural” oriundo de 1968. Este problema – o de um possível desvio elitista do antirracismo –, P.-A. Taguieff foi, pelo que sabemos, um dos primeiros a levantá-lo. É o tema de um livro importante, e muito comentado, de Laurent Bouvet, Le sens

du peuple, publicado em 2012 (ver Capítulo V)250.

248 Idem. Les fins de l’antiracisme, op. cit., 1995, p. 568. O GISTI (Groupe d’Iinformation et de Soutien

des Immigrés) é uma associação de ajuda aos trabalhadores migrantes.

249 P.-A. Taguieff. Les fins de l’antiracisme, op. cit., 1995, p. 521 (as palavras entre aspas estão em

itálico no texto).

250 L. Bouvet. Le sens du peuple. La gauche, la démocratie, le populisme. Paris: Gallimard, 2012. O

mesmo autor, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, e próximo do Partido Socialista, aprofundou suas pesquisas em outro livro: idem. L’insécurité culturelle. Paris: Fayard, 2015. Cunhou a expressão “insécurité culturelle” precisamente para descrever de uma forma não normativa, sem julgá-lo, o sentimento de insegurança sofrido por populações “autóctones” devido ao aumento do número de estrangeiros. O conceito, formulado em uma perspectiva antirracista, é criticado por outros pesquisadores, também em nome do antirracismo.

A assimilação dos imigrantes

Segundo, já que o racismo toma prioritariamente a forma de uma xenofobia, é a assimilação dos estrangeiros que deve ser favorecida.

Aparece, em um primeiro momento, como um “afrancesamento”:

O que se deveria permitir-lhe [o imigrante] esperar é, primeiro, o objetivo de integrar-se na sociedade francesa – isto é, em uma nação –, e, depois, o esforço para não ficar prisioneiro desta integração nacional251. Em um primeiro momento, eu

diria que ele pode e deve esperar esta integração no corpo social, condição necessária para uma vida humana. Supõe-se que ele ultrapasse obstáculos, que tenha coragem de enfrentar um certo número de ritos de passagem, em resumo, que passe por todas as etapas que transformam um estrangeiro em um francês.

P.-A. Taguieff critica a “visão ultracrítica” da “assimilação à francesa”, e acrescenta que “uma certa normalização” “faz parte das estratégias individuais de socialização”252.

No entanto, o próprio P.-A. Taguieff modera o caráter abrupto dessas formulações. De um lado, a integração é definida como um fenômeno complexo, com base na obra do sociólogo Abdelmalek Sayad:

Mas a assimilação não se decreta, se faz. Opera através de processos que são largamente involuntários – Abdelmalek Sayad, com base no filósofo Jon Eslter, diz acertadamente que querer realizar a integração é um fenômeno do mesmo tipo que querer dormir, querer ser livre, querer esquecer, querer ser natural... A integração somente pode realizar-se

251 Nosso autor responde à pergunta: “A um jovem estrangeiro desesperado das periferias que lhe

dissesse ‘O que me é permitido esperar?’, o que o senhor responderia?” (P.-A. Taguieff. La

République menacée, op. cit., 1996, p. 39).

“como efeito secundário de ações iniciadas com outros fins”, acrescenta Sayad. Por via indireta253.

De outro, observa que a integração ou a assimilação não equivale a uma negação de individualidade, nem a uma imposição. O jovem imigrante deve “se construir ele mesmo como singularidade. Com um avô materno de origem polonesa e um pai de origem russa, sou um exemplo relativamente significativo de integração à francesa mais ou menos exitosa!”254. Ou seja, a assimilação não precisa ser um processo

totalitário que esmaga as individualidades.

Essas indicações sugerem que a postura de P.-A. Taguieff é firme, porém matizada. Não pode ser caricaturizada como a expressão de um “nacionalismo”. Não implica a destruição das culturas que coexistem com a francesa.

Aceito totalmente o princípio segundo o qual, se as culturas minoritárias no espaço nacional se restringem à esfera do privado, devem ser respeitadas. Para os quatro milhões de muçulmanos vivendo na França, como para todas as minorias religiosas, trata-se de fazer funcionar os lugares de culto, sem demonização [...]. Para a França, isto não é, de jeito nenhum, um problema255.

Para ele, não é possível fazer recuar o nacional-populismo sem a nação, e assume uma postura no fio da navalha – “minha postura pode definir-se pelo que recusa: nem comunitarismo nem nacionalismo”256. Sem dúvida, na década de 1990, P.-A.

Taguieff encara com desconfiança as comunidades que poderiam, supostamente, enfraquecer uma nação republicana vista como uma ferramenta potente contra a extrema-direita. Teremos a oportunidade de ver no Capítulo V que, na década

253 P.-A. Taguieff. La République menacée, op. cit., 1996, p. 65-66. Também: A. Sayad. “Qu’est-ce

que l’intégration?”. Hommes et migrations, 1182, dez. 1994, p. 80-90.

254 P.-A. Taguieff. La République menacée, op. cit., 1996, p. 40. Para uma defesa da assimilação

dos imigrantes, ler: M. Tribalat. “Intégration, la fin du modele français”. Commentaire, 150, verão de 2015. Este artigo retraça, segundo a autora, as etapas do abandono da noção pelas elites políticas, em nome da diversidade.

255 P.-A. Taguieff. La République menacée, op. cit., 1996, p. 97. 256 P.-A. Taguieff. La République menacée, op. cit., 1996, p. 65.

seguinte, sua posição evoluiu em favor de uma avaliação mais favorável do papel positivo das comunidades, desde que sejam respeitadas algumas grandes regras fundamentais, entre as quais o respeito à laicidade257.

A argumentação antirracista

Enfim, um antirracismo eficaz deve contra-argumentar. Se for preferível deixar de lado, na medida do possível, os recursos do direito, da moral e da memória, isto é, a censura da lei aos que a transgridem e as garantias dos que sabem estar do lado bom da História, garantia que sempre corre o risco de se degradar em conformismo; ao contrário, a agressividade argumentativa é fundamental para fazer recuar o nacional-populismo258. O antirracismo deve

consagrar tempo e esforço à análise do programa do Front National. Esta análise crítica é necessária, porque o programa deste partido desempenha, segundo as pesquisas de opinião, um papel relevante na adesão de novos militantes e simpatizantes. Por exemplo, é preciso atacar a noção-chave de “preferência nacional”, e o “chamado a uma purificação étnica à francesa”.

Já que o voto no Front National tornou-se em parte um voto popular, é preciso lançar um processo “pedagógico, mais exatamente “demopédico”, para falar como Proudhon: falando ao “povo” que vota no Front National ou está inclinado a fazê-lo, temos de nos esforçar para estabelecer ou restabelecer os fatos, explicar os fenômenos sociais mitologizados, temos de nos aplicar a demonstrar e a refutar, a reconstruir lógicas de ações políticas veladas pela equivocidade, a esclarecer a opinião pública sobre os inevitáveis efeitos da “preferência nacional”. Este trabalho argumentativo deve ser efetuado “no terreno”, perto das classes populares. Deve

257 Idem. La République enlisée. Pluralisme, communautarisme et citoyenneté. Paris: Éditions des

Syrtes, 2005.

258 P.-A. Taguieff evoca um “harcèlement argumentatif” (Face au Front National, op. cit., 1998, p.

120; em itálico no original). O recurso do direito tem o inconveniente de transformar os xenófobos em vítimas da censura jurídica. A moral transforma o antirracismo em um moralismo cheio de bons sentimentos. A mídia, a propaganda, os “importantes” fingem pôr-se a seu serviço, quando simplesmente o usam para fins próprios. O recurso à História faz correr o risco de confundir as épocas – os anos 1990 não são os anos 1930. Todos estes temas são desenvolvidos minuciosamente em Les fins de l’antiracisme.

“romper com o tom superior [vertuiste] e arrogante” das elites antirracistas que desprezam o povo259.

Desse conjunto de propostas, desprende-se um ponto comum: a noção de

mundo comum, a ser preservada. O objetivo do antirracismo não deveria ser fazer

subir os graus da temperatura política, até chegar às alturas da guerra civil e dos históricos combates antifascistas. Deveria ser, de um lado, favorecer a inclusão na nação dos trabalhadores estrangeiros mediante a assimilação, já que estes são as vítimas principais do racismo, e, de outro, recuperar a fração do eleitorado tentada a votar no nacional-populismo, por meio da argumentação.

Sobraria, sem dúvida, uma extrema-direita residual, porém devolvida a seu nível histórico constante no século XX, isto é, baixo (como é o caso em vários países europeus). Aos militantes que sonham com um grande encontro entre a extrema- direita nacionalista e a História, P.-A. Taguieff responde que a aposta é indigna de consideração, porque anacrônica: o nacional-populismo não é o nazismo, e a toda argumentação em favor do respeito à diferença dos imigrantes, responderá uma argumentação oposta em favor do respeito à “identidade francesa”. O jogo, adverte em substância P.-A. Taguieff, é perigoso. A nação é o horizonte de sentido da grande maioria da população. Dar a impressão de que só o Front Nacional leva a sério a nação é oferecer de graça à extrema-direita um trunfo considerável.

Portanto, melhor seria pensar um antirracismo republicano, cujo objetivo seria a formação de um mundo comum em torno da nacionalidade. A nação torna- se a peça-chave que falta em todas as tentativas de articular o antirracismo diretamente em torno do par indivíduo/universal (seria esta uma das características do antirracismo universalista). Opõe-se ao antirracismo diferencialista? Ou, ao contrário, insistindo sobre a importância de um mundo comum que reúna todas as comunidades, possibilita que ninguém seja desprezado em sua identidade (cultural, religiosa, étnica)? É, naturalmente, esta segunda opção que defende P.-A. Taguieff.

Já que sabemos um pouco melhor o que é a proposta de um antirracismo republicano, poderia ser instigante voltar-se para seus valores. Além de considerações em termos de eficácia do combate contra o nacional-populismo, haveria razões filosóficas para defender uma concepção republicana do antirracismo? Por que preferir a ação indireta, a assimilação dos estrangeiros e a argumentação, a outras modalidades antirracistas, como a vigilância exercida sobre o vocabulário ou a lembrança dos combates passados contra o fascismo? A

resposta é que um antirracismo republicano seria mais fiel à exigência de defender as liberdades. Policiar o vocabulário conflita com a liberdade de expressão, e o

antifascismo, admirável nos anos 1930, foi, no entanto, objeto da manipulação stalinista. Hoje, no final do século XX, não passaria, na visão desabusada de P.-A. Taguieff, de uma tentativa ilusória de dar um conteúdo positivo a uma noção nebulosa, “a esquerda”.

2. Os valores do antirracismo republicano

P.-A. Taguieff nunca chegou a escrever uma teoria do antirracismo republicano. Reflexões filosóficas encontram-se em seu trabalho, particularmente em Les fins de l’antiracisme, porém dispersas e desconectadas. Elas lembram que a formação de P.-A. Taguieff foi, antes de tudo, filosófica. No entanto, podemos estranhar: por que não ter escrito uma justificação filosófica, já que não duvidamos que queria propor alguma coisa de novo a militantes e organizações antirracistas? Qualquer que possa ser a resposta, não tentaremos fazer o que ele não fez. As observações abaixo não pretendem ser coerentes nem sistemáticas, nem mesmo organizadas. Procuramos em sua obra elementos para uma defesa filosófica do antirracismo republicano.

O realismo político

O primeiro caráter do antirracismo republicano segundo P.-A. Taguieff é o

“maquiavelianos” por James Burnham em um livro que já foi famoso: M. Weber, G. Mosca, R. Michels e V. Pareto260. Autores “realistas” opõem às construções

“ideológicas” de seus adversários o que se apresenta como fruto da observação da realidade. Opõem a uma opção talvez desejável, mas irrealista, o mundo social real, triste, mas real (supostamente) – por exemplo, classicamente, os partidos socialistas de massa não passariam de organizações oligárquicas, qualquer que seja a ideologia assumida por seus líderes (Robert Michels). Autores “realistas” são assim frequentemente “desagradáveis” – não trazem boas notícias, adotam um tom desencantado, muitas vezes irônico em relações às (alegadas) ingenuidades de seus adversários. É também o estilo de Raymond Aron, que nunca deixou de enfatizar o caráter (para ele) fantasioso das construções intelectuais de seus adversários.

P.-A. Taguieff inscreve-se nitidamente nessa corrente. Mais que de ideais, trata-se de estilo – sua prosa é repleta de críticas que visam os “bons sentimentos” antirracistas, terrivelmente ineficazes. É sobretudo a propósito da nação que desenvolve suas críticas. Os racistas desde o fim do século XIX, em particular, os nazistas, tentaram racializar a nação. Em reação a isso, os antirracistas do final do século XX, escreve P.-A. Taguieff, a demonizam, correndo assim o risco de ajudar a provocar “uma nova irrupção de utopismo, seja unitarista, seja pluralista”. No primeiro caso, estão no “sonho irênico de uma comunidade política planetária, que seria pós-nacional, e garantiria a paz universal”. No segundo, idealizariam “sociedades multiculturais harmoniosas”261. No entanto, a ideia de um bem comum

a ser procurado e debatido pelos indivíduos que compõem a comunidade política soberana – a nação – continua a orientar a maioria dos indivíduos. Para combater o racismo, é difícil confiar em uma dessas duas soluções: ou mecanismos anônimos e involuntários, por exemplo, a dissolução de todas as identidades sob a influência da globalização econômica, ou a compatibilidade a priori entre os interesses e

260 James Burnham, The Machiavellians. Defenders of Freedom. A Defense of Political Truth against

Wishful Thinking. Washington: Gateway, 1987.

valores de grupos sociais diferentes pela cultura e a história. A realidade simplesmente seria outra.

Nesta época de crise do progressismo e declínio do comunismo, acreditar na reconciliação na paz universal ou no diálogo intercomunitário é um pensamento consolador. Podemos assim continuar a acreditar que a direção do movimento da História ainda está bem orientada. Evoluiríamos na direção de um mundo melhor: sem nacionalismo, e sem nação. P.-A. Taguieff não expressa saudade do nacionalismo, mas discorda do diagnóstico sobre ele – não está desaparecendo. Sobretudo, observa que, mais uma vez, na realidade, esse mundo sem nação é também um universo sem definição de um mundo comum. Ganham em otimismo, mas perdem em lucidez, os que esperam, no fim dos Estados-nações, uma solução para o mal em política. Com efeito, se a nação é um produto da História, isso não significa que ela não tenha consistência – “o que foi historicamente construído nem por isto está desprovido de uma realidade social verdadeira, e de nenhuma forma pode ser reduzido a um objeto fabricado, com estatuto de artefato”262.

O argumento aparece claro. O antirracismo diferencialista defende, por exemplo, os direitos das minorias. Na ótica de P.-A. Taguieff, porém, erraria subestimando as consequências negativas de um pluralismo cultural exacerbado, impossibilitando a procura de um bem comum. De seu lado, o antirracismo universalista contemporâneo erraria, caindo no sonho utópico de uma “comunidade política planetária”263 – o cosmopolitismo não ofereceria perspectivas políticas

concretas. O pivô do antirracismo desejável ainda é a nação republicana, isto é, aquela cujas leis não discriminam ninguém. O antirracismo republicano aparece como um antirracismo ético, e não partidário. Daí este ponto importante:

262 P.-A. Taguieff. Les fins de l’antiracisme, op. cit., 1995, p. 326. Uma nota faz referência a um livro

clássico: B. Anderson. Imagined Communities. Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. Londres: Verso, 1983. Ver também: P.-A. Taguieff. La République menacée, op. cit., 1996, p. 88-89.

263 P.-A. Taguieff. Les fins de l’antiracisme, op. cit., 1995, p. 205. Um esforço neste sentido encontra-

se num livro instigante: E. Tassin. Un monde commun. Pour une cosmo-politique des conflits. Paris: Le Seuil, 2003. Vários autores interessados na teoria política esforçaram-se para pensar um cosmopolitismo adaptado à situação do final do século XX e início do XXI. Esta linha de pensamento foi impulsionada pela globalização econômica e cultural.

ninguém tem o monopólio do antirracismo; nenhum partido político pode pretender possuir o monopólio da autenticidade antirracista. Se o antirracismo, pensado em sua exigência não ideológica, é o primeiro pressuposto ético da democracia moderna, confunde-se com o individualismo ético. Não é “uma” política264.

Assim temos aqui a primeira característica do antirracismo republicano: define-se contra os relatos utópicos que desempenham um papel tão importante na crítica social da esquerda radical265. Possui um estilo antiutópico que o distancia

muito de um antirracismo articulado, por exemplo, ao conceito marxista de “emancipação”. Isto, em nome da eficácia da luta contra o national-populismo266.

O universalismo e o universalizável

O antirracismo republicano tenta ultrapassar o dilema do “universalismo humanitarista” versus o “relativismo cultural”, muitas vezes esquematizado com base no debate sobre a excisão em certas regiões da África267. Para P.-A. Taguieff,

a solução da antinomia consiste em assumir que alguns valores, aparecidos no mundo ocidental, devem ser defendidos porque são universalizáveis. Ou seja, as dificuldades teóricas e práticas da luta contra o racismo não são decisivas, mas devem ser reconhecidas para ser

264 P.-A. Taguieff. Les fins de l’antiracisme, op. cit., 1995, p. 244.

265 Ver, por exemplo: Miguel Abensour. L’utopie de Thomas More à Walter Benjamin. Paris: Sens et