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O próprio P.-A. Taguieff observou que sua atenção sobre as mutações do racismo foi despertada porque, desde o final dos anos 1970, tinha estudado a evolução do GRECE. Taguieff consagrou vários artigos e um livro importante a esse

movimento de extrema-direita119. Não pretendemos apresentar ou resumir aqui o

conjunto de uma pesquisa que se estendeu por quase quinze anos. O que nos interessa – o que nos interessará durante todo este trabalho – é a interpretação racista das ideias de “diferença”, “memória”, “identidade”. Em que circunstâncias o direito à diferença de um grupo destacou-se de sua origem humanista e liberal para formar parte das “doutrinas do ódio” (expressão cunhada por Léon Poliakov)? Como a ideia de respeito à diferença, tão cara à antropologia americana ou lévi- straussiana, pôde ser reutilizada em uma perspectiva antiuniversalista, para servir, primeiro, a um projeto intelectual (como o do GRECE) e, depois, diretamente político (como o do Front National), tão contrário à sua inspiração original?

A pesquisa de P.-A. Taguieff foi fundamental porque responde com precisão e erudição a essa pergunta120.

No início, isto é, nos anos 1968-1972, o GRECE é um grupo de reflexão de extrema-direita, de vertente racista. Insiste nas desigualdades entre indivíduos e “etnias”, e “o inimigo principal é então nitidamente o marxismo-leninismo e o movimento comunista”121. Os anos seguintes serão caracterizados por uma

evolução rápida e espetacular. Com efeito, nos anos 1972-1979, configura-se a “segunda doutrina” do GRECE, segundo P.-A. Taguieff. Desde então, o comunismo reduz-se a um aspecto de um mal muito mais profundo: o igualitarismo (a doutrina da igualdade) judaico-cristão, isto é, de origem judaico-cristã. O GRECE defende a ideia de que existiria uma Europa eterna cujos valores culturais estariam baseados na estrutura descrita por Georges Dumézil. Trata-se da tríade indo-europeia, que separa, distingue e hierarquiza as três funções – orar, combater, produzir. Concluiu

119 P.-A. Taguieff, Sur la Nouvelle Droite, op. cit., 1994. Retoma uma matéria compósita (entrevista

à revista Vingtième Siècle, de 1992-93, um estudo detalhado, de 1988, um longo retrato de Alain de Benoist, de 1993). Mas já no final dos anos 1970 P.-A. Taguieff havia escrito sobre o tema (“La Nouvelle Droite à l’oeil nu”. In: Droit et Liberté, 386, dezembro de 1979, e número 387, janeiro de 1980). Destacaremos aqui o artigo publicado em Les Temps Modernes, numero 451, de fevereiro de 1984, “Alain de Benoist, philosophe”. Apresentamos, anexa neste trabalho, a bibliografia completa de Pierre-André Taguieff.

120 Para esta parte, nossa fonte principal é o artigo, publicado em 1988, “De l’inégalité biologique à

la différence culturelle. L’identité païenne de l’Europe”, que forma também a segunda parte de Sur

la Nouvelle Droite. P.-A. Taguieff fez a opção de não mudar nem atualizar esse texto quando o

republicou em 1994, e é esta edição que citaremos doravante.

que o cristianismo é uma religião importada de fora (do Oriente). Ele teria difundido o valor da igualdade (dos homens diante de um Deus transcendente), contra um Ocidente que acreditava na desigualdade entre os homens. Este igualitarismo teria sido depois laicizado na forma da filosofia das Luzes e do socialismo. Nesta perspectiva, o comunismo soviético não passa de uma encarnação da doutrina da igualdade, exatamente como o liberalismo norte-americano. Importava livrar-se do igualitarismo sob suas diversas formas (cristianismo, socialismo, comunismo, liberalismo) e encontrar de novo as verdadeiras raízes culturais da Europa. Resgatar e preservar a identidade cultural verdadeira da Europa – eis definido o novo programa da extrema-direita no início da década de 1980. Sem recusar, porém, o mesmo direito a todos os povos do planeta. Vem aí uma extrema-direita com uma cara senão convincente, ao menos tolerável aos olhos de parte da opinião pública. Distanciava-se da ideia de raça, e da ideia de nação, configurando uma

grande ruptura política na história da extrema-direita.

Já nessa época, ao lado de considerações à base de biologia, o GRECE evolui, portanto, para com um culturalismo. Se a doutrina da igualdade dos homens é ruim, isso se dá sobretudo porque é estrangeira à Europa, e desnatura sua cultura. Por exemplo, o judaísmo pode ser bom para os judeus, diz o GRECE, ansioso por não deixar espaço a uma acusação de antissemitismo, mas não para os europeus: a cada povo, sua cultura122. Já nos anos 1970 o GRECE podia apresentar-se como

um defensor do direito de cada grupo histórico à preservação de sua “identidade” – no caso, dos europeus, uma identidade específica que isolava os europeus da África, do Oriente Médio e da América. O novo racismo expressava um direito à existência, ou seja, expressava-se na língua do antirracismo. P.-A. Taguieff explica assim o que está em jogo nessa substituição, nesse racismo que quer fazer-se passar por um antirracismo:

o argumento fundamental do racismo diferencialista já está presente: ser “antirracista”, é considerar que cada raça, cada

122 Implica, não obstante, que os judeus não são europeus... A ruptura com o racismo tem suas

etnia ou cada cultura deve preservar a qualquer preço sua diferença, a ser cultivada, desenvolvida, defendida contra as agressões, e sobretudo não tentar estendê-la. O racismo confunde-se com a universalização dos valores e normas particulares: o racismo é, por definição, universalista, e a exigência de universalidade esconde os objetivos imperiais de tal forma específica de vontade de potência123.

Essa evolução do biológico à cultura confirma-se e acentua-se nos anos seguintes, em particular, sob a influência de Alain de Benoist124. O que está em jogo

na política, segundo o GRECE, seria a oposição entre a diversidade das identidades, isto é, o direito dos europeus de continuar europeus, e todas as doutrinas políticas e religiosas, do fascismo ao socialismo, que têm uma vocação universalista, e por isso ameaçam a diversidade do mundo, até tornar-se totalitária. A verdadeira direita, escreve o GRECE, não se pode satisfazer em ser, simplesmente, antimarxista, deve ser antiuniversalista.

Para P.-A. Taguieff, os anos 1980 constituem um terceiro momento dessa evolução, que se caracteriza pela

crítica de todas as formas de uniformizações ou de homogeneizações, da mestiçagem física à mistura das culturas, recusadas porque provocariam a destruição fatal das identidades coletivas, pensadas cada vez menos em termos biológicos e cada vez mais em termos culturais e históricos125.

123 P.-A. Taguieff. Sur la nouvelle droite, op. cit., 1994, p. 73.

124 Alain de Benoist recebeu-nos em janeiro de 2012 para evocar sua recepção do trabalho crítico

de P.-A. Taguieff. Segundo ele, este trabalho é o melhor do gênero em francês. É importante dizer que A. de Benoist evoluiu bastante desde os anos 1970, adotando posturas políticas ambíguas, que o aproximam às vezes de uma esquerda não conformista, embora conservando amizades em círculos próximos da extrema-direita. Tornou-se inclassificável em termos políticos. Ele mesmo lembra seu percurso em um livro interessante: Mémoire vive. Paris: De Fallois, 2012.

Daí que os anos 1980 tornam-se anos de ambiguidade ideológica. Acusado pela mídia de ser a encarnação de um novo racismo, o GRECE não terá dificuldade para contra-argumentar com bandeiras oriundas da própria esquerda: defesa do direito dos povos a suas identidades, até mesmo, e, em particular, os povos oprimidos do sul contra as ideologias do leste (comunismo) e do oeste (capitalismo), defesa da diferença contra todas as forças universalistas, isto é, imperialistas, crítica ao colonialismo e ao racismo... Enfim, o movimento evita toda declaração que possa ser interpretada como antissemita, um ponto decisivo, já que na França o antissemitismo é, desde o caso Dreyfus, a marca da extrema-direita.

Embora a defesa da diferença pelo viés “grecista” seja claramente distinta do direito à diferença visto da esquerda – baseia-se no mito identitário da Europa forjado pelo GRECE, o “fantasma de uma diferença originária pura, étnica e cultural”126 ameaçada pelo cristianismo, que trouxe consigo a ideia de igualdade –,

a confusão é possível e desejada pelo GRECE. Por exemplo, este tentou roubar da esquerda o tema do antitotalitarismo, de acordo com o raciocínio seguinte: já que supostamente a cultura europeia verdadeira é antitotalitária – a tripartição, segundo G. Dumézil, proíbe a redução de tudo a uma totalidade única, seja ela econômica (marxismo) ou racista (nazismo) –, o GRECE também seria antitotalitário. O GRECE quis perturbar o velho panorama da oposição entre esquerda e direita; seus contraditores lembraram-lhe a evidência de suas ligações com a extrema-direita. Foram, porém, incapazes de provar que os membros dessa organização fossem nazistas, ou fascistas, ou mesmo racistas – quem falava de raças? Ao final de um trabalho erudito e sem concessões, P.-A. Taguieff deduzia a existência de uma dupla inanidade: a da doutrina do GRECE, bricolagem que devia muito à imaginação de Alain de Benoist (ver abaixo), e a dos antirracistas, que não haviam sabido contra-argumentar, e haviam oferecido uma publicidade rica e gratuita a um grupo pouco conhecido.