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P.-A. Taguieff possui uma formação ampla, mas predominantemente filosófica. Entre os filósofos – cientistas sociais, uma das influências maiores é a de Max Weber. Ela aparece nas temáticas mobilizadas e no método (1), por exemplo no caso do conceito de “nova judeofobia”, que pode aparecer como um tipo ideal weberiano (2). Não por acaso, ele escreveu um ensaio combativo para lembrar a memória de Julien Freund (1921-1993), um dos principais introdutores do pensamento do grande sociólogo alemão na França (3).

1. P.-A. Taguieff weberiano

A influência de Max Weber aparece de diversas maneiras. Escolhemos quatro aspectos desta influência.

Primeiro, P.-A. Taguieff é pesquisador e intelectual engajado. Ambos, o pesquisador e o intelectual, compartilham o mesmo terreno de reflexão e de atuação, embora o primeiro busque a verdade científica, enquanto o segundo tem um “projeto de influência”. Apesar da confusão possível, P.-A. Taguieff afirma seguir as exigências da neutralidade axiológica weberiana. Como manter a objetividade científica, quando conscientemente se pretende participar do debate público? “Não há resposta geral que seja satisfatória. Cada autor deve aqui desenvolver suas regras de método e seus princípios normativos, esforçando-se, em seus escritos publicados, para distinguir com a maior clareza possível a construção dos fatos de sua avaliação, assim como das eventuais propostas normativas acompanhando essa avaliação. Não teremos a ingenuidade de pensar que possamos escapar totalmente à tensão entre o científico e o político, nem que se possa preencher o fosso entre ciência e moral, conhecimento e ética”54.

Encontramos com efeito na obra de P.-A. Taguieff três situações. Alguns textos pertencem somente ao pesquisador, e são caracterizados pela erudição. É o caso em particular dos textos de história das ideias, por exemplo sobre o racismo em geral (Le racisme, 1997), o racismo francês (La couleur et le sang. Doctrines

racistes à la française, 1998), ou o antissemitismo (L´antisémitisme, 2015, na

coletânea que sais-je ?). É também o caso de textos filosóficos, como os importantes artigos sobre a identidade ou a teoria da argumentação, que encontraremos mais adiante nessa pesquisa. Um segundo grupo incluiria textos de intervenções no debate público que visam influenciá-lo. Podemos citar por exemplo

Résister au bougisme, uma defesa de uma renovação do progressismo (publicado

em 2002), e muitos artigos publicados na mídia. Enfim um terceiro grupo reuniria textos intermediários. Neles, o cientista e o político dialogam. A erudição deve tornar

54 « Avant-propos », Dictionnaire critique et historique du racisme. Paris: PUF, 2013, p. XXIII-XIV. As

famosas conferências de Max Weber, de 1917 e 1919, Wissenschaft als Beruf e Politik als Beruf, foram traduzidas por Julien Freund em francês por Le savant et le politique. Paris: 10/18, prefácio de Raymond Aron. Houve várias edições. A fórmula “projeto de influência” é de Régis Debray. Usou-a para caracterizar o intelectual no decorrer de um debate com a historiadora Michèle Riot-Sarcey e o filósofo Alain Finkielkraut (rencontres de Petrarque) organizadas por Le Monde e France-Culture, 11 de julho de 2016, debate acessível em http://www.franceculture.fr/emissions/les-rencontres-de- petrarque/debattre-30-ans-de-debats-qui-ont-marque-la-france).

mais convincente a palavra do intelectual engajado, e o engajamento deve dar um sentido à erudição. Pertence a este terceiro grupo a maioria dos textos de P.-A. Taguieff.

Segundo aspecto: P.-A. Taguieff é weberiano por seus interesses entre filosofia, história e ciências sociais. De um lado, compartilha com Max Weber a constatação dos efeitos empobrecedores da extensão da razão instrumental. Consagrou quatro importantes livros à ideia de progresso e ao progressismo, ao triunfo e ao declínio desta ideia, e a todos os tipos de antiprogressismo. A constatação da degradação da racionalidade em razão instrumental a serviço de objetivos irracionais fica no centro desta história. Também se interessou de perto pelas teorias do complô, outro tema weberiano de uma razão tornada irracional. Também a visão desabusada, e a luta contra o desespero e o pessimismo que a acompanha, não desemboca sobre nenhum gosto pela utopia. As críticas globais do ocidente liberal, democrático e capitalista, de origem marxista, ecologista ou tradicionalista, não o seduzem. Por isto suas recomendações são essencialmente reformistas e moderadas, seja sobre o racismo, a construção europeia ou a economia de mercado. Portanto, muitos temas weberianos se encontram em seu trabalho.

Terceiro aspecto: assim como Max Weber, não duvida que os valores dividem os homens e possam se tornar pretextos a guerras. Porque não há solução racional ou razoável às grandes questões políticas e éticas, não devemos ficar espantados quando valores se tornam origens de conflitos. Tradução imediata: contrariamente a muitos que descartaram por absurdas as teses de um “choque das civilizações”, P.-A. Taguieff admite que interpretações extremistas, radicais, intolerantes das religiões desembocam em violências e guerras. É naturalmente a questão das interpretações dos islamismos que está aqui em jogo, e que domina o debate público desde os atentados de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Foi decisivo no distanciamento entre ele e a esquerda antirracista, muitas vezes reticente em enfatizar os problemas decorrentes da existência dos islamismos.

Enfim, não há dúvida que seja weberiano por seus métodos de trabalho. O que o interessa é o conflito ideológico, isto é, a mobilização das ideias pelos homens, afim de conquistar o poder ou a fim de redefinir os limites do poder. Como estas ideias se apresentam como uma massa aparentemente considerável de argumentos e exemplos, o trabalho do historiador-filósofo consiste, prioritariamente, em esclarecer o que está em jogo no debate, através da elaboração de uma tipologia. O estilo Taguieff é a erudição mais a tipologia, ou seja, uma erudição que deve desembocar não sobre uma acumulação de dados mais ou menos relacionados, mas sobre uma visão organizada do conflito ideológico. A tipologia permite ver as grandes tendências ideológicas em conflito. Assim o fez para os racismos e os antirracismos, os antissemitismos, os populismos, as teorias do complô, os antiprogressismos. Às vezes esta tipologia implica a mobilização de um tipo ideal, segundo o modelo elaborado por Max Weber. Para que esta observação não se restrinja a uma generalidade, nós nos propomos a considerar uma noção que se tornou famosa no debate público, a de “nova judeofobia”. Pode ser considerada como um tipo ideal weberiano?

2. A “nova judeofobia” - um tipo ideal weberiano?

A noção de tipo ideal weberiano é notoriamente complexa55. Sabe-se que o

tipo ideal é um modelo concebido por um pesquisador para se extrair da infinita diversidade empírica. Existem milhares de cidades medievais, e milhares de organizações burocráticas, públicas e privadas. Mas o que é uma cidade medieval, uma burocracia? O tipo ideal combina “em pensamento”, na abstração do pensamento, várias dimensões que o cientista social julga fundamentais, inclusive, nos diz Max Weber, acentuando ou diminuindo o peso de cada dimensão – não se trata de média. Também o modelo deve ser dinâmico, e se inscrever, portanto, num

55 Consultamos com prioridade Jacques Coenen-Huther, « Le type idéal comme instrument de la

recherche sociologique », Revue française de sociologie 3/2003 (Vol. 44). Também utilizamos Julien Freund, Sociologie de Max Weber, Paris: PUF, 1966; Raymond Aron, Les Étapes de la pensée

sociologique, Paris: Gallimard, 1967; Philippe Raynaud, “Économie et société », in Dictionnaire des œuvres politiques, Paris: PUF, 2001.

contexto histórico em movimento. Se o modelo for pertinente, esclarece a realidade, sobretudo pelas divergências entre o modelo e esta realidade. A explicação das

divergências é o momento crucial que justifica o uso do tipo ideal.

No caso da “nova judeofobia”, P.-A. Taguieff usa de um procedimento retórico pouco usual56. Inventa uma citação, com as marcas normais da citação, as

aspas, e somente em nota precisa que não se trata de uma citação. O texto em nota diz “saliento que não se trata de uma citação, mas de uma reconstrução, por mim, de um raciocínio ordinário que nem sempre aparece sob esta forma desenvolvida e simplificada”. A citação diz: ” os judeus são todos sionistas mais ou menos escondidos; o sionismo é um colonialismo, um imperialismo e um racismo; portanto, os judeus são colonialistas, imperialistas e racistas, assumidos ou dissimulados”.

P.-A. Taguieff utiliza uma abordagem weberiana, já que define um modelo abstrato e simplificado de ódio aos judeus, que desta forma nunca aparece na realidade. Define abstratamente os elementos do ódio aos judeus na época contemporânea. São, portanto, quatro explícitos (“judeus” equivale a “sionismo”, sionismo equivale a colonialismo, a imperialismo, a racismo) e dois implícitos (o sionismo é o mal, os judeus são o mal). Depois, no decorrer do livro, irá interrogar o material empírico (textos, declarações, atos como uma passeata) em duas direções. De um lado, daria ao leitor elementos empíricos (exemplos) que parecem confirmar o modelo, do lado da literatura política árabe e/ou muçulmana; do outro, irá se interrogar sobre a virulência dos temas hostis ao Estado de Israel na esquerda radical francesa. Precisará juntar material empírico (citações) desta hostilidade, e depois propor uma explicação. Isto aparece no final na introdução, quando P.-A. Taguieff escreve que “uma das minhas hipóteses interpretativas é que as mais recentes metamorfoses da judeofobia respondem com uma eficácia notável à procura de sentido de todos os que, órfãos da “Revolução”, ainda pensam e se orientam no universo do mito revolucionário de tradição comunista (...)”.

56 Os debates em torno do livro La nouvelle judéophobie são o tema do capítulo IV. Aqui, somente

nos esforçamos em salientar a influência weberiana. Os trechos citados se encontram nas páginas 12 pelo modelo e sua explicitação, e 20 para a hipótese de um reinvestimento da energia revolucionária.

Tal abordagem irá suscitar numerosas críticas, e em particular seus adversários salientaram que, do lado da esquerda radical, os textos citados dificilmente podem ser caracterizados como antissemitas. Teremos a oportunidade de ver mais adiante, no capítulo IV, que eles possuem argumentos convincentes. Do lado de P.-A. Taguieff, a simples assimilação sionismo, imperialismo, racismo, colonialismo é muito suspeita. Por que demonizar um nacionalismo sem demonizar o nacionalismo – por que este nacionalismo precisamente? Do lado de seus adversários, podem observar que a afirmação central (sionismo igual a imperialismo, racismo, colonialismo) não implica necessariamente o que vem antes (judeu igual a sionismo) nem depois (judeu igual ao mal). As condições de um “diálogo de surdos” estão reunidas57.

3. Um autorretrato escondido

P.-A. Taguieff escreveu sobre Julien Freund, o mais importante divulgador na França do pensamento weberiano após Raymond Aron, um pequeno livro que pode passar por um autorretrato disfarçado58. Com efeito, as homologias de

situação são várias entre J. Freund e P.-A. Taguieff. Mesma ruptura com a esquerda intelectual, mesmos adversários intelectuais, mesmas admirações, mesma opção pela província, a fim de estudar longe da superficialidade parisiense. A principal diferença intelectual (além das diferenças de gerações e meio familial) é que P.-A. Taguieff não compartilha a admiração de J. Freund por Carl Schmitt. A influência weberiana implica opções políticas singulares?

Talvez seja possivelmente responder positivamente, à condição de não exigir nem coerência absoluta, nem homogeneidade – existem pensadores de esquerda influenciados por (e admiradores de) Max Weber, por exemplo Michael Lowy59. Não

falamos de um corpo de doutrinas, e sim de um estilo, uma maneira de encarar as

57 Marc Angenot, Dialogues de sourds. Traité de rhétorique, Paris: Mille et Une Nuits, 2008. Tradução

brasileira.

58 Julien Freund. Au coeur du politique. Paris: La Table Ronde, 2008.

questões políticas, estilo compartilhado por Weber, Aron, Freund, Taguieff, para seguir uma ordem geracional. Destacamos três dimensões desta abordagem.

Primeiro, os “weberianos” – simplificando – distinguem moral, direito e política. Apresentam-se como “realistas”, como pensadores desagradáveis [déplaisants], antiutópicos, com um discurso que diria a verdade do político, contra os sonhos e as falácias de seus adversários, que, em nome do Bem, correm o risco de precipitar a comunidade política na guerra civil ou no totalitarismo. P.-A. Taguieff comenta: “a lucidez que se proíbe de enfeitar a dura realidade sempre parece antipática aos que querem sonhar os olhos abertos”60. Claro, esta apresentação

pode ser interrogada – em qual sentido podemos dizer de um autor antitotalitário que separa o político da moral? A resposta é que distinguir não é opor. Uma coisa é desconfiar das utilizações da moral com fins políticos, outra é opor moral e política61.

Segundo, os weberianos, porque não gostam de se iludir, desconfiam das grandes abstrações. Pensar a política será antes de tudo adotar uma atitude compreensiva, afim de entender o homem político, particularmente suas dúvidas, e seus dilemas, entre ética de convicções e ética de responsabilidade (tema das duas famosas conferências de M. Weber, traduzidas em francês por J. Freund, com um prefácio de R. Aron). Esta perspectiva desconfia a priori das filosofias da história, para quem o homem político é o agente de um movimento histórico que o ultrapassa, inclusive o progressismo.

Enfim, os weberianos juntam duas ideias que constituem para eles o essencial: a liberdade e a comunidade política. De um lado, “o objetivo do político é o bem da coletividade política, o que a tradição designa como o bem comum, que realiza a concórdia interior e a segurança exterior”62; do outro, sua razão é de

“defender de um homem livre sua liberdade e o próprio princípio desta liberdade”63.

60 Julien Freund, op. cit., p. 141.

61 Esta observação, feita a propósito de Raymond Aron, é do filósofo Philippe Raynaud. Programa

« Aron, penseur de la démocratie et du totalitarisme » de Brice Couturier, France-Culture, primeira difusão em 19 de julho de 2016.

62 Julien Freund, op. cit., p. 34. 63 Julien Freund, op. cit., p. 93.

As desigualdades sociais não ficam no centro de seus interesses. Não que defendam per se a “ordem social”, os interesses dos privilegiados. Mas defendem a comunidade e a liberdade. A stasis é malvista por eles. Suspeitam que sempre haverá um demagogo ou demagogos para liderar um movimento que desembocará na tirania. Sempre houve espíritos esclarecidos na esquerda para ler com atenção suas advertências.

Estas linhas datam de 2008, quando P.-A. Taguieff já tinha rompido com a esquerda. Poderia tê-las escrito antes, nos anos 1980? De uma certa forma, não é impossível. Em torno de maio de 1968, recusou-se a aderir a um dos grupos de extrema-esquerda representados na faculdade de Nanterre. Tentou (e não conseguiu) ser admitido pelos situacionistas, isto é, uma corrente esquerdista crítica de várias ilusões esquerdistas. Mas era sem dúvida um estudante de esquerda, que participou feliz do movimento, como recebeu com felicidade a eleição de François Mitterrand à presidência em 198164. Todos seus engajamentos dos anos 1980, por

exemplo em círculos próximos do Partido Socialista, em organizações antirracistas como o MRAP ou SOS-Racisme, ao menos até o meio da década, testemunham que P.-A. Taguieff foi um homem de esquerda. Também o indicam seus escritos e suas amizades. Ninguém nasce weberiano.

Não obstante, nada é simples, e desde já vale a pena não se precipitar para caracterizar P.-A. Taguieff como um intelectual que se tornou “conservador” ou “reacionário”. Résister au bougisme propõe uma crítica social sólida e argumentada do mundo levado por uma economia de mercado exuberante, e produtora de um mundo sem ação política possível. Julien Freund acaba com uma homenagem prestada à laicidade à francesa, que teria classificado o autor na esquerda em 1900.