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Como determinar a carga a ser usada nos treinos?

No documento Bases Cientificas Do Treinament - Paulo Gentil (páginas 162-165)

Considerações práticas

6.2 Como determinar a carga a ser usada nos treinos?

É comum vermos programas de treinamento relacionando determinados percentuais de carga máxima com margens de repetições, em uma relação considerada ideal para produzir hipertrofia. Normalmente a sugestão é se realizar 8 a 12 repetições com 70-80% da carga máxima (Baechle & Groves, 2000), inclusive há a sugestão que não se obteria resultados com menos de 66% da força usada em uma contração máxima (McDonagh & Davies, 1984). No entanto, treinos com apenas 20 a 50% de 1RM podem ser tão eficientes quanto treinos com 80% quando o objetivo é ganhar força e massa muscular (Takarada et al., 2000; Karabulut

et al., 2010) e até mesmo caminhadas a 3 km/h podem induzir hipertrofia em jovens saudáveis (Abe et al.,

2006). Desta forma, não existe algo como uma carga ideal para se promover hipertrofia, mas sim uma situação favorável, na qual a carga é associada ao método.

As combinações rígidas entre percentuais de carga e margens de repetições e a necessidade de se estabelecer percentuais da carga máxima tem logrado aos valores de uma repetição máxima um papel fundamental na prescrição de treinos de hipertrofia. No entanto, devemos ser realistas quanto aos aspectos que envolvem a determinação de 1RM (seja diretamente, seja através de equação de predição) e sua real aplicabilidade.

Em 1990, Hoeger et al (1990) conduziram um estudo para verificar a quantidade de repetições que se conseguiria realizar com 40%, 60% e 80% de 1RM em sete exercícios: flexão de cotovelos, extensão de joelhos, supino, flexão de tronco, flexão de joelhos, puxada, leg press. A amostra foi dividida em 4 grupos: mulheres não-treinadas (n = 40), mulheres treinadas (n = 26), homens não-treinados (n = 38), homens treinados (n = 25). Os testes, com as diferentes cargas, foram realizados de forma randômica e separados, no mínimo, por uma semana de intervalo, para evitar os efeitos da fadiga e treinabilidade. Os resultados (arredondados para o número inteiro mais próximo) estão representados na Tabela 6.2:

Homens Mulheres Exercícios Treinados Não-

treinados Treinadas Não- treinadas 40% 60% 80% 40% 60% 80% 40% 60% 80% 40% 60% 80% Leg press 78 46 19 80 34 15 146 57 22 84 38 12 Flex. de joelhos 24 15 7 19 11 6 23 12 5 16 11 6 Ext. de joelho 33 18 12 23 15 9 29 17 9 19 13 8 Supino 39 23 12 35 20 10 * 28 10 * 20 10 Puxada 43 24 12 41 20 10 81 25 10 46 24 10 Rosca bíceps 35 21 11 24 15 8 33 16 7 25 14 6 Flex. de tronco 27 15 7 21 15 8 36 20 12 20 13 7

Tabela 6.2: variação na quantidade de repetições executadas em diferentes percentuais de carga máxima. (Dados obtidos no estudo de HOEGER et al., 1990). *dados não coletados devido à limitações do equipamento

Observando esses resultados e outras informações disponíveis, vemos que a utilização do teste de 1RM para prescrições de séries de musculação (visando hipertrofia, força ou qualquer outro resultado) possui diversas limitações, dentre as quais podemos destacar:

- Variações ao longo do tempo

A força é uma manifestação de um sistema dinâmico não linear. Isto significa que ela não tem valores estáticos totalmente previsíveis, podendo ser afetada por incontáveis situações, desde o estado psicológico até a hora do dia. Obviamente há uma “janela de previsibilidade”, mas não podemos prever precisamente como ela se comportará. Isto significa que sua 1RM hoje, pode não ser a mesma que seria amanhã ou foi

ontem, ou mesmo se você realizasse o teste daqui a duas horas. Neste sentido, Tan (1999) relata que podem ocorrer variações de 10 a 20% nos níveis de força ao longo de um mesmo dia.

Além disso, a ordem dos exercícios pode influenciar a capacidade de gerar força, por exemplo, os exercícios realizados ao final da série terão seu desempenho prejudicado pois a fadiga induzida pelos exercícios prévios diminuirá a carga e/ou a quantidade de repetições realizadas (Sforzo & Touey, 1996; Simao et al., 2005; Gentil et al., 2007). Dessa forma, a estimativa da quantidade de repetições que se realiza com uma carga será diferente, dependendo da situação.

- Variações entre grupamentos musculares.

A massa muscular envolvida no exercício pode ter influência direta no número de repetições realizadas com uma determinada porcentagem de 1RM, pois grupamentos musculares menores provavelmente oferecem maior obstrução ao fluxo sanguíneo, facilitando a fadiga, além disso, movimentos multiarticulares podem retardar a queda na performance por promover maior alternância entre mais unidades motoras, inclusive de outros grupamentos musculares (Augustsson et al., 2003; Gentil et al., 2007).

Ao utilizar 40% da carga máxima, por exemplo, homens treinados conseguiram realizar uma média de 77 repetições de leg press, mas apenas 24 de flexão de joelhos (Hoeger et al., 1990).

Outro exemplo pode ser dado com 80% de 1RM, com esta carga, mulheres treinadas conseguem realizar 22 repetições de leg press, no entanto, a média de flexão de joelhos fica em 5 repetições (Hoeger et

al., 1990). Se fossemos levar em conta os resultados do estudo de Campos et al (2002), onde repetições entre

20 a 28 não resultaram em hipertrofia, veríamos que 80% de 1RM no leg press não seria uma carga adequada para um treino tradicional que objetive o ganho de massa muscular. Além disso, se a relação de 12 repetições para 80% da carga fosse seguida, o treino de leg press ficaria exageradamente leve, enquanto, o treino de flexão de joelhos seria impossível de realizar.

- Variação entre gêneros

Ao usar os mesmos 40% da carga máxima no leg press as mulheres treinadas realizaram uma média de 146 repetições, o que significa quase o dobro da média para homens treinados, que foi 80 repetições. Na rosca direta, as mulheres treinadas faziam, em média, 6 repetições com 80% de 1RM, enquanto os homens chegaram à média de 11 (Hoeger et al., 1990). Será que uma mulher e um homem teriam os mesmos resultados ao treinar com uma mesma porcentagem de 1RM?

- Nível e especificidade de treinamento.

Fleck & Kraemer (2004) citam um estudo feito com leg press onde atletas de potência foram capazes de realizar 22 repetições com 80% de 1RM, enquanto o grupo controle teve o resultado médio de 12 repetições, o estudo de Hoeger et al. (1990) mostrou estes mesmos valores para mulheres treinadas e destreinadas, respectivamente.

Além disso, a quantidade de repetições que se consegue realizar com um determinado percentual de 1RM é diretamente influenciada pelas características específicas do treinamento. Quando se compara fisiculturistas e levantadores de peso, por exemplo, é comum verificar que os levantadores de peso obtêm melhores resultados para testes de 1RM, no entanto, nos testes com repetições mais elevadas (por exemplo, 10RM) os fisiculturistas habitualmente alcançam melhores resultados. Isto provavelmente é resultado da especificidade do treinamento, pois enquanto os levantadores de peso treinam com repetições baixas (< 5) e descansos longos (> 5 minutos), os fisiculturistas treinam habitualmente com repetições mais altas (> 10) e descansos curtos entre as séries (< 1 minuto), fazendo com que os últimos sejam mais expostos ao acúmulo de metabólitos e, como adaptação, possuam maior atividade de determinadas enzimas do metabolismo aeróbio e anaeróbio, em comparação com os demais atletas de força e potência (Tesch et al., 1989).

Neste sentido, Sale et al (1990) verificaram que o treinamento de força combinado com treino intervalado produzia aumentos superiores na capacidade relativa de endurance (quantidade de repetições para 80% de 1RM) e na atividade da enzima citrato sintase, em comparação com o treino de força feito isoladamente, apesar de não haver diferenças significativas nos ganhos de 1RM entre os grupos. No estudo de

Campos et al. (2002) os grupos treinaram com três diferentes margens de repetições (3-5, 9-11 e 20-28 RM) sendo que, ao final do estudo, o grupo que treinou com 3-5RM obteve os maiores ganhos de força. No entanto, a avaliação da quantidade de repetições que se consegue realizar com 60% da carga máxima revelou que o grupo que treinou com 20-28RM obteve melhoras no resultado, enquanto o grupo que treinou com 9- 11RM não alterou o desempenho e o grupo que treinou com 3-5RM passou a realizar menos repetições do que antes. Ou seja, um treino levou ao aumento da carga de 1RM, enquanto outro levou ao aumento da quantidade de repetições realizadas com 60% de 1RM. Dessa forma, pode-se ver claramente que a quantidade de repetições que se realiza com um determinado percentual de 1RM não é rígida e pode sofrer grande variação com o tempo.

Sendo assim, não se pode assumir que um determinado número de repetições seja associado a uma determinada porcentagem de 1RM, assim como não se pode generalizar testes de predição de 1RM entre indivíduos ou entre exercícios, o que inviabiliza a utilização dos valores de 1RM como referência para prescrição de exercícios.

Utilizar testes de uma repetição máxima ou uma das dezenas de fórmulas criadas para predizer seu resultado pode ser interessante para algumas situações, mas não para prescrever treinos no dia a dia. Dentro da academia seria mais prático e útil utilizar-se de margens de repetições. Por exemplo, ao invés de prescrever 10 repetições usando 80% da carga máxima pode-se simplesmente orientar para que se execute 10 repetições de modo a não conseguir realizar a décima primeira, uma tendência que já vem sendo seguida na maioria dos estudos científicos atuais e reforçada por alguns autores (Tan; Fleck & Kraemer, 2004; Bottaro et al., 2009; Gentil & Bottaro, 2010; Gentil et al., 2010; Bottaro et al., 2011). Esta orientação será especialmente útil diante da utilização de métodos intensivos, como os propostos na seção 4-3.

No documento Bases Cientificas Do Treinament - Paulo Gentil (páginas 162-165)