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Qual o intervalo a ser dado entre as sessões de treinos?

No documento Bases Cientificas Do Treinament - Paulo Gentil (páginas 166-170)

Considerações práticas

6.4 Qual o intervalo a ser dado entre as sessões de treinos?

A interação entre o estímulo e a recuperação é base do fenômeno da supercompensação (Issurin, 2010), conforme pode ser visto na figura 15. Durante uma sessão de treino, ocorrerão alterações no sistema neuromuscular com a instauração da fadiga e ocorrência de microlesões, desse modo, o período que segue uma sessão de treino é um período de catabolismo e perdas funcionais (fase de fadiga). Nos dias seguintes ao treino, o músculo recupera sua capacidade de trabalho, com recuperação do sistema contrátil e restauração dos tecidos lesionados (fase de recuperação) e há, posteriormente, uma tendência a superar os níveis anteriores, deixando um pequeno saldo positivo (fase de supercompensação). Em longo prazo a soma desses pequenos saldos positivos levaria a um aumento mensurável da força e massa muscular (Yarasheski, 2003). Desse modo, o ideal seria que o treino fosse repetido quando o organismo estivesse na fase de supercompensação, pois a repetição muito precipitada (fase de fadiga e recuperação) somaria estímulos catabólicos e a repetição tardia (fase de retorno aos valores inicias) faria com que se perdesse o período de supercompensação.

Figura 15: fases de recuperação (adaptado de Issurin, 2010)

Existem diversos estudos comparando os efeitos de diferentes frequências de treino, no entanto, a maioria analisou ganhos de força e os resultados ainda são controversos. Desse modo, a análise desses trabalhos anteriores é delicada por não abordarem a questão da hipertrofia e por não haver clareza na forma como as sessões foram controladas, especialmente no tocante à intensidade e ao volume semanal de treino.

Muitos treinadores sugeriam determinados intervalos com base na recuperação das reservas de glicogênio e acabam propondo intervalos de cerca de 72 horas entre as sessões. Entretanto, ao analisar os diversos fatores intervenientes na adaptação morfológica da fibra muscular e as alterações metabólicas promovidas pelo treino de hipertrofia, fica claro que a recuperação de tais reservas é um fator muito limitado para ser usado como referência no cálculo do intervalo entre as sessões de treinamento.

É importante ressaltar que o balanço proteico é o pilar do processo de hipertrofia, portanto, a curto ou longo prazo, deve ocorrer aumento no conteúdo de proteínas musculares, quer seja pela diminuição do catabolismo, quer seja pelo aumento do anabolismo, ou ambos. Como os processos que levam ao aumento crônico da síntese proteica podem ser inferidos a partir de todos os fatores e estímulos citados anteriormente (seção 3.1), seria desnecessário explicitá-los novamente aqui. Deste modo nos ateremos somente a algumas informações práticas objetivas para ilustrar o tema.

Essencialmente, o que vai determinar o intervalo entre as sessões de treino é a sua conseqüência fisiológica, a qual vai depender basicamente de dois fatores: condição inicial do aluno e características do treino:

Condição inicial do aluno

Com a repetição do mesmo tipo de estímulo, a recuperação torna-se mais rápida (Clarkson & Hubal, 2002; McHugh, 2003). Desta forma, o intervalo entre os treinos será menor nos casos em que se usa a mesma metodologia há muito tempo. Nesse sentido, estudos anteriores, verificaram que a aplicação de estímulos similares em pessoas treinadas e não treinadas induz uma maior quantidade de microlesões e demanda um maior tempo de recuperação em pessoas não treinadas (Gibala et al., 1995; Dolezal et al., 2000; Gibala et

al., 2000; Hackney et al., 2008). No entanto, mesmo que o indivíduo seja experiente em treinamento de força,

deve-se levar em conta sua vivência no estímulo oferecido, tendo em vista a especificidade das adaptações de cada tipo de treinamento (Nosaka & Newton, 2002).

Características do treino

Em vários estudos, os picos de síntese proteica são detectados em curto prazo, voltando aos valores normais em cerca de 48 horas (Chesley et al., 1992; MacDougall et al., 1995; Tipton et al., 1999; Burd et al., 2012b) o que pode sugerir a realização de um treino a cada 3 dias. No entanto, dependendo do tipo de estímulo, podem ser necessários vários dias para que os músculos se recuperem de microlesões (Flores et

al., 2011). Havendo assim, necessidade de se adequar o intervalo entre as sessões de acordo com as

consequências fisiológicas do treino.

Desta forma, treinos que não produzam uma quantidade significativa de lesões teciduais, provavelmente têm nos aumentos agudos da síntese proteica seu principal mecanismo de hipertrofia, portanto, eles podem ser repetidos após um lapso de tempo menor (2 a 3 dias, por exemplo). Em regra, esses treinos seriam os realizados por iniciantes e pessoas em fase de adaptação, mas também são vistos em protocolos que usaram oclusão vascular, por exemplo (Abe et al., 2006).

No entanto, é importante destacar que treinos que gerem altos índices de microlesões, dependem de mecanismos mais “lentos” para promover hipertrofia, tendo uma menor resposta de síntese proteica em curto prazo (Farrell et al., 1998). Nesse caso, há uma primeira fase da recuperação que tem uma característica mais catabólica do que anabólica (Lowe et al., 1995; Ingalls et al., 2004), o que pode estar associado com as características dos macrófagos que migram para a região. Em um experimento de Tidball & Wehling-Henricks (2007) foi verificado que a primeira onda de macrófagos a migrar para o local da lesão está mais associada ao processo de fagocitose, sendo que no experimento essa ação teve seu pico no segundo dia. A segunda onda macrófagos, que teria as características regenerativas, só se tornaria evidente após o quarto dia. Portanto, a realização de treinos muito frequentes poderá fazer com que haja sobreposição dos estímulos catabólicos, sem deixar espaço para que a regeneração efetivamente ocorra. Isso foi comprovado em modelos animais, nos quais a utilização de treinos frequentes levou à ativação de sinalizadores inflamatórios com supressão da resposta anabólica (Coffey et al., 2007).

Portanto, deve-se ter muita cautela ao usar intervalos curtos em treinos intensos. Estudos envolvendo ações excêntricas e concêntricas tradicionais, como as realizadas na sala de musculação mostram que pessoas não treinadas ainda estão longe de recuperar suas fibras musculares 48 horas após o treino envolvendo oito séries para um mesmo grupamento muscular (Gibala et al., 1995; Flores et al., 2011). Em um estudo conduzido pelo nosso grupo, homens e mulheres fisicamente ativos realizaram um treino tradicional com oito séries direcionadas para os flexores de cotovelo e foram avaliados diariamente nos quatro dias posteriores ao treino. De acordo com os resultados, tanto em homens quanto em mulheres os músculos ainda não haviam se recuperado completamente após as 96 horas (Flores et al., 2011).

Lembrando que o tempo necessário para recuperação é proporcional à intensidade do treino, especialmente do componente excêntrico. Indivíduos não treinados ainda mostram sinais evidentes de microlesões no quinto dia após uma sessão de treino excêntrico, recuperando somente cerca de 80% de sua capacidade de gerar força nesse meio tempo (Nosaka & Sakamoto, 2001); há casos em que mesmo após oito dias, a força voluntária não está totalmente recuperada, equivalendo a cerca de 90% dos valores normais

(Sayers & Clarkson, 2001). De fato, quando o treino produzir altos índices de microlesões, há situações em que só será possível realizar uma nova sessão após 10 dias, tendo em vista que um treinamento similar neste meio tempo pode prejudicar a capacidade de recuperação do músculo (Kraemer et al., 1999; Sayers et al., 2000; Folland et al., 2001; Sayers & Clarkson, 2001).

Nos níveis avançados a recuperação mais rápida acaba sendo contrabalanceada com a maior capacidade de intensificar o treino, desse modo, acaba sendo necessário que se mantenha um intervalo relativamente longo para que haja supercompensação. Por exemplo, em um estudo conduzido por Ahtiainen et al. (2011) homens treinados (média de 6 anos de experiência) realizaram 9 séries para membros inferiores e só sentiram aptos a repetir o treino após 6 dias.

O cálculo do intervalo de recuperação entre os treinos é um dos maiores desafios encontrados por treinadores e atletas, no entanto, a análise das práticas atuais traz a inevitável conclusão de que se costuma usar intervalos muito curtos, impossibilitando a recuperação adequada dos músculos. Sabendo que treinos de intensidade moderada a alta necessitam de longos intervalos, conclui-se que a abordagem tradicional de se treinar o mesmo grupamento muscular duas vezes por semana em alunos avançados é inadequada, por não proporcionar o tempo necessário para recuperação das proteínas musculares. Deve-se ter em mente que a supercompensação ocorre após a recuperação. O treino em si é um estímulo catabólico, pois durante o treino há depleção das reservas energéticas e destruição das proteínas musculares. O anabolismo ocorrerá após o treino. Dessa forma, se houver muito treino e pouco descanso a relação anabolismo:catabolismo ficará desequilibrada.

Deve-se lembrar ainda que a percepção subjetiva da dor não é um critério confiável para controlar a recuperação do músculo, tendo em vista que a sensibilidade pode voltar aos valores normais muitos dias antes de se recuperar a capacidade funcional, pois a percepção de dor é mais relacionada temporalmente às respostas inflamatórias, e não necessariamente às lesões estruturais (Enoka, 1996). Em um estudo de Sayers et al (2000), por exemplo, a percepção de dor retornou aos valores normais no quarto dia após o treinamento excêntrico, entretanto, no oitavo dia a força máxima isométrica ainda era equivalente a apenas 90% dos valores normais. Portanto, o treinador deve tomar cuidado ao utilizar parâmetros meramente subjetivos para avaliar a necessidade de intervalo entre as sessões de treino.

Unindo os achados científicos com a prática, temos verificado que treinos de iniciantes podem ser repetidos a cada 2 a 4 dias e treinos de intermediários a cada 3 a 5 dias. Já os treinos de alunos avançados normalmente deverão ser repetidos a cada 4 a 10 dias, sendo que por questões práticas se têm adotado com sucesso o treinamento a cada 7 dias. Caso haja impossibilidade de se dar intervalos longos por questões administrativas da academia ou motivacionais do aluno, deve-se promover ajustes na intensidade para adaptá-lo ao descanso reduzido. Por exemplo, se um aluno avançado treinará o mesmo grupamento muscular a cada quatro dias, será necessário reduzir a utilização de métodos intensivos e até mesmo de séries máximas. Uma outra solução, seria alternar treinos "fortes", (treinos máximos, métodos intensivos, elevado componente excêntrico...) e treinos "fracos" (treinos submáximos, sem ênfase no componentes excêntrico...).

Casos à parte também devem ser analisados separadamente, como nas diferenças entre gêneros e idades. Idosos possuem decréscimo significativo na atividade de células satélites e na capacidade de se regenerar após microlesões (Toft et al., 2002), sem possuir queda tão elevada nas respostas agudas da síntese proteica. Assim, pode ser que treinos que não induzam muitas microlesões sejam uma boa opção para este grupo. Mulheres também poderiam se beneficiar da predominância de métodos metabólicos que produzem menos lesões, pelo fato de normalmente suportarem melhor a dor provocada pela acidose e terem baixas concentrações de testosterona, hormônio ligado à ativação de células satélites e, consequentemente, à regeneração tecidual (Joubert & Tobin, 1989; Joubert et al., 1994; Joubert & Tobin, 1995). Mas isto não significa que devemos usar somente uma abordagem para determinados grupos, e sim que podemos priorizar um tipo de estímulo.

Exemplos de divisão de treinos para alunos avançados Frequência de três vezes por semana

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado

Treinos A B C

A - membros inferiores; B - cadeia peito/ombro/trícpes, C - cadeia costas/bíceps

Esse modelo de treino necessita de uma intensidade elevada tendo em vista que o descanso é longo. Normalmente são realizadas 6 a 8 séries totais em cada treino.

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Semana 1 A B A Semana 2 B A B

A - membros inferiores; B - parte superior do corpo

Como o descanso é mais curto, o volume é reduzido para 3 a 4 séries para cada grupamento por sessão de treino.

Frequência de quatro vezes por semana

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado

Treinos A B A B

A - membros inferiores; B - parte superior do corpo

Recomendação de 3 séries por grupamento em cada sessão. Esse modelo é mais usado com alunos intermediários, pois temos verificado que quando se treina em intensidade elevadas, especialmente em treinos tensionais, o intervalo de recuperação é insuficiente e sinais de overtraining começam a aparecer após aproximadamente 4 semanas.

Frequência de cinco vezes por semana

Segunda Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Semana 1 A B C A B Semana 2 C A B C A Semana 3 B C A B C

A - membros inferiores; B - cadeia peito/ombro/tríceps, C - cadeia costas/bíceps

Esse modelo pode ser adotado com diferentes perspectivas. Uma delas é usar volumes baixos, com 3 a 4 séries por grupamento muscular. Outra é deixar o volume subir um pouco mais (até 6 séries) e trabalhar com alternância entre treinos fracos e fortes. Nesse caso, seria possível usar as segundas e terças para realizar os treinos mais intensos e quintas, sextas e sábados para treinos de menor intensidade.

No documento Bases Cientificas Do Treinament - Paulo Gentil (páginas 166-170)