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Como foi pensado e trabalhado o curso de extensão: a Pesquisa Oficina

3. MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS DISPONÍVEIS: FUNDAMENTAÇÃO

4.1. Como foi pensado e trabalhado o curso de extensão: a Pesquisa Oficina

Quando o curso de extensão, intitulado “Atelier de Práticas Educativas: o que se aprende com um desfile de moda afro?” foi pensado, imaginamos um ambiente diferente dos laboratórios de costura tradicionais. O que vinha à nossa mente era um espaço alegre, cheio de cores, simples, o mais barato possível. Pensamos também em um local em que esses discentes pudessem ser estimulados em todos os sentidos, um lugar em que cada pedacinho remetesse à nossa ancestralidade, por isso a escolha do Memorial Esperança Garcia, um espaço que tem na sua história passagens por uma antiga fazenda colonial, depois uma escola que levava o nome de Domingos Jorge Velho, um dizimador de africanos escravizados e índios, que, depois de muita luta, se transforma em Memorial Zumbi dos Palmares e, em 2017, depois de uma reforma, passa a se chamar Memorial Esperança Garcia, uma escravizada já nascida no Piauí que, em 1770, faz uma carta petição, reclamando dos maus tratos sofridos por ela, seus filhos e companheiros de lida. Em virtude de tal carta, ela é considerada a primeira advogada do Piauí, recebendo tal título em 2017, do Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, a pedido da Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB-PI (GUMIERI, 2017).

No curso de extensão pensado, submetido à apreciação do IFPI/CTZS, enxergamos na forma de trabalhá-lo uma metodologia diferenciada, que intitulamos, por uma questão de organização do trabalho e de forma metafórica, de Metodologia Oficina. Nossa preocupação com o desenvolvimento de tal metodologia, naquele momento, ocupava nossa mente, pois estávamos apostando em um trabalho diferenciado. Ela estava assim estabelecida:

1. ESTÉTICA DO ESPAÇO – O impacto do ambiente e a proteção do corpo- costurador;

2. PALETA DE CORES – do fio singelo à "capulana" com cores "puras";

3. AS COSTURAS – prática educativa do fazer aos afetos da passarela com corpos- desfilantes;

4. EM VOLTA DA MESA – rodas de conversa com aberturas de corpos-narradores;

5. O BANQUETE DE "L’HO" – entre milhos, paçocas e feijões na costura dos santos com os corpos-celebrantes (gênero, raça e classe no trabalho).

O que pretendíamos dizer com cada item dessa metodologia? O que estávamos denominando de estética do local, de paleta de cores, de costuras, em volta da mesa e banquete de l’ho?

1. ESTÉTICA DO ESPAÇO – o impacto do ambiente e a proteção do corpo- costurador: Nesse momento da costura (projeto de extensão) fizemos uma preparação ambiental do espaço de forma acolhedora e diferenciada esteticamente para receber as/os partícipes. Aproveitamos também para apresentar os materiais (kits) escolhidos e confeccionados para cada uma/um poder trabalhar. Pensamos também na proteção e na higiene dos corpos-

costuradores.

2. PALETA DE CORES – do fio singelo à "capulana" com cores "puras":

Neste tópico, desenvolvemos o planejamento de cada design das peças. O tecido oferecido para os/as partícipes era tecido de saco branco, o que limitava bastante a idealização dessas roupas, pois elas/eles teriam que tingir, pintar, bordar, usar serigrafia, pois nem a sublimação, uma técnica de estamparia muito usada na atualidade, elas/eles poderiam usar, pois tal técnica só é possível em tecidos sintéticos. Daí a expressão do fio singelo à “capulana” com cores “puras”. Tecido de saco é feito com fio singelo, ou seja, é feito com fio não torcido. Já a capulana, patrimônio cultural moçambicano, é um pedaço de tecido retangular, muito colorido, no qual são utilizadas diversas estampas, e é fabricado de diversos tecido e em diferentes dimensões. As capulanas lembram as famosas cangas brasileiras (BELÉM, 2016). Sair do fio singelo e chegar à capulana foi transformar aqueles tecidos de saco branco em tecidos tão atraentes quanto as capulanas, usando cores puras, ou cores primárias, aquelas que não podem se decompor em outras cores.

3. AS COSTURAS – prática educativa do fazer aos afetos da passarela com corpos- desfilantes: Essa parte do projeto de extensão foi desenvolvida com a preparação de modelagens diferenciadas para cada pessoa que desfilou, a costura detalhada de cada peça, bem como a preparação de toda a performance do desfile na passarela, onde esses corpos-desfilantes passaram. Cumpre aqui ressaltar que a nossa opção foi por um desfile em que os corpos- desfilantes eram pessoas comuns e não manequins preparadas para o mundo da moda europeizada. Brilharam na passarela

afrodescendentes, brancos, gordos, magros, cadeirantes, pessoa com síndrome de Dawn, pessoas de todos os gêneros e idades.

4. 4. EM VOLTA DA MESA – rodas de conversa com aberturas de corpos- narradores: Essas Rodas de Conversa, que se iniciaram com elementos disparadores desenvolvidos em volta da mesa, trouxeram narrativas sobre o que cada corpo- costurador pensa sobre África, africanidades, afrodescendência e Moda Afro. Foram momentos em que alguns desses corpos buscaram, em suas memórias, passagens de suas vidas, e as trouxeram para a discussão no grupo, passagens por situações até certo ponto impensáveis, e que são até corriqueiras, na vida de afrodescendentes nesse país tão castigado pelo racismo estrutural.

5. O BANQUETE DE "L’HO" – entre milhos, paçocas e feijões na costura dos santos com os corpos-celebrantes (gênero, raça e classe no trabalho): Os corpos-celebrantes são aqueles que, durante todo o processo, fizeram parte do projeto de extensão, e que compartilharam saberes e suas experiências. Assim, nas horas de lanche (intitulado por essa metodologia Banquete de L’ho) com comidas que nos remeteram a culturas afrodescendentes, existiu a preocupação de trazer para esses lanches as chamadas comida de santo. Foram bolos de fubá, pipocas, milho etc., comidas típicas da nossa culinária e que têm sua origem nos hábitos alimentares de nossos ancestrais, tão bem retratadas por Manoel Quirino5, na terceira parte de seu livro Costumes Africanos no Brasil. Nesses momentos, tivemos partilhas de conversas que instigaram falas sobre quem somos nesse processo de conhecimento. Discussões sobre raça, gênero e classe afloraram nesses diálogos.

5 Manuel Raimundo Querino nasceu no 28 de julho de 1851, em Santo Amaro, BA. A sua infância foi atribulada, como aliás toda a sua vida. A epidemia de 1855, em Santo Amaro, levara-lhe os pais. Foi confiado aos cuidados de um tutor, o professor Manoel Correia Garcia, que o iniciou nas primeiras letras. Dedicou muito de seu tempo e energia a estudos históricos, em particular à pesquisa e ao registro das contribuições dos Africanos ao crescimento do Brasil. Esses estudos tinham dois objetivos. Por um lado, ele queria mostrar a seus irmãos de cor a contribuição vital que deram ao Brasil; e por outro desejava lembrar aos Brasileiros da raça branca a dívida que tinham com a África e com os afro-brasileiros

Disponível em: https://www.geledes.org.br/manuel-querino/ Acesso em 20 de nov. de 2021.

Figura 7 – Mapa Conceitual do Projeto

Fonte: Produção da pesquisadora, 2021.

A partir desses movimentos do projeto de extensão, fizemos análises que serão descritas nos próximos capítulos. Cumpre aqui pontuar, mais uma vez, que todas as atividades do curso de extensão “Atelier de Práticas Educativas: o que se aprende com um desfile de moda afro?”, seguiram rigidamente o acima descrito. A Figura 7, acima, ilustra bem essa metodologia.