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5. ANÁLISE DA COSTURA

5.5. Análise dos nossos questionamentos

5.5.2. Racismo

Ainda falando do curso que as/os estimulou para que idealizassem a peça que iria à passarela, Calcador fala desse racismo velado que adoece as pessoas que passam por ele e quão difícil é, às vezes, reconhecê-lo. No tocante à saúde, a Organização Mundial de Saúde (OMS) concebe o racismo como um dos determinantes sociais do processo de adoecimento e morte.

cotidianas” (RIBEIRO, 2019, p. 7). Portanto, vamos arregaçar as mangas e aproveitar todas as oportunidades que se nos apresentem.

Extrato das narrativas de Linha Ele existe e é camuflado, passei a enxergar racismo onde antes eu não conseguia enxergar, e muito.

Ler, ouvir uma pequena frase como essa, traz um ânimo muito grande, nos enche de expectativa, nos faz entender que pequenas atitudes podem levar a grandes resultados, que nem tudo está perdido, que podemos e devemos esperançar, esperançar pondo em prática aquilo que podemos fazer, mesmo que sejam pequenas ações pois, como afirma Freire: “Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã.” (FREIRE, 1997, p. 4).

Extrato das narrativas de Barbante Causa dores, baixa autoestima, falta de coragem para buscar melhores oportunidades financeiras educativas entre outras, pois fica embutido na cabeça que o pouco já é muito.

Um dos autores que trabalha essa temática com muita propriedade e nitidez é Henrique Cunha Júnior, que nos conclama a pensar sobre as várias formas depreciativas pelas quais as/os afrodescendentes ou afro-brasileiras e afro-brasileiros são nomeadas/nomeados, formas pejorativas e discriminatórias que levam a essas dores, a essa baixa autoestima, e bloqueiam todas as forças e energias para lutar por um mundo melhor. Ele pontua:

Nós somos insultados em dizeres como “negros da senzala”, “lugar de negro é no tronco”, “fedido como negro escravo”, “lugar de negro é na senzala”,

“lugar de negro é na cozinha” e outros ditos racistas repetidos no cotidiano social e reafirmando como um processo de constante linchamento social e desqualificação da população negra (CUNHA JR, 2009, n. p.).

Esse processo de linchamento social nos abate, nos deixa vulneráveis ao ponto de achar que está correto, está bom, não se tem motivo para lutar, que o melhor é deixar como está.

Extrato das narrativas de Cordão Comecei a observar as expressões racistas que muitas pessoas ainda usam

como mulata, meia tigela, não sou tua negra, denegrir entre outras. O racismoadoece sim, adoece ao ponto de levar ao suicídio

Tais expressões são usadas, na maioria das vezes sem nenhuma análise do que é dito, sem nenhuma preocupação de se conhecer a origem da palavra, e o que ela realmente significa, sem perceber que elas podem representar um verdadeiro abuso, palavras escolhidas com a maior precisão com o intuito de desqualificar. Queiroz nos aponta:

Temos pesos, medidas e até um vocabulário diferente para nos referirmos ao

“nosso” e ao do “outro”, numa atitude que, mais do que autocondescendência, não passa de preconceito puro. Por exemplo, a nossa é religião, a do outro é seita; nós temos fervor religioso, eles são fanáticos; nós acreditamos em Deus (o nosso sempre em maiúscula), eles são fundamentalistas; nós temos hábitos, eles vícios; nós cometemos excessos compreensíveis, eles são um caso perdido; jogamos muito melhor, o adversário tem é sorte; e, finalmente, não temos preconceito, apenas opinião formada sobre as coisas (QUEIROZ, 2004, p. 6).

Nessa mesma cartilha, encontramos os significados pouco lisonjeiros das palavras acima citadas por Cordão. Não vamos repetir, pois já pontuamos, em outra parte do texto, quando falamos da nossa opção por usar, nesse trabalho, o termo afrodescendente.

Extrato das narrativas de Colchete Só o fato de pensar que uma pessoa pode sofrer algum preconceito apenas por conta de sua cor de pele já é o caso de causar alguma revolta, mesmo sabendo que somos todos da raça humana.

Gostaria de pontuar que a indignação de Colchete procede, pois há tempos lutamos por uma visão diferente. Em 1997, as professoras Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (UFSCar) e Lúcia Maria de Assunção Barbosa (UNB) conseguiram fazer um Seminário intitulado “O pensamento Negro”, na UFSCar, que culminou com a publicação de um livro com o mesmo título. Naquela época, já se viabilizava pegar o pensamento negro, as discussões sobre África e diáspora negra e colocar no lugar da marginalidade e da subalternidade que a essa camada da população era imposta (GOMES, 2020). Quase uma década e meia depois, ainda estamos melindrados com a forma como é tratada a população afrodescendente desse país. Que meios esse racismo encontra para se preservar? São formas cada vez mais sofisticadas que escapam de nossas mãos. É mesmo o caso de ficarmos desapontados.

Extrato das narrativas de Tesoura

Ainda há uma luta que não para, por não serem obedecidas as normas que amparam os negros, diferente com certeza. Sim, as vítimas adoecem e até morrem.

Tesoura toca num assunto muito significativo para o qual precisamos estar preparadas/preparados, pois precisamos nos fundamentar para que estejamos à altura para discuti-lo em qualquer lugar onde ele se apresente: o caso das conquistas que, por pequenas que sejam, é sempre uma afronta à branquitude, como é o caso das cotas. Trabalhamos com cotas em todas as nossas instâncias sociais, mas, quando se trata de cotas para população afrodescendente, é sempre motivo de retaliações e desrespeito às normas estabelecidas. Falando sobre ações afirmativas, Djamila Ribeiro afirma:

Embora as desigualdades nas oportunidades para negros e brancos ainda sejam enormes, políticas públicas mostraram que têm potencial transformador na área. O caso das cotas raciais é notável. Na época em que o debate sobre ações afirmativas estava acalorado, um dos principais argumentos contrários à implementação de cotas raciais nas universidades era “as pessoas negras vão roubar a minha vaga”. Por trás dessa frase está o fato de que pessoas brancas, por causa de seu privilégio histórico, viam as vagas em universidades públicas como suas por direito (RIBEIRO, 2019, p. 22).

Temos que ter consciência de que essas cotas são o mínimo que o estado pode fazer para ressarcir uma população alijada de seus direitos por mais de quatrocentos anos.

Extrato das narrativas de Máquina Galoneira É a ignorância de quem não quer se enxergar no outro, é um grito que precisa ser ouvido, debatido, questionado até exaustão para que deixe de existir definitivamente, no Brasil continua na mesma, entretanto conheci com mais profundidade essa luta constante por igualdade e sem preconceitos.

O que Máquina Galoneira afirma nos enche de esperança, ela/ele afirma que passou e ver/conhecer com mais profundidade essa luta contra o racismo e o preconceito existente em nossa sociedade. Ela/ele passa por um processo que denominamos de conscientização, palavra atribuída a Paulo Freire, mas que, segundo ele próprio, ele apenas se encarregou de difundir. É o processo de construção da consciência crítica, uma consciência que desvela a realidade, que nos libera para que enxerguemos as dimensões não nítidas resultantes dessa aproximação da realidade com o mundo (FREIRE, 1979). Ele pontua:

Quanto mais conscientização, mais se ‘desvela’ a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por essa mesma razão a conscientização não consiste em ‘estar frente a realidade’ assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação- reflexão (FREIRE, 1979, p. 15).

É esse ato de agir/refletir/agir, pois é durante o agir que precisa ser estimulado em nós docentes e nas/nos discentes para que se possa esperançar em ter mundo cada vez melhor.