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5. ANÁLISE DA COSTURA

5.1. Os cadernos memoriais das/dos discentes

Esses cadernos foram entregues desde o primeiro encontro para que as/os participantes nele anotassem o que elas/eles achassem pertinente. É um guia de como essas/esses participantes estavam absorvendo as informações passadas, as discussões em rodas de conversa, as orientações para pesquisa de cada uma/um que resultaria na inspiração para construção de cada peça. Vamos pontuar, como dito acima, apenas algumas observações que julgarmos pertinentes para o trabalho e que sejam representativos do pensamento do grupo.

Depois de pontuar como foi a primeira aula, de relatar sobre o impacto causado pela descrição de cada imagem estampada no pátio do Memorial Esperança Garcia, Bobina, se referindo ao segundo encontro, quando tivemos a colaboração da Professora Letícia Carolina da UFPI e do grupo de estudos Roda Griô, dispara: “A África é um continente enorme, cheio de curiosidades. Não é só bicho e pobreza” (Bobina, 20/07/2019).

Mais adiante, se referindo à visita feita a oficina de Hostyano Machado, se refere à semelhança do trabalho do artista com o trabalho de um designer de moda e descreve o que viu:

Extrato das narrativas de Bobina No seu sítio/oficina, está construindo uma torre medieval com um museu ou área para exposição logo atrás. Dentro da cúpula que vão colocar no topo da torre, ele está fazendo pinturas sobre coisas da nossa atualidade. Ele nos mostrou suas telas e cadernos de inspiração. Nesta aula/passeio pude perceber que o artista parte sempre de uma inspiração para realizar o seu trabalho. [...]

No caso do Sr. Hosteano ele vive arte, está nele, na pele, na cabeça, em todo o seu corpo. Sua oficina está dentro dele. Ele vive isso. Foi realmente um prazer imensurável ter imergido neste mundo tão peculiar. (Bobina, 24/08/2019).

De posse das colocações de Bobina, em se tratando de um trabalho sobre práticas educativas/moda/afrodescendência, impossível não pontuar a importância dessas atividades

para o processo de desenvolvimento da/do educanda/educando. Às vezes, uma aula visita como essa, vale muito mais que muitas aulas tradicionais.

Continuando nossas pontuações a respeito dos cadernos memorias dos alunos e alunas, deparamo-nos com o dito por Lápis, se referindo ao racismo que assola a nossa sociedade, esse racismo institucionalizado, pois se encontra arraigado em todas as nossas instituições. Como nos alerta Sílvio Almeida:

A tese central é que o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma, o que queremos explicitar é que o racismo é uma manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade que moldam a vida social contemporânea (ALMEIDA, 2019, p. 20-21).

Lápis, corroborando com o dito acima, nos afirma: “Apesar de hoje os negros não receberem mais as chicotadas dos senhores feudais, por outro lado, recebem marcas talvez até mais doloridas, e por incrível que pareça, marcas essas por meio de gestos, palavras, olhares”

(Lápis, 27/07/2019).

Ainda pontuando as consequências do racismo, Cola pontua, com base no que foi trabalhado em nossos encontros para tratar da temática:

Extrato das narrativas de Cola O preconceito racial persiste na sociedade brasileira, embora, muitas vezes camuflado. Os negros são hoje no Brasil, o grupo étnico-racial mais pobre e com menor nível de escolaridade. Também são os que mais morrem assassinados e são as maiores vítimas da violência policial. Temos pouco conhecimento sobre o assunto e isso é muito importante para nós alunos de Design de Moda, influi no nosso processo criativo, é fantástico falar de cultura e costumes. (Cola, 27/07/2019).

Em 2019, estávamos pagando dias de uma greve, só saímos de férias/recesso escolar no final de agosto, e ficamos o mês de setembro afastadas/afastados da sala de aula. Quando retornamos, foi dado continuidade ao trabalho de uma forma muito intensa, pois tínhamos apenas o mês de outubro e alguns dias de novembro para construirmos toda a coleção, mesmo assim tivemos a preocupação de não pularmos etapas. Foi feito tudo como é ensinado em um curso Superior em Tecnologia do Design de Moda – trabalhamos o perfil do consumidor, tema, painel de inspiração, exercícios como tempestade de ideias para estimular a criatividade, e outros materiais foram apresentados com o intuito de mexer com esse processo criativo. Linha,

depois de elogiar o espaço da oficina, de demonstrar o quanto se sentiu feliz em ser recebida nesse ambiente, pontua:

Extrato das narrativas de Linha A aula em que trabalhamos a tempestade de ideias foi maravilhosa, pensei que não poderia fazer nada, que não teria nenhuma inspiração. Ao contrário, saiu, mesmo sendo uma pequenina ideia, mas saiu. [...] Na minha peça foi maravilhoso aprender mais uma técnica de como emendar retalhos e obter uma estampa inusitada. Uma técnica conhecida por crazzy, que significa louco. Por fim, o dia do desfile. Foi tudo maravilhoso. Só elogios (Linha, 2019).

Uma outra participante, falando a respeito das aprendizagens especificas de moda, em um dia em que trabalhamos pela manhã e também à tarde, e as/os participantes almoçaram no local, uma Maria Isabel (comida típica do Piauí), só que, no caso, não de carne e sim de frango, a participante, depois de elogiar esse momento de congraçamento entre as/os partícipes, pontua:

“Almoço maravilhoso. Tivemos um tempo para conversarmos e as 13:00h. retornamos. A professora começou com a explicação da modelagem de um vestido sereia. Ficamos no laboratório onde a aula se estendeu por toda a tarde. Excelente!” (Tesoura, 2019).

Todas/todos as/os participantes eram nossas/nossos discentes do Curso Superior em Tecnologia do Design de Moda, mas, por incrível que pareça, a participação dessas/desses na sala de aula regular não é tão intensa como foi nesse curso de extensão, até o relacionamento entre elas/eles era em grupos maiores, boas gargalhadas, e não tinham nenhuma preocupação com o término das atividades. Muitas vezes passamos do horário sem que isso fosse motivo de reclamações, nem notavam que o horário já tinha expirado, e o mesmo acontecia com a coordenadora da classe.

Calcador se preocupou em pontuar o dia em que as modelagens foram analisadas, em que todas as medidas das pessoas foram conferidas, para só depois se proceder o corte. Ela/e afirma: “Um dos melhores momentos, gostei muito e tudo isso feito com a rigorosa orientação da professora” (Calcador, 19/10/2019). Ainda falando sobre modelagem, Máquina Reta pontua:

Extrato das narrativas de Máquina Reta É impressionante a metodologia aplicada no desenvolvimento da modelagem.

Sinto-me fascinada como alguns números e cálculos matemáticos são transformados em uma planificação da roupa. A modelagem é importante não somente por dar vida a uma peça do vestuário, mas também pelos conhecimentos que nos oferece, como exemplo, compreender sobre a anatomia do corpo humano. A modelagem é a matemática transformada em arte (Máquina Reta, 19/10/2019).

Agora, lendo mais de uma vez cada anotação feita nesses cadernos memoriais das/dos estudantes, sinto como foi significativo para elas/eles esse curso de extensão e como isso impactou positivamente na idealização das peças e na vida profissional de cada uma/um. Esse sentimento deve mover a vida profissional de professoras/professores e estudantes. Esse trabalho nos fez esperançar, pois esperançar não significa achar que você sozinho é capaz de tudo, mas ter consciência do valor de sua participação. Freire afirmava:

Não sou esperançoso por pura teimosia, mas por imperativo existencial histórico. Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atribuo minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, materiais, afirmando que minha esperança basta. Minha esperança é necessária, mas não é suficiente. Ela só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja, titubeia.

Precisamos da esperança crítica como o peixe necessita da água despoluída.

(FREIRE, 1987, p. 47)

Imbuídos desse esperançar, vamos fazer a análise das rodas de conversa e, a seguir, das inspirações que, transformadas em roupas, foram para passarela.