• Nenhum resultado encontrado

5. ANÁLISE DA COSTURA

5.5. Análise dos nossos questionamentos

5.5.1. Inspiração

As classes 2 e 6, juntas no dendrograma, tratam do processo desenvolvido para a inspiração da peça, e pontuam a importância do estudo da temática a ser utilizada na construção das peças. Nossas/nossos partícipes falam de como isso foi feito, do quanto não percebiam o racismo em nosso país, do desconhecimento da situação precária das/dos afrodescendentes brasileiras/brasileiros e pontuam a importância do curso de extensão. Vejamos algumas falas dessas/desses participantes:

Nos cinco primeiros encontros foi mostrado como seria a construção das peças e para tanto teríamos que estudar bem a temática expressando bem a temática na coleção foi muito construtivo poder mostrar a história em cada veste e assessórios tendo como inspiração símbolos africanos

A fala de Esquadro demonstra o quão ele/ela está consciente de que, na construção de um desfile de moda, a temática é o carro chefe, e que esta tem que ser estudada com profundidade para que as peças, ao chegarem à passarela, a retratem com fidedignidade. O tema de uma coleção de moda pode surgir de qualquer coisa, um problema social, um problema ambiental, a visão de algo belo e atrativo, cabe ao designer transformar esse elemento em algo inspirador (TREPTOW, 2013). No caso ora estudado, a cultura de nossas/nossos ancestrais africanas/africanos e a situação em que se encontram hoje no Brasil as/os afrodescendentes foi o mote.

Extrato das narrativas de Máquina Galoneira Sim porque é a partir desse entendimento que conseguimos desenvolver uma coleção sendo fiéis à cultura de quem as vai usar precisamos estudar muito antes de começarmos a construção de uma coleção.

Aqui, Galoneira toca numa problemática ainda pouco trabalhada por designers, estilistas, empresárias/empresários do mundo da moda – a nossa população. Somos orgulhosas/orgulhosos em dizer que o nosso país é pluriétnico, multicultural, temos uma população majoritariamente afrodescendente, e não pensamos como devíamos fazer roupas para essa população. Não estamos dizendo que não exista, existe, mas como afirma a desenhista industrial Maria do Carmo Paulino dos Santos, em matéria da revista Geledés: “A ‘mão negra’

está e sempre esteve presente na moda. Mas a história da moda brasileira é contada a partir do século 19, centralizada na Belle Époque, e com isso se serviu da cultura europeia” (QUINTO, 2020, n. p). São raras as empresas que se preocupam com roupas e acessórios para afrodescendentes e, quando existem, são taxados de peças exóticas. É marcante na indústria brasileira o falso engajamento com a problemática, apesar dos feeds e campanhas com modelos afrodescendentes. O mito da democracia racial, o marketing da diversidade, o tokenismo (inclusão simbólica) e a alienação privilegiada são barreiras a serem suplantadas pela indústria brasileira (POERNER, 2021)

Extrato das narrativas de Máquina Overloque

Isso é triste, não era pra ser assim, somos todos iguais perante Deus ou não?

Na minha visão, antes do curso não via racismo em algumas pessoas e situações.

Overloque pontua aqui sua visão antes do curso, ela não conseguia enxergar racismo em certas situações, o que é muito comum, pois o racismo em nosso país não é explicito, é camuflado, muitas vezes se traveste de gracejo, piada, brincadeira. O racismo pode se manifestar de diversas formas, temos que estar atentas/atentos e percebê-lo, é uma luta árdua e diária. Adilson Moreira pontua:

O racismo pode assumir diversas formas em diferentes lugares e em diferentes momentos históricos. Suas várias manifestações tem o mesmo objetivo: preservar e legitimar um sistema de privilégios raciais, o que depende da circulação contínua de estereótipos que representam minorias raciais como pessoas incapazes de atuar de forma competente na esfera pública. (MOREIRA, 2019, p. 24).

No entanto, esse racismo recreativo não é o único entrave para que não percebamos as várias maneiras como ele se apresenta. A nossa educação, na qual nos incutem diariamente que vivemos num país onde não existe racismo, que nossas diferenças são apenas econômicas, nos levam a não o perceber.

Extrato das narrativas de Barbante Sim, na escola não temos o conhecimento profundo sobre afrodescendência e nem procuramos saber, o curso em suma, como tudo, me iniciou abrindo minha visão, sim, abriu minha visão e despertou o meu lado humano e também profissional.

Barbante pontua a falta dessa discussão dentro da escola, e ela/ele está totalmente correta/correto, poucos são os momentos em que que se tem abertura para tal, esse racismo institucionalizado emperra tudo. Não estamos pleiteando a exclusão em nossa história das contribuições de europeus como os portugueses, os espanhóis, os italianos, entre outros, o que buscamos é que a contribuição africana deixe de ser invisibilizada e desvalorizada, pois, como pontua o artista Emanoel Alves de Araújo:

Penso, por fim, na ambiguidade desta nossa história de que são vítimas os negros, numa sociedade que os exclui dos benefícios da vida social, mas que, no entanto, consome os deuses do candomblé, a música, a dança, a comida, a festa, todas as festas de negros, esquecida de suas origens. E penso também em como, em vez de registrar simplesmente o fracasso dos negros frente às

tantas e inumeráveis injustiças sofridas, esta história termina por registrar a sua vitória e a sua vingança, em tudo o que eles foram capazes de fazer para incorporar-se à cultura brasileira. Uma cultura que guarda, através de sua história, um rastro profundo de negros africanos e brasileiros, mulatos e cafuzos, construtores silenciosos de nossa identidade[...]. Tudo isso é memória. Tudo isso faz parte da nossa história. Uma história escamoteada que já não poderá mais ficar esquecida pela história oficial (ARAÚJO, 2007, p. 5).

Trazer essa discussão para dentro do recinto escolar só vai fazer com que boa parte da população brasileira, “54% segundo dados do IBGE” (PRUDENTE, 2020, s. p.), se sinta valorizada e respeitada, e que as/os demais passem a vislumbrar o valor da cultura deixada por nossas/nossos ancestrais africanas/africanos.

Extrato das narrativas de Cola Também podemos observar nas escolas e universidades, as estatísticas mostram esses resultados e eles se dão exatamente pela cor da pele dessas pessoas, o curso proporcionou uma visão dos porquês o racismo existe e persiste no Brasil sim, e muito.

Cola pontua o racismo existente nos recintos educacionais, fala de estatísticas que mostram essa situação, e isso com certeza a/o instigou a buscar mais para idealizar sua peça.

Não somos nós que dizemos, apenas comungamos com o dito por muitas/muitos teóricas/teóricos, estudiosas/estudiosos do assunto que, como Djamila Ribeiro, afirmam:

O primeiro ponto a entender é que falar sobre racismo no Brasil é, sobretudo, fazer um debate estrutural. É fundamental trazer a perspectiva histórica e começar pela relação entre escravidão e racismo, mapeando suas consequências. Deve-se pensar como esse sistema vem beneficiando economicamente por toda a história a população branca, ao passo que a negra, tratada como mercadoria, não teve acesso a direitos básicos e à distribuição de riquezas (RIBEIRO, 2019, p. 6).

Trazer essa discussão para o recinto escolar, como o dito acima, se faz necessário, é uma exigência da Lei 11.645 de 2008 (BRASIL, 2008), e é muito benéfica para população brasileira.

Extrato das narrativas de Calcador Depois do curso pude perceber que é maior do que eu imaginava por que é um racismo as vezes velado disfarçado só quem aprende sobre sabe diferenciar ou reconhecer, adoece sim.

Ainda falando do curso que as/os estimulou para que idealizassem a peça que iria à passarela, Calcador fala desse racismo velado que adoece as pessoas que passam por ele e quão difícil é, às vezes, reconhecê-lo. No tocante à saúde, a Organização Mundial de Saúde (OMS) concebe o racismo como um dos determinantes sociais do processo de adoecimento e morte.