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3. MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS DISPONÍVEIS: FUNDAMENTAÇÃO

3.2. Prática educativa

No século XX, referente ao item 13, vamos continuar nos EUA, com os seguidores das propostas de Dewey, já detalhadas acima. Na Rússia, o foco é a escola politécnica. Lênin, tendo por base o trabalho de sua mulher, a pedagoga Nadezhda Krupskaya (1869-1939), ao organizar o projeto de programa do partido bolchevique, estabeleceu um ponto referente à educação, no qual defendia o ensino gratuito, obrigatório, geral e politécnico. Esse ensino politécnico difere bastante do ensino profissionalizante, pois, enquanto o primeiro se preocupa em conhecer na teoria e na prática todos os ramos fundamentais da produção, o segundo tem como meta apenas a profissionalização em um único ramo desse trabalho. O ensino politécnico é essencial para países altamente industrializados.

Com Gramsci, temos o idealizador da escola unitária, que defende uma escola em que o indivíduo tenha uma formação completa – uma preparação para o trabalho e o

desenvolvimento de sua intelectualidade. Ele defendia uma escola que desenvolvesse o homem na sua totalidade. O termo unitário tem vários aspectos: 1. Deve haver uma manutenção entre o ensino básico e superior, ou seja, a formação deve possibilitar ao indivíduo essa continuidade;

2. Uma unidade com relação ao social, isto é, a manutenção de uma continuidade entre a vida escolar e a vida social do estudante; 3. Do ponto de vista político, uma formação que permita, ou melhor, que prepare para o exercício político, dirigir e ser dirigido. Enfim, uma escola que promova uma formação consciente e crítica.

situação, por um grupo definido. A prática no campo educacional é desenvolvida por indivíduos com todas as suas subjetividades, idiossincrasias, e as suas particularidades, e assim, é mais adequado falar em práticas educativas (BOAKARI; SILVA, 2020, p. 98-99).

Convém pontuar alguns posicionamentos com os quais concordamos. Entre eles, destacamos que a prática educativa não se resume ao ensinar/aprender (ALENCAR, 2014); que a prática educativa nunca é neutra (BOAKARI; SILVA, 2020); que a prática educativa deve ser ética, mas não estamos aqui falando de uma ética qualquer, falamos da ética freiriana, que nos diz:

Gostaria, por outro lado, de sublinhar a nós mesmos, professores e professoras, a nossa responsabilidade ética no exercício de nossa tarefa docente. Sublinhar esta responsabilidade igualmente àquelas e àqueles que se acham em formação para exercê-la. Este pequeno livro se encontra cortado ou permeado em sua totalidade pelo sentido da necessária eticidade que conota expressivamente a natureza da prática educativa, enquanto prática formadora. Educadores e educandos não podemos, na verdade, escapar à rigorosidade ética. Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro. [...]. A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar (FREIRE, 1996, p. 9).

Ao falar de ética na prática educativa, Freire explicita o seu pensar com relação à educação, um procedimento, para o pensador, humanizante, político, histórico, social, cultural, ético e estético, que se contrapõe à ideia da desvalorização de uns para garantir a dominação de outros, uma constante na história do povo brasileiro. Freire foi um sonhador que valorizava a cultura, as memórias, os saberes do nosso povo, as nossas matrizes culturais e intelectuais. Esses posicionamentos de Freire implicaram em enfrentamentos, o exílio é um dos muitos exemplos.

Não é fácil ser um educador que se apropria de uma prática educativa transgressora.

3.2.1 Prática educativa transgressora

A educação no Brasil teve seu início somente após o fim do regime de capitanias hereditárias, que funcionou de 1532 a 1549, quando D. João III criou o Governo Geral, e Tomé de Sousa aqui aporta como o chefe da primeira administração – o primeiro Governador Geral do Brasil. Em sua comitiva vieram também o Padre Manoel da Nóbrega e dois outros jesuítas, nossos primeiros professores. Por isso podermos afirmar que o Brasil, até 1759, quando os jesuítas foram expulsos pelo Marques de Pombal, foi marcado pela educação jesuítica, cuja

missão era catequisar os povos originários e erguer uma colônia cristã para além das terras europeias (GHIRALDELLI JUNIOR, 2009).

Por intermédio da Companhia de Jesus, esses padres missionários jesuítas desenvolviam um trabalho educativo que implicava na ação colonial como mais uma estratégia de comando e sujeição, para que a invasão europeia tivesse êxito na conquista e apropriação imerecida de terras e corpos. Nossa história educativa, aqui falando de educação formal, institucionalizada, já se inicia com um processo de dominação e controle. As aulas funcionavam na base da coerção social: não se cogitava o prazer, o entusiasmo, a diversidade corporal e subjetiva e a multiplicidade do pensamento, mas na maquinaria colonial; nossa prática escolar ainda hoje está inteiramente corrompida pelos antigos desejos coloniais de domesticação dos corpos e da mente (SOARES, 2019).

Vamos agora tentar refletir um pouco sobre a possibilidade de criarmos formas alegres, prazerosas, não abarrotadas de normas e regras, não coercitivas, para produzir um processo de ensino e aprendizagem com, pela e para as diferenças. É o que temos chamado, e estamos chamando aqui, de pedagogias transgressoras, segundo bell hooks3, quando esta pontua as diferenças das escolas só para negros nos EUA, nas quais os/as estudantes eram estimulados a aprender, nas quais eram valorizados, nas quais era colocado na cabeça de cada um a importância do conhecimento como um ato de resistência, e depois a passagem para escolas de brancos e negros, nas quais a maioria dos professores eram brancos e ali as/os estudantes brancas/brancos eram mais valorizadas/valorizados, nos diz que:

Essa transição das escolas exclusivamente negras para escolas brancas onde alunos negros eram sempre vistos como penetras, como gente que não deveria estar ali, me ensinou a diferença entre educação como prática da liberdade e a educação que só trabalha para reforçar a dominação (hooks2, 2013, p. 12).

Na citação de hooks ficam nítidas as intenções de uma prática que estimula, que é respeitosa, que na grande maioria das vezes é alegre, descontraída, e de uma outra prática que sojiga/subjuga, que deprime, que coage, que domina, na qual não sobra espaço para o regozijo, para a felicidade, para o encantamento, e muito menos para o esperançar por dias melhores.

Falando sobre as tendências educacionais, pode-se dividi-las em dois grandes grupos: as Tendências Liberais, fundamentadas no pensamento liberal do livre mercado, portanto, de consolidação do capitalismo, que fortalece a ideia de que o trabalho é a única fonte de conquista

2 3 A grafia segue com letras minúsculas porque é assim que a autora se identifica.

e que os indivíduos acessam espaços de poder pelo mérito; e as Tendências Progressistas, que são questionadoras do capitalismo, fazem uma análise crítica da sociedade e advogam a importância da escola nessa transformação social (ROCHA, 2019, apud SAVIANI, 2017).

Se pararmos por um instante e fixarmos o olhar em nossas escolas, vamos sentir os resquícios dessas tendências. Elas cumpriram suas funções no momento em que foram

colocadas em prática e ainda balizam o trabalho de muitos profissionais e de muitas instituições.

Estamos assistindo às pretensões do governo Bolsonaro, que refletem momentos pontuais dessas tendências. Convém ficarmos atentos para certos projetos de nação que objetivam perpetuar nossas desigualdades sociais, econômicas e raciais. Ao longo da nossa história, esses projetos visam produzir mão de obra barata para as fábricas e indústrias, estabilizar hierarquias construídas e colocar tudo isso nas mãos de homens brancos, cisgêneros, heterossexuais, patrimonialistas, cristãos e defensores da “tradicional família brasileira”. Não existe crítica às estruturas de dominação. É hora de fazermos um questionamento: “a quem interessa a

manutenção de uma educação que não transgrida determinados limites?” (SOARES, 2019, p.

12).

Respondendo à pergunta do parágrafo anterior: Interessa a quem quer e precisa manter esse estado de opressão da classe trabalhadora, a quem advoga a perpetuação dessa enorme discrepância social e econômica. Portanto, a ideia de educação “bancária”, içada por Freire (1987), que objetivava tornar essas pessoas totalmente maleáveis, tratava-se de um projeto de docilização dos corpos, para satisfazerem, serem indiferentes, não pensarem e não questionarem. E o que isso nos fala sobre práticas educativas transgressoras? Uma prática educativa transgressora é aquela que rompe limites, quebra paradigmas, inova, é questionadora e crítica (SOARES, 2019). Vejamos onde a afrodescendência entra para participar dessa educação humanizadora.