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Como se constroem os lugares de homens e mulheres em sociedade

1.2 Os jovens entrevistados

2.1.2 Como se constroem os lugares de homens e mulheres em sociedade

Para que o Brasil entrasse nos rumos da modernização no início do processo industrial, no final do século XIX, era preciso que os trabalhadores fossem “moldados” desde a infância pelos hábitos burgueses. A configuração social sofre, nesse período, intensas mudanças, implicando uma nova maneira de relação entre indivíduos e os grupos. As divisões de trabalho entre homens e mulheres, por exemplo, passam por intensas mudanças:

A casa é considerada como o lugar privilegiado onde se forma o caráter das crianças, onde se adquirem os traços que definirão a conduta da nova força de trabalho do país. Daí, a enorme responsabilidade moral atribuída à mulher para o engrandecimento da nação. (RAGO, 1985, p.80)

Nesse sentido, às mulheres caberia, a partir daí, importante lugar na reprodução da classe trabalhadora: cuidar dos lares e dos filhos. Às mulheres de “bem” estaria reservado especial papel de contribuir para a disciplina dos filhos e maridos, exigindo hábitos de higiene, controle e organização na rotina, tirar os homens dos bares e dos vícios das bebidas, enfim, auxiliar para que as regras sociais pautadas na modernização fossem cumpridas. O sexo e o prazer seriam deslocados para mulheres marginalizadas e “desqualificadas” do ponto de vista moral. Às mulheres-esposas restaria o sexo para a procriação, e o prazer sexual, então, proibido. As que ousassem questionar a nova moral eram punidas de várias formas.

O ideal de mulher que passa a ser assumido é o daquela que possui o dom da maternidade, que executa atividades que exigem a destreza peculiar feminina, o comportamento monogâmico e tantas outras características que, muito embora fossem sendo construídas social e historicamente, passam pouco a pouco a serem incorporadas como parte da natureza feminina.

Esses novos modelos traçados para as relações entre homens e mulheres explica-se por necessidades surgidas a partir do início do século XIX, no Brasil. Havia crescente preocupação, por parte de alguns governantes, com a população que em geral vivia em condições bastante inadequadas, insalubres dentro e fora das fábricas, o que era constatado facilmente nas ruas do Rio de Janeiro e São Paulo, importantes centros da política e economia do País. O mau cheiro e a sujeira das ruas, assim como dados nas políticas públicas que davam conta dos enormes índices de mortalidade infantil, retratavam uma realidade que precisava ser transformada, especialmente sob os olhares daqueles que se preocupavam em reconstruir a imagem do Brasil para colocá-lo nos rumos da modernidade.

Sob a ótica de governantes higienistas, as políticas públicas foram sendo pensadas para construir essas noções mínimas de higiene e, por consequência, ambientes mais bem apresentáveis. Para tanto, iniciativas diversas foram tomadas para diagnosticar e remediar casas, ruas, fábricas e cidades, procurando tornar os ambientes mais limpos e organizados; porém, foram sendo implantadas de cima para baixo, fato que ocasionava resistência por parte da população.

Houve tentativas, inclusive, de interferência na dinâmica familiar. Os agentes visitavam as residências – naquela ocasião boa parte dos trabalhadores migrantes europeus

acomodava-se em cortiços – procurando regular os comportamentos em sua intimidade, como, por exemplo, na forma como dormiam, uma vez que, nos cortiços, era comum que familiares dormissem juntos nas mesmas camas, nos mesmos ambientes.

Assim, várias medidas vão sendo tomadas no sentido de reeducar esses trabalhadores tanto por meio desses agentes, quanto nas escolas, outra frente em que seriam implantadas regras que buscavam discipliná-los. O principal argumento utilizado pelos higienistas é que era preciso criar ambientes mais limpos, arejados, a fim de que as doenças transmitidas pudessem ser evitadas. Para que isso ocorresse, era preciso que a classe trabalhadora procurasse espelhar-se em hábitos burgueses, que, por sua vez, também se guiavam por padrões europeus.

A burguesia brasileira contava com grandes intelectuais que faziam intercâmbios por meio de universidades e se influenciavam mutuamente. A tendência, porém, era inspirar-se no modelo de modernização que passava pela sociedade eurocêntrica, branca, industrializada e racionalizada. Essas explicações de fundo político e econômico, traduzidas no estímulo à construção de novos hábitos, e o controle sobre os vícios se davam em orientação nas políticas públicas, fato que implicava que professores e médicos ocupassem importante papel.

Nas fábricas, no início da industrialização no Brasil, os ambientes não eram diferentes. Eram sujas, pouco ventiladas, escuras, completamente insalubres e rigidamente autoritárias. Homens, mulheres e crianças de até 5 anos de idade trabalhavam sob a ameaça de castigos financeiros e físicos, durante longas jornadas, que duravam em média 14 horas por dia, em troca de salários miseráveis.

No entanto, a partir de 1910, passa a ser introduzido o modelo de produção inspirado na Administração Científica de Taylor, nova forma de organizar o trabalho e a produção, guiados pela modernização já implantada em outros países: “[...] na fábrica, os dispositivos tecnológicos utilizados pelos setores privilegiados da sociedade para impor esta figura dócil e laboriosa modificam-se no sentido de uma sofisticação crescente” (RAGO, 1985, p. 205).

Essas mudanças vão transformar a condição de trabalho anterior, reproduzindo-se no ambiente fabril a tendência de modernização, a partir de uma forma mais racionalizada de desenvolvimento dos trabalhos. Para tanto, mais uma vez, era preciso que também fossem “produzidos” novos trabalhadores, que cumprissem as regras rigorosamente, não as questionassem, e fizessem parte da engrenagem, contribuindo para que a produção não fosse

interrompida. A nova fábrica exigia um novo trabalhador, e o trabalhador ideal era fundamentalmente um homem disciplinado (RAGO, 1985).