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Por que alguns sindicatos não funcionam? Alguns elementos do sindicalismo oficial

4.3 Aproximação com o sindicato

4.3.1 Por que alguns sindicatos não funcionam? Alguns elementos do sindicalismo oficial

Em interessante estudo sobre a origem dos sindicatos oficiais no Brasil, a partir da instituição Ministério do Trabalho nos anos 1930, Gomes (2005) desvela elementos da complexa façanha de entrelaçamentos entre regulação das relações entre capital e trabalho, que se daria a partir da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a corrente política do trabalhismo e a democracia social.

Alguns elementos de sua análise parecem fundamentais para a compreensão da razão pela qual o sistema corporativo ainda se mantém mesmo passadas tantas décadas, assim como porque boa parcela de trabalhadores percebe a participação política como algo a ser delegado a representantes, sejam eles governantes ou dirigentes sindicais, em vez de assumirem seu papel cidadão ou de sujeitos históricos.

O Brasil foi um país, desde o início do século XX, movido pelo desejo de alinhar-se com os países centrais, nos caminhos da modernidade, buscando para tanto formas que o possibilitasse se soltar das amarras de um passado escravocrata e de toda sua herança que também se fazia presente no início da industrialização. Tanto as políticas públicas quanto a cultura que passou a girar em torno desse sonho de construção de uma nova nação levam fatalmente a uma nova forma de interpretar o trabalho e o trabalhador. Esse novo modelo de homem e trabalhador é lapidado nos anos 30 pela força das propostas que girariam em torno de uma cidadania tutelada pelo estado e da democracia social. Os trabalhadores, por meio das

diversas correntes políticas, enfrentaram, discutiram e se envolveram nesse novo processo de regulação que passou a vigorar.

Na mesma década, com a revolução, os movimentos sindicais foram brutalmente reprimidos. Quando, porém, Getúlio Vargas assume o governo provisório, tem início um novo período que implicará mudanças muito significativas na vida dos trabalhadores e dos sindicatos. Ele cria o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e reabre os sindicatos. Uma nova configuração está em gestação, a estruturação dos sindicatos corporativos e toda a tradição político-sindical que carrega consigo. Como uma das primeiras iniciativas, a fim de erradicar organizações independentes, o governo Vargas cria a lei de sindicalização em 1931, “consagrando o princípio da unidade e definindo o sindicato como órgão consultivo e de colaboração com o poder público, o decreto trazia as associações para a órbita do Estado.” (GOMES, 2005, p. 163).

A partir de então deveriam assumir um caráter assistencialista e abdicar de suas identidades políticas. Para que os trabalhadores tivessem direitos aos benefícios sociais da legislação social, era preciso se associar. Esse início dos anos 30 é marcado pela resistência dos trabalhadores por meio dos sindicatos, as medidas implantadas pelo Ministério do Trabalho, inclusive com inúmeras tentativas de dominar os sindicatos já estruturados, além dos que já nasciam sob essas novas regras (GOMES, 2005).

O estudo de Gomes (2005) retrata a origem do sistema corporativo no Brasil, a partir da estrutura política do país na ocasião, em especial do papel que ocupará o Ministério do Trabalho. Sua análise é importante para explicar a estrutura sindical corporativa que passará a vigorar a partir de então porque ela vincula o nascimento da regulação entre capital e trabalho com o trabalhismo.

As benesses oferecidas pelo estado com a instituição dos direitos individuais, por meio da CLT, serão oferecidas ao povo como tal, ofuscando as lutas dos primeiros anos feitas por sindicatos livres anarquistas e comunistas que pressionavam por essas conquistas. A essência de sua análise é de que o sistema que seria consolidado a partir da década de 1940 de sindicatos regidos pelo estado, cobrança de imposto sindical, divisão por regiões através da unicidade sindical e divididos em categoria imputaria normas aos trabalhadores com carteira de trabalho vinculados aos sindicatos submetidos à lógica do assistencialismo em detrimento do seu caráter original de sindicatos livres e combativos.

Segundo a autora, os métodos utilizados para a cooptação dos trabalhadores foram os mais variados, entre eles, visitas de fiscalização às empresas com a intenção de aproximar trabalhadores, sindicatos e empresários. Tais investidas eram imbuídas de caráter pedagógico e muitos sindicatos acabaram se formando a partir dessas ações de ordem pública. Ainda assim, vários sindicatos resistiam à política governamental. Em 1933, no entanto, foi criada a carteira de trabalho, que se transformou em um instrumento maior de controle sobre os trabalhadores, que só receberiam os benefícios sociais se fossem sindicalizados. Os comunistas decidiram assumir os sindicatos oficiais e fazer a luta por dentro. Os anarquistas mantinham a resistência ao modelo.

Apesar das tentativas das frentes de esquerda em conter a nova estrutura, a lógica do sindicalismo oficial passa a ser implantada e aos poucos os trabalhadores cedem a essa tendência de pacto social. As correntes de esquerdas, com exceção dos anarquistas, buscam o enfrentamento desse atrelamento dos sindicatos ao estado por meio da conquista de sindicatos oficiais. A repressão foi intensa para tentar impedir esse movimento. Nesse período surge um elemento muito importante que representará uma espécie de liga que vai permitir a efetiva consagração desse modo de estruturar os sindicatos, assim como o enraizamento de uma determinada visão político-sindical: o projeto trabalhista.

Depois de 1940, consagra-se o discurso trabalhista, que compreenderia que os benefícios sociais são fruto de ato de generosidade e por isso exigiriam reciprocidade. Segundo Gomes (2005, p. 181), desenvolve-se a “ideologia da outorga”, ou seja, os benefícios sociais começam a ser apresentados como um presente do Estado:

A classe trabalhadora antes mesmo de demandar teria sido atendida por uma autoridade benevolente, cuja imagem mais recorrente é a da autoridade paternal e quem recebe o que não solicitou e não pode retribuir materialmente fica continuamente obrigado em face de quem dá.

As lutas por melhorias de condições de trabalho, as conquistas realizadas pela classe trabalhadora, seus anseios e suas formas de expressão, realizadas ao longo das primeiras décadas do século passado seriam nesse sentido “desprezadas”. Essa origem do sindicalismo oficial no Brasil explica, em parte, porque as formas atuais de organização sindical enfrentam desafios para consolidar projetos que reformulem e reconstruam a lógica do sistema corporativo de regulamentação.

A partir de então e até os dias atuais, o sistema corporativo de regulação das relações de trabalho passa a fazer valer vários direitos individuais e sociais, muito embora não garanta

os processos de negociação, nem a liberdade de organização dos trabalhadores. Esse formato acaba por estimular a percepção de que cabe aos representantes parlamentares fazer leis que beneficiem o povo e desestimula a ideia de trabalhadores que se compreendam como sujeitos de direito e que, portanto, podem legitimamente conquistá-lo.

Em certa medida, tal gênese política parece alicerçar as relações estabelecidas entre estado, trabalhadores e gestores do capital. Fazer, nesse sentido, um exercício retomando alguns elementos históricos julgados estruturantes permite identificar no presente possíveis fios que iriam, pouco a pouco, explicando melhor a cultura de organização dos trabalhadores no presente.

Fabrício está imerso nesses desafios que envolvem a vida sindical no Brasil dos anos 2000. Pertence a um campo em que o conflito e as disputas políticas refletem negativamente por representarem a parte mais frágil entre os envolvidos.

Sua vivência está vinculada às experiências políticas da categoria metalúrgica, cuja tradição cultural reside justamente em buscar romper com tais alicerces sindicais no país. Assim como outros sindicatos filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT), mas com caráter protagonista, o SMABC passou a ocupar papel de destaque desde a década de 1970 nessa estratégia sindical de mudança, a partir do que se consagrou como o “Novo Sindicalismo”.