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4.2.1 A fábrica não é uma mãe, a conquista é nossa!

Fabrício assume uma postura no trabalho que destoa do restante do grupo participante da pesquisa. Assim que chegou a São Paulo, foi trabalhar numa pequena empresa em que seu pai trabalhava, no setor de fornos. Antes de ser admitido, havia feito uma série de cursos profissionalizantes.

Seu pai considerava o trabalho muito duro e desconfiava que ele não suportaria a lida, mas, contrariando essa hipótese, ele permanece ali por vários meses, resistindo bravamente, até ser encaminhado a outro setor: o de usinagem.

Com 20 anos, viu a possibilidade de entrar no setor metalúrgico, por intermédio de um amigo de seu pai, Vagner, que atuava como dirigente sindical em uma empresa de autopeças, e indicou-lhe uma vaga, para que o jovem pudesse ganhar um salário melhor. Hoje em dia, Fabrício nutre por Vagner sentimento de muito carinho. São bastante próximos e o considera como um tio.

Na empresa, Fabrício passa a observar uma série de problemas, e era muito crítico em relação a eles. Na ocasião, ainda aos 20 anos, sentia-se impulsionado a manifestar-se contra o que considerava injusto no cotidiano da fábrica, assumindo a briga com a chefia em nome do grupo, sem receio de se expor ou de sofrer algum tipo de represália.

Foi aos poucos sendo reconhecido como um trabalhador bastante atuante. Na fábrica, já conhecido como o “sobrinho do Vagner”, apesar de não terem nenhuma ligação familiar, adquirira uma espécie de compromisso em comunicar ao “tio” todos os problemas sobre as condições internas de trabalho. O rapaz ligava para ele diariamente e pedia ajuda para encaminhar questões relativas à situação na fábrica, onde ficou por dois anos e dali foi trabalhar com solda de peças em uma montadora.

Na montadora, apesar de muito exigido por um ritmo de trabalho bastante acelerado, ele descobriu um ambiente ainda mais propício à organização dos trabalhadores. Isso permitiu que sua experiência política desse um salto muito importante, e foi se apropriando das estratégias consolidadas ao longo dos vários anos de cultura política nas fábricas do ABC Paulista.

Trabalha na Mercedes-Benz, desde 2009, no setor de qualidade. Começou a fazer faculdade seguindo a sugestão da chefia, a fim de construir sua carreira profissional na empresa, mas abandona o projeto:

Tranquei a matrícula, por meu amor político, e entrei no sindicato, eu não ia seguir uma carreira profissionalmente. Quando comecei no sindicato e fiquei na Mercedes, foi assim, nos primeiros anos, pensei em fazer faculdade, foi no terceiro ano que comecei a fazer a faculdade. Comecei, mas me foquei mais no sindicato, fiz a faculdade, e aí comecei a pensar mais em mim mesmo. Lá na fábrica, foi o próprio engenheiro que falou que eu tinha futuro na Mercedes. Mas lá eu vi umas coisas que eu não aceitava. Na minha caminhada pra eu crescer, o que tenho de fazer, como? Fiquei só estudando, e foi tranquilo a faculdade. E entrei como operador 2 e hoje eu sou operador CNC. Parei a faculdade no 1º ano.

Ele foi surpreendido por um ambiente de trabalho absurdamente mais tranquilo e “respeitoso”, segundo seus parâmetros. O que ele julga diferente diz respeito principalmente ao ritmo de trabalho “mais calmo”, se comparado à média experimentada em outros lugares em que trabalhou, e também à pressão para “entrar no jogo”, isto é, sentia menor tensão em relação aos trabalhadores que não cediam aos encantos da empresa.

Tanto é que quando chegou à empresa, os colegas lhe advertiam quanto ao ritmo: “calma rapaz, aqui não é assim que funciona!”. Queriam ao mesmo tempo lhe situar sobre os tempos de trabalho na produção e conscientizá-lo que se tratava de conquistas sindicais. Nesse sentido, os companheiros alertavam-lhe a desacelerar, diziam que ali as coisas eram diferentes e que ele deveria diminuir sua velocidade. O jovem reconhece que na ocasião trabalhava muito acelerado, pois era assim que estava acostumado em seus outros empregos.

Fabrício fica profundamente tocado por entender que a mobilização e a organização dos funcionários possibilitaram um ambiente de trabalho mais decente, do seu ponto de vista. E, por essa razão, aproxima-se mais e mais do sindicato.

Muita conversa, resistência coletiva e decisões a cargo dos próprios trabalhadores. Poderíamos atribuir a esse ambiente, em parte, uma nova configuração nas fábricas em decorrência das mudanças consolidadas por meio da produção enxuta e de todo o processo de modernização ocorrido, em especial a estratégia de cooptação de trabalhadores por meio da subjetividade.

Para Fabrício, no entanto, a explicação é outra: “[...] isso é fruto da organização dos trabalhadores”. E sua emoção foi crescendo quanto mais conhecia a realidade ali vivida, porque associava as conquistas presentes naquele cotidiano à história de resistência dos trabalhadores na região.

Alia-se a essa experiência a influência do avô na infância, que lhe introduziu na política, por meio dos diversos comícios, das festas e dos eventos de que participavam juntos. Se Fabrício, por um lado, pode ser considerado um outsider, em virtude de sua participação militante no sindicato, por outro, ele cria laços de pertencimento com esse novo grupo que passara a conviver. Apesar do envolvimento político desde muito cedo, o entrevistado não demonstrava, em princípio, ter muita clareza política quando participava com o avô dos comícios e das festas. Parece que o que mais lhe envolvia era o espírito de confraternização, o encontro, as conversas, os eventos, ou seja, mais a vivência, a experimentação e o convívio do que o próprio conteúdo político.

São tais experiências na trajetória de Fabrício, no entanto, que vão desenhando o habitus. E tornam-se decisivas na ruptura com o projeto da empresa e a aproximação do projeto sindical. A partir daí seu destino profissional estará submetido a sua trajetória político- sindical.

Em seu estudo, Tomizaki (2007), constata que, sobre a realidade vivida na fábrica da Mercedes-Benz, a maioria dos jovens, pertencentes à segunda geração, a realidade que vive no trabalho e as expectativas em relação a profissão.

Para Fabrício, contudo, não há o dilema vivido pela maioria dos jovens, como descreve Tomizaki (2007), o que está em jogo na verdade é a expectativa na vida política. Decidiu seguir o caminho da política sindical e sabia que ao fazer essa opção estariam encerradas todas as possibilidades de um futuro profissional ali, mas esta constatação não o abalava.