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3.2 Trajetória profissional: trabalhador é número! Os marcantes anos 1990

3.2.3 O papel do Senai

Dos jovens que responderam ao questionário do Programa Trabalho e Cidadania, Caíque está entre os 82% que realizaram curso do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), e destaca-se entre os trabalhadores cuja entrada para a empresa se deu via Senai. Aos 15 anos, conta que se dividia entre trabalho, Senai e Ensino Médio:

Era o dia inteiro fora de casa, né? Saia às sete horas da manhã, voltava para jantar e estudava à noite, voltava às onze da noite, aí fui pra escola municipal. Não sabia bem o que eu ia aprender no Senai. Meu pai falou que eu iria pro Senai, eu não sabia direito o que era, ele só disse que seria uma boa oportunidade de entrar na Mercedes. Eu não tinha escolhido ainda o que eu queria fazer ainda, aí eu fui... Fiz o curso de mecânica de produção, lá na Mercedes. É um curso bom, porém, te fecha muitas portas.

Em geral, os jovens que fizeram o curso do Senai descrevem as perspectivas profissionais para quem realiza cursos profissionalizantes como “abrir portas”. A fala de Caíque destoa nesse sentido, pois em sua percepção acontece exatamente o oposto. Ao longo da entrevista, Caíque atribui o seguinte sentido a sua afirmação:

O Senai treina a pessoa pra ser empregado. Ela pode chegar até ser presidente, mas sempre como empregado, até o final da vida. Eu vejo assim, porque ele te dá muita informação técnica de como fazer o trabalho, tem algo sobre gerenciamento, mas

sempre tem que ser dependente de outra pessoa, sempre você tem que buscar a aprovação de outra pessoa. É isso que eu vejo do sistema Senai, que existe hoje, é como se fosse uma escola, só que de curso profissionalizante. É gostoso, mas depois você vai vendo que... tem muita gente que não segue nessa área. Acho que dos 50 que se formaram, se 5 se formaram em engenharia, é muito, e essa seria a sequência, né? E a maioria sai, acaba saindo da empresa, por vários motivos, né? Mas muitas pessoas entram sem saber o que querem exatamente. As pessoas que sabem, entram e ficam, as que não sabem, a maioria sai... Umas pra ir pra área de humanas, fazer psicologia. Saem porque não querem seguir aquele caminho até chegar lá.

Caíque compreende que o Senai, ao mesmo tempo em que lhe permite o ingresso na empresa, circunscreve seu campo de atuação na fábrica, por ser uma formação profissionalizante. Mas, na sua percepção, o Senai, para além de ensinar uma função, disciplina o trabalhador a assumir uma postura subordinada.

Tomizaki (2005) desenvolve extensa discussão sobre a importância da qualificação para as duas gerações de metalúrgicos por ela entrevistados. Vale destacar alguns elementos de sua análise que dialogam com a experiência de Caíque, de nossos outros entrevistados, e com os dados dos questionários pertencentes ao censo realizado em atividade de formação no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC22 .

A maioria dos jovens que passaram pelo programa Trabalho e Cidadania, no sindicato, fez Senai: 53% na Itaesbra; e 82% na MBB. Vale destacar que 52% dos jovens da primeira empresa estão cursando ou já cursaram o Ensino Superior (e acrescente-se mais 2% de jovens que começaram e não concluíram), assim como 58% do segundo grupo também possui ou está concluindo a graduação (com mais 9% dos jovens que iniciaram e não terminaram o curso). A estratégia da valorização do Ensino Superior parece evidente, o que não diminui a importância do Senai como credencial para a inserção nesse setor econômico.

Na década de 1950, momento em que a Mercedes Benz se instala no País, o Brasil dá um salto em seu processo de industrialização, em muito estimulado por políticas industriais encampadas pelo presidente Juscelino Kubitschek. As mudanças exigiam, do ponto de vista desse governo, um novo perfil do trabalho e um controle sobre a oferta de mão de obra. Era preciso que os trabalhadores fossem disciplinados.

Essa preocupação, no entanto, que já estava presente desde o surgimento das primeiras indústrias instaladas no País, é reafirmada nos anos 1930 e em 1942, em especial, quando o governo cria um Decreto-Lei que institui o Senai.

[...] estabeleceu uma contribuição compulsória para a sua manutenção e obrigou os industriais a manter alunos em seus cursos: ficou estabelecida cota mínima de

aprendizes em 5% do total de trabalhadores qualificados de cada empresa, e a cota de trabalhadores menores que deveriam ser enviados e mantidos nos cursos do SENAI seria de 3% do total de trabalhadores de todos os ofícios Em contrapartida, o Estado entregou o controle irrestrito dessa instituição aos empresários nacionais: tanto a organização da rede de escolas, quanto o currículo dos diferentes cursos e o sistema de avaliação e certificação foram concebidos e colocados em práticas pelos empresários. (TOMIZAKI, 2005, p.80.)

Em seu trabalho, Tomizaki (2005, p. 80) evidencia que o objetivo central era assegurar que o capital tivesse controle “da formação técnica e ideológica da força de trabalho”.

Nesse sentido, Caíque compreende, a partir de sua experiência nos cursos profissionalizantes, como e para que o Senai forma. Sua percepção parece revelar a função original da instituição, que, embora tenha sofrido reformulações, mantém boa parte desses princípios norteadores. Ao perceber o afunilamento no fluxo de carreira existente na empresa e do espaço que lhe seria destinado no campo profissional, sente-se desestimulado.

Vale destacar que, como foram realizadas no segundo semestre de 2013, as entrevistas não refletem sentimentos e comportamentos ligados às ameaças e pressões típicas de momentos de crise. Possivelmente, alguns elementos de expressão da atual crise, como insegurança por risco de demissão, teriam emergido caso as entrevistas tivessem acontecido no presente (2015).

Para Caíque, a despeito da crise, a relação com a empresa é essencialmente conflituosa, não se trata de questão conjuntural. Ele faz uma leitura crítica sobre quais alicerces fundam-se tais laços, e tem uma certeza: a empresa não é de confiança! Isso se explica por sua história de vida e, mais precisamente, pela vivência profissional de seu pai.

3.2.4 Impactos da reestruturação produtiva dos anos 1990 na vida do trabalhador