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Competência discursiva e integridade genérica

No documento marcelhenriqueangelo (páginas 74-84)

3. GÊNEROS E PRODUÇÃO TEXTUAL: ENTRE PADRÕES E

3.3. Competência discursiva e integridade genérica

Como vimos no capítulo anterior, na perspectiva teórica concebida por Bhatia (1997) há duas características dos gêneros que, embora à primeira vista soem contradi- tórias, constituem sua essência. A primeira, a ênfase nas convenções, tende a vê-los como eventos textuais retoricamente situados e altamente institucionalizados, compor-

tando o que o estudioso chama de integridade genérica – um conjunto socialmente es- tabelecido de “correlações entre forma e função, representando um construto de um domínio profissional, institucional ou acadêmico específico, realizando um propósito comunicativo específico” (BHATIA, 2004, p. 123).66 Por outro lado, gêneros dispõem de uma “propensão natural à inovação e mudança, que é frequentemente explorada pe- los membros experientes de uma comunidade especialista para criar novas formas de modo a responder a contextos retóricos familiares e outros não tão familiares” (BHA- TIA, 1997, p. 634).67 Visto que, reiteremos, toda comunicação verbal ocorre por meio de um gênero (BAKHTIN, 2000), durante a produção textual o escrevente terá, como um de seus principais desafios, o de promover o equilíbrio entre a afinidade ao cânone estabelecido e a atualização do mesmo num exemplar de texto empírico. Tal capacida- de, conforme será exposto, encontra-se diretamente relacionada ao nível de conheci- mento que se tem do padrão, mas também a outros fatores referentes à comunidade de usuários do gênero utilizado, como a experiência e a legitimidade.

“De fato, a noção de criatividade é exatamente a essência do modo como os gê- neros são definidos”,68 segundo Bhatia (1997, p. 636), acrescentando, em seguida, que a “exploração” das convenções é realizada por membros experientes de uma comunidade profissional com intenções privadas – ou seja, distintas daquelas habitualmente associa- das à classe de eventos comunicativos em questão. Posteriormente (BHATIA, 2004), o estudioso viria a sustentar que os usuários especialistas de um conjunto específico de convenções comunicacionais visando ao alcance de metas dispõem de uma certa “liber- dade tática” para agir por meio da linguagem. Inclusive porque, constata Devitt (1993, p. 579), “[...] mesmo os gêneros mais rígidos requerem algumas escolhas, e os gêneros mais comuns contêm uma flexibilidade substancial dentro de seus limites”.69

Há, portanto, uma margem de manobra, a qual se sustenta, pelo menos, em dois pilares. Um deles é o próprio conhecimento que se tem das configurações típicas que, pela ex- periência de uso, demonstram maior eficácia em responder às situações retóricas. Devitt (1993, p. 583) destaca essa dimensão social quando afirma que a criação, transmissão e

66 “[…] form-function correlations representing a specific professional, academic or institutional commu-

nicative construct realizing a specific communicative purpose of the genre”.

67 “[...] natural propensity for innovation and change, which is often exploited by the expert members of

the specialist community to create new forms in order to respond to familiar and not so familiar rhetorical contexts”.

68 “In fact, the notion of creativity is the very essence of the way genres are defined”.

69 “[...] even the most rigid genre requires some choices, and the more common genres contain substantial

modificação de gêneros podem ser mais bem estudadas à luz de perspectivas sociorretó- ricas da escrita. O outro, a legitimidade de que dispõe o agente produtor em função de sua participação nas atividades comunitárias. Bhatia (1997, p. 644) cita o caso do uni- verso acadêmico, no qual a integridade genérica de, por exemplo, artigos científicos é preservada por meio do cumprimento de etapas retóricas – como a revisão de literatura – que são avalizadas por pareceristas e intervenções editoriais. Nesse viés, conforme Marcuschi (2008, p. 168, grifo do autor), outras modalidades “como os ensaios, as te- ses, [...] os resumos, as conferências etc., assumem um grande prestígio, a ponto de le- gitimarem e até imporem determinada forma de fazer ciência e decidir o que é científi- co”. Logo, cria-se uma solidariedade entre os integrantes da comunidade que lhes confe- re poder, na medida em que os distancia dos “leigos”, alheios ao repertório do que é ou não permitido naquele ambiente – vide, para exemplificarmos, as dificuldades de acesso formal à justiça impostas pelo meio jurídico, mesmo entre aqueles razoavelmente instru- ídos.

Entretanto, ainda que respaldados pela legitimação comunitária, os membros experientes não dispõem de liberdade absoluta: sua produção textual, alerta Bhatia (2004), estará sempre condicionada aos limites do que já se encontra bem aceito, respei- tando a integridade genérica. Uma transgressão demasiado radical poderá acarretar efei- tos tidos como “estranhos” pelos usuários experientes (BHATIA, 1993; BHATIA, 2004), ponto em xeque a legitimidade. “A inovação, a criatividade ou a exploração se tornam efetivas somente no contexto do que já está disponível e familiar” (BHATIA, 1997, p. 636).70 Com efeito, Beaugrande (1978), mesmo adotando outro percurso analí- tico, afirma que iniciativas criativas que alteram sistemas muito fechados de elementos são “menos toleráveis” do que aquelas a modificar áreas de organização com maior a- bertura e flexibilidade. Daí que, para o referido pesquisador, o uso inovador da lingua- gem será mais eficaz, apropriado e pertinente, quando recombinar o que já repousa no repertório dos interlocutores, em vez de partir para a recriação total. Dessa forma, a- companha dois percursos de raciocínio. Um deles é o de Bakhtin (2000, p. 303), para o qual muitas categorias de eventos comunicativos se prestam a “reestruturações criativas; [...] mas um uso criativo livre não significa ainda a recriação de um gênero: para usá-los livremente, é preciso um bom domínio dos gêneros”. O filósofo complementa afirman-

70 “The innovation, the creativity or the exploitation become effective only in the context of the already

do que é esse nível mais aprofundado de conhecimento do gênero que nos permite des- cobrir “mais depressa e melhor nossa individualidade neles (quando isso nos é possível e útil)”, para então “realizarmos com o máximo de perfeição, o intuito discursivo que livremente concebemos” (BAKHTIN, 2000, p. 304). A outra trilha, que se coaduna com o exposto, é a de Devitt (1993, p. 579), que adiciona a natureza intertextual da escrita desafiadora da estabilidade genérica: “escritores trabalham criativamente dentro de um enquadre de textos anteriores e gêneros dados”,71 respondendo dialogicamente a essa cadeia enunciativa.

A ideia de que a inovação verbal encontra maiores possibilidades de prosperar ancorada no que já se encontra “dado” pode amparar, de um lado, uma concepção pro- cessual do ensino da escrita desafiadora do cânone; e, de outro, mas não em oposição, e sim em relação de interdependência mútua, a noção de híbridos intergenéricos. Exami- nemos esta, primeiramente.

No “mundo real”, e não no analítico, os gêneros não existem em “formas puras”, sendo constantemente deslocados, misturados ou colonizados por outros (BHATIA, 2004). Seus territórios são invadidos, fazendo com que determinados recursos genéri- cos – de ordem léxico-gramatical, retórico-estrutural ou discursiva – sejam apropriados para cumprir objetivos diversos dos que lhes haviam sido originalmente atribuídos. Al- guns deles encontram-se mais detidamente confinados a uma determinada esfera disci- plinar, como em certas categorias próprias do mundo jurídico; outros, porém, transcen- dem essas fronteiras e ocorrem em outros domínios profissionais. Bhatia cita e analisa os exemplos dos gêneros promocionais e dos relatoriais72. Estes, segundo o pesquisa- dor, são observados numa miríade de outras circunstâncias institucionais, como no jor- nalismo (notícias), na medicina (relatórios médicos), ciência (relatórios de pesquisa) e outros. Contudo, é o primeiro grupo, atinente ao discurso publicitário, que vem, cada vez mais, colonizando os demais – sendo possível encontrar um crescente uso de estra- tégias promocionais em gêneros não propriamente mercadológicos ou persuasivos, co- mo os dos universos acadêmico e jornalístico. Isso ocorreria devido a uma exponencial progressão da competitividade global e do consequente imperativo por visibilidade. De acordo com Bhatia,

71 “Writers work creatively within the frame of past texts and given genres” 72

A publicidade transformou o processo de escrita numa forma de arte, onde escritores constantemente competem pela atenção não somente pelo uso ino- vador da linguagem, mas também pela utilização criativa de expressões tradi- cionais e clichês, que são frequentemente rechaçadas por escritores em outras formas de discurso (BHATIA, 2004, p. 84).73

Vale ressaltar, como explica o estudioso, que “[...] funções informativas são mais suscetíveis de serem colonizadas por funções promocionais do que quaisquer ou- tras” (BHATIA, 2004, p. 89).74 Tal é o que se constata, por exemplo, em introduções e prefácios de livros, os quais habitualmente adotam um tom enaltecedor da obra introdu- zida ou prefaciada, em detrimento do caráter expositivo que lhes é, em princípio, atribu- ído e esperado.

Um segundo aspecto, ou implicação, dessa capacidade verbal de inovar subsidi- ada pelo que está posto (sócio-cognitivamente), compartilhado (na relação intersubjeti- va) e legitimado (cultural e sócio-retoricamente) é a de um ensino de produção textual calcado em métodos que incluem o processo, e não apenas o produto. Segundo Bhatia (2004, p. 60), gêneros podem ser constituídos por – e derivados de – formas básicas, como postula Bakhtin (2000, p. 282) ao comparar os primários e os secundários: estes “absorvem” aqueles, subvertendo-os e dando forma a padrões mais elaborados. Na es- teira desse pensamento, embora sob um prisma mais explicitamente pedagógico, Sch- neuwly (2004, p. 29) defende que o desenvolvimento se dá por “continuidade e ruptu- ra”. Assim, somente depois de consolidada a “gestão eficaz” dos gêneros primários – mais imediatos, elementares e situacionais – é que o escrevente torna-se apto a lidar com os secundários – mais autônomos, complexos e abstratos. Do confronto entre essas duas “lógicas”, “relações” ou “sistemas”, surge um novo elemento, que “[...] mesmo sendo profundamente diferente, [...] apóia-se completamente sobre o antigo em sua ela- boração, mas, assim fazendo, transforma-o profundamente” (SCHNEUWLY, 2004, p. 34).

Os reflexos dessa perspectiva para o ensino da produção textual referem-se à ne- cessidade de se formular estratégias didáticas progressivas, intencionais e “faseadas”, conforme Carvalho (2001). Para este autor, mais do que a prática, ou o exercício em quantidade, como se apregoa, é fundamental que o aprendiz seja capacitado por meio de

73 “Advertising has turned the process of writing into an art form, where writers constantly compete for

attention not only by innovative use of language but also by the creative use of traditional expressions and clichés, which are often shunned by good writers in other forms of discourse”.

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treinamento “setorial”, permitindo-lhe dominar, em etapas, a situação de comunicação tanto quanto as operações de textualização retoricamente apropriadas. Nesse sentido, as “formas básicas” supracitadas, independentemente de pertencerem a uma categoria de gêneros primários ou secundários, deverão representar modelos de menor complexida- de, cujas regras de funcionamento precisam ser dominadas pelos iniciantes, explica Bronckart (2007, p. 216). Porém, complementa, quando o escritor “se torna um expert, [...] será, quase que necessariamente, levado a modificar as regras de funcionamento dos discursos (e, portanto, a perturbar as classificações e as teorias sabiamente elaboradas pelos pesquisadores)”. Tal premissa, aliás, atende não apenas a demandas didáticas, mas serve, igualmente, para que Bhatia (1993) se defenda da acusação de que os postulados da sociorretórica seriam prescritivos: segundo ele, a inovação, por meio da subversão, da transgressão, só é possível quando se tem pleno conhecimento do padrão que se pre- tende subverter.

A destreza composicional em um campo específico de atuação profissional, dis- ciplinar ou institucional, demonstrada por membros experientes da comunidade capazes de elaborar híbridos genéricos legítimos, origina o que Bhatia (1997, 2004) chama de competência75 discursiva. Esta representa o conjunto de habilidades demandadas para atuarmos tanto em contextos profissionais bem definidos quanto em outros, sócio- culturais, mais amplos. Trata-se, possivelmente, de um dos conceitos em que a sociorre- tórica revela maior potencial de aplicação ao ensino da produção textual. Constitui-se de três subcategorias de competências: a textual, a genérica e a social. A primeira abarca a capacidade de lidar com o código linguístico, “[...] mas também uma habilidade de usar o conhecimento textual, contextual e pragmático para construir e interpretar, de modo contextualizado, textos apropriados” (BHATIA, 2004, p. 144).76 Vai além de categorias como coesão e coerência ou a gramaticalidade, incorporando a adequação ao que é acei- to em termos sócio-culturais.

Já a competência genérica refere a “[...] habilidade de responder a situações re- tóricas recorrentes e novas pela construção, interpretação, uso e, frequentemente, explo-

75 Bhatia (2004, p. 143) adverte quanto ao fato de que termos como “competência” e “desempenho”

encontram-se muito atrelados ao âmbito do gerativismo; e que, além disso, o conceito de “competência comunicativa”, caro à sociolinguística, não atenderia sua proposta por ser “muito geral”, carecendo de especificações disciplinares mais precisas, não abrangendo, dessa forma, aspectos profissionais ou institucionais. Os termos, portanto, afastam-se desses enquadres.

76 “[...] but also an ability to use textual, contextual and pragmatic knowledge to construct contextually

ração de convenções genéricas encaixadas em culturas e práticas disciplinares específi- cas para alcançar fins profissionais” (BHATIA, 2004, p. 144). Tal noção, segundo Bha- tia, mantém estreita relação com o conceito de integridade do gênero, sendo que ambas expressam, significativamente, a medida da perícia profissional. Em outros termos, quanto maior o domínio da integridade, mais “genericamente competente” e, por conse- guinte, mais qualificado estará o escrevente para exercer uma dada função. Por fim, a competência social denota a desenvoltura em usar a linguagem de modo mais amplo para participar numa variedade de circunstâncias sociais e institucionais, visando “dar expressão à identidade social de alguém, no contexto de estruturas e processos sociais constrangedores”.77

Ao analisarmos as propriedades da competência discursiva, identifica-se um pa- ralelo com o que Beaugrande (1978, p. 5) denomina “competência criativa”. Sem se restringir a uma “competência poética”, limitada ao âmbito artístico, ressalva o pesqui- sador, esta habilidade diz respeito às “estratégias de flexibilização” utilizadas para lidar, por exemplo, com recursos de ordem léxica e gramatical, podendo ser “convocadas quando requisitadas num dado contexto” (grifo nosso). Algo que evidencia a situaciona- lidade da transgressão – assim como o sentido não está encerrado no signo, o mesmo vale para a inovação: a questão se refere não ao que, mas como se utilizam os instru- mentos elementares, de maneira contextualizada. Trata-se, assim, concordando com Coe (1987, p.21), de se ensinar tanto as “formas básicas que constituem condição de acesso ao discurso profissional” quanto de se “discutir essas formas [...] em termos de suas funções em vários processos de escrita [...]: como elas servem (ou limitam) o processo criativo”.78

Resultado da combinação harmoniosa de múltiplas habilidades, a produção tex- tual envolve desde questões mais amplas, de natureza sócio-ideológica, até outras me- nos abrangentes, retórico-situacionais, pragmáticas e imediatas, chegando à mobilização de recursos cotextuais que interferem na textualização. Assim, o processo composicio- nal, em especial nas esferas disciplinares específicas, requer, adicionalmente, uma com- preensão da cultura na qual são elaborados e onde circulam os escritos em questão – até para que se conheça os “graus de tolerância”, ou limites de transgressão à integridade

77

“[...] to give expression to one’s social identity, in the context of constraining social structures and social processes”.

78 “[...] basic forms which constitute a condition of access to professional discourse”; “[...] discuss these

forms […] in terms of their functions, in various writing processes […]: how they serve (or limit) the creative process”.

genérica, naquela comunidade de usuários. Um desafio particularmente complexo em se tratando de gêneros que, amplificando a propensão à inovação intrínseca às classes de eventos comunicativos, nos termos de Bhatia (1997), têm na própria essência o impera- tivo de se renovarem cotidianamente. Nos capítulos seguintes, examinaremos o univer- so da mídia, do jornalismo e de sua modalidade televisiva, campo de alta competitivida- de no qual o escrevente deve lidar com a paradoxal demanda de se conservar inscrito numa bem estabelecida tradição e, ao mesmo tempo, provocá-la, tendo em vista um produto intencionalmente sempre novo.

4. JORNALISMO, TELEVISÃO E O CONTEXTO DOS GÊNEROS NO TELEJORNALISMO

Produtos da interação social em contextos situados; artefatos culturais condicio- nados por uma vasta e cronologicamente remota malha intertextual tecida no curso da história, bem como pela intenção de falantes e escreventes que participam de comuni- dades específicas; dinâmicos, flexíveis, mas também convencionais e reconhecíveis em sua superficialidade aparente. A teorização acerca dos gêneros, à qual procedemos ante- riormente neste trabalho, enseja a identificação de certas características dos mesmos, independentemente da pretensa complexidade que comportem. Algo, como viemos de- monstrando, bastante distinto das tão questionadas categorizações com base exclusiva- mente em traços formais. Seja um diálogo entre vendedor e comprador, um jingle inse- rido na programação radiofônica, uma intimação judicial ou um uma palestra acadêmi- ca, qualquer evento comunicativo é definível a partir de critérios distintivos – os quais, uma vez reunidos de maneira igualmente criteriosa, permitem uma caracterização razo- avelmente precisa. Se a estrutura discursiva superficial está longe de deter exclusividade nesse processo, há que se buscar suas origens, seu complemento, o entorno que lhe con- fere significado.

Mirando o objetivo de proporcionar estratégias para o aprendizado de um gênero textual num contexto profissional – respectivamente, a matéria jornalística televisiva e o telejornalismo –, optamos por um aporte teórico e metodológico no qual a escrita en- contra-se visceralmente atrelada às circunstâncias sociais e situacionais em que ocorre. Conforme já discutido, a sociorretórica, nas últimas duas ou três décadas, vem consoli- dando uma tradição de pesquisas nas quais se têm desenvolvido instrumentos que con- tribuem para o trabalho do analista engajado nessa perspectiva didática. Porém, foi mais especificamente na vertente elaborada por Bhatia (1993, 2005), como se pretende sus- tentar ao longo desta tese, que o arcabouço conceitual em questão apresentou mais ele- mentos para abordar um gênero que, a ser detalhado nas páginas a seguir, carrega em sua essência constitutiva a necessidade de ser sempre novo, ainda que verse sobre o que nem sempre é inédito. Ao mesmo tempo, ademais, não pode abrir mão de sua integrida- de genérica, caso em que comprometeria sua identidade, seu propósito comunicativo e, por conseguinte, a credibilidade do produto jornalístico. Pretendemos começar a eluci- dar essa conexão neste capítulo, investigando a cultura televisiva e a concepção históri-

ca do jornalístico, e no próximo, ao examinarmos os gêneros telejornalísticos. Neste percurso, tencionamos nos precaver para que não nos desviemos do foco de nossos inte- resses, isto é, as implicações de todos esses fatores para produção textual de matérias apropriadas às condições do jornalismo televisual.

A tarefa central de que nos incumbimos no capítulo presente, contudo, é outra: caracterizar o desenvolvimento do domínio discursivo do jornalismo, no qual noções como a de objetividade adquiriram prevalência, e de onde provém um conjunto especí- fico de gêneros jornalísticos, bastante difundidos na cultura contemporânea. Demonstra- remos como fatores de natureza histórica, sócio-política, econômica e tecnológica con- correram para a configuração desses eventos comunicativos vinculados ao que, generi- camente, convencionou-se chamar de imprensa – inicialmente nos diários impressos, e por fim na televisão, mídia que constitui nosso objeto de estudo e na qual o propósito de informar encontra-se indissociável daquele de entreter. Busca-se, portanto, contextuali- zar o ambiente no qual ocorrem, por exemplo, a notícia, a reportagem, a entrevista e outros produtos midiáticos visando fundamentar a elaboração de estratégias de escrita da matéria televisiva, meta do próximo capítulo.

Desta feita, delimitaremos, num instante inicial, o que se entende por gêneros jornalísticos conforme as classificações e considerações disponíveis na literatura acerca do assunto, a de comunicação social – de acordo com a segunda recomendação metodo- lógica de Bhatia (1993, p. 22). A intenção será fazer comparações com outras categorias televisivas e jornalísticas correlatas e, com isso, especificar com maior precisão possível do que se trata este que analisaremos, isto é, a matéria. Para tanto, recorreremos aos procedimentos adotados por Bonini em dois de seus trabalhos (2003; 2009). No primei- ro, em que esquadrinha o modo como o tema é abordado em publicações da própria área do jornalismo, o pesquisador defende que, para se estudar um gênero, é necessário ela- borar um inventário de todos os demais. Aponta, então, duas razões para isso: uma delas é que “a análise é, em alguma medida, sempre contrastiva”; a outra, que “a ocorrência dos gêneros nos textos do jornal não se dá em unidades facilmente delimitáveis. Os tex- tos apresentam um alto índice de imbricações intergêneros” (BONINI, 2003, p. 208). Não obstante estejamos lidando com outra mídia,79 e que o suporte comunicativo, como veremos, também figure entre os elementos constituintes de um gênero, supomos ser

No documento marcelhenriqueangelo (páginas 74-84)