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Gêneros e a sociorretórica em John Swales

No documento marcelhenriqueangelo (páginas 37-48)

2. O CONCEITO DE GÊNERO: EVOLUÇÃO E DIVERSIFICAÇÃO

2.4. Gêneros e a sociorretórica em John Swales

A superação das teorias de gêneros sob orientação exclusivamente taxonômico- formalista, conforme discutido na seção anterior, estabeleceu-se de modo consideravel- mente sólido nos territórios estadunidense e australiano. Contudo, é ponto pacífico que não apenas duas, mas na verdade três tradições nesse campo de estudos foram consoli- dadas (HYON, 1996 citada por SWALES, 2009). Brevemente, mencionamos alguns pressupostos da Escola de Sidnei, guiada pela linguística sistêmico-funcional; em para- lelo, delineamos os principais conceitos apresentados por Miller (1984, 1994) – os quais viriam a causar tamanho impacto que a tornaria o epicentro de toda uma corrente de pesquisas, a Nova Retórica norte-americana (ARTEMEVA, 2008).

Uma terceira vertente, porém, igualmente originária dos Estados Unidos, defini- ria sua própria identidade na investigação dos gêneros textuais sem se afastar do abrigo comum que, via de regra bastante genericamente, é denominado como sociorretórica. Trata-se dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Inglês para Fins Específicos (ESP),27

uma “ponte” entre as tradições retóricas e linguísticas cujo foco é o “estudo e ensino de variedades especializadas do inglês, mais frequentemente para falantes não-nativos do inglês, em cenários acadêmicos e profissionais avançados” (BAWARSHI; REIFF, 2010, p. 41).28 Entre seus representantes mais notórios estão John M. Swales, em prin-

27 Do inglês English for Specific Purposes. Optamos por manter a sigla proveniente da língua inglesa

devido a sua maior disseminação no meio acadêmico.

28 “[…] studying and teaching specialized varieties of English, most often to non-native speakers of Eng-

cípio, e, numa etapa posterior, Vijay Bhatia, cujos repertórios conceituais se tornarão, a seguir, objeto de nossas atenções com maior profundidade.

Passemos, então, ao exame das origens e, em seguida, das bases fundadoras da que também se convencionou denominar sociorretórica29. Segundo Hemais e Biasi-

Rodrigues (2005), foi interessado, acima de tudo, nas questões ligadas à eficácia do en- sino que Swales elaborou seu conceito de gênero. Já nas primeiras linhas da que seria considerada sua obra mais influente, Genre Analysis – English in Academic and Rese- arch Settings (2005),30 encontra-se explicitada a intenção central do trabalho, a saber, a elaboração de uma abordagem que favorecesse o ensino do inglês acadêmico e a pes- quisa. Algo que, para o autor, encontra-se diretamente ligado à noção de gênero, mas também de comunidade discursiva e de tarefa de aprender línguas.

O conceito de gênero em Swales, como adverte o próprio autor, rechaça perspec- tivas que o tratam como fórmula textual, considerando a fragilidade dessa proposta tan- to para o ensino quanto para a teoria sobre o assunto. Para chegar à concepção final, procede à verificação de possíveis contribuições oriundas de quatro campos de investi- gação distintos, a saber: os estudos folcloristas, os literários, os linguísticos e os retóri- cos. Do folclore provém a capacidade de enxergar o gênero em termos de classificação, de categoria, algo importante no universo da pesquisa por funcionar como um arquivo de textos. A isso se soma o “valor cultural” dessas categorias: mitos, lendas e contos cumprem propósitos específicos para a comunidade que deles faz uso. Disso decorre que “as percepções da comunidade sobre como um texto é genericamente interpretado são de considerável importância para o analista” (SWALES, 2005, p. 36).31

Os estudos literários, não obstante as críticas que ensejam, conforme citado pá- ginas atrás, foram igualmente fonte de subsídios para Swales em seu conceito de gêne- ro. Não deixa de ser curioso imaginar que justamente o argumento sustentado em meio ao ideário crítico do Romantismo para negar os gêneros – ou, pelo menos, a eles atribuir um caráter cerceador – viria a servir como justificativa para a existência dos mesmos. “Por um lado, a transgressão, para existir, requer regulamentos para serem transgredi- dos. Por outro, as normas só conservam visibilidade e vitalidade ao serem transgredi-

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A associação entre a produção científica de Swales e Bhatia e a sociorretórica é observada em trabalhos brasileiros como os de Bonini (2002), Hemais e Biasi-Rodrigues (2005) e Silveira (2002), entre outros.

30 Trata-se do clássico publicado em 1990, mas em sua 11ª edição, de 2005.

31 “[...] a community’s perceptions of how a text is generically interpreted are of considerable importance

das” (SWALES, 2005, p. 36).32 Em outras palavras, é na exata medida em que se nega o gênero por meio das manifestações artísticas que se está confirmando sua presença, sua influência.

A linguística, igualmente, municiou o pensamento de Swales sobre gêneros de maneiras diversas - muito embora, observa o pesquisador, também entre os linguistas houvesse resistências ao assunto, fazendo com que o termo só fosse encontrado entre estudiosos de orientação sistêmica ou etnográfica. Destes, inclusive, surge o paralelo entre gênero e evento comunicativo, fator de imprescindível relevância tanto no concer- nente à teoria quanto à metodologia de pesquisa para os trabalhos da sociorretórica. Ou- tro ponto de apoio vem da LSF, particularmente no conceito de registro, ou “variação funcional da linguagem” (SWALES, 2005, p. 40),33 tipicamente analisada em termos das variáveis campo, relação e modo propostas por Halliday e Hasan (1985, p. 12) co- mo constituintes do contexto de situação. Campo, segundo esses autores, refere-se à natureza social e institucional em ação por meio da linguagem: “em que os participantes estão engajados, em que a linguagem figura como um componente essencial?”.34 Já re- lação diz respeito aos participantes da interação, seus papéis e status. Por fim, o modo tem a ver com a mídia utilizada, a organização retórica e os recursos de linguagem utili- zados. Swales enfatiza que gênero e registro são coisas diferentes. Enquanto estes últi- mos guardam maior proximidade com “escolhas estilísticas mais generalizáveis” (lin- guagens científica, jornalística, burocrática etc), aqueles designam estruturas mais com- pletas (relatório de pesquisa, notícia, comunicado interno, entre outros). Mesmo assim, já se evidencia um aspecto relevante, dado que, a partir desse prisma, legitima-se a po- sição de que o gênero deve ser considerado como algo crucial para se alcançar objeti- vos. Com isso, sintetiza as contribuições provenientes da linguística em três itens: gêne- ros passam a ser vistos como a) “tipos de eventos comunicativos dirigidos por metas”; b) detentores de “estruturas esquemáticas”; e c) “dissociados a registros ou estilos” (SWALES, 2005, p. 42).35

32 “For one thing, transgression, in order to exist, requires regulations to be transgressed. For another, the

norms only retain visibility and vitality by being transgressed”.

33

“functional language variation”.

34 “[...] what is it that the participants are engaged in, in which the language figures as some essential

component?”

35 “[...] (a) genres as types of goal-directed communicative events; (b) genres as having schematic struc-

Finalmente, os estudos da retórica também fornecem recursos a Swales – que buscou elementos tanto nas reflexões aristotélicas quanto em versões mais atuais, como no caso das discussões propostas por Miller (1984; 1994), especialmente em sua visão de gênero como ação social. É então que se configura com maior precisão a noção de sociorretórica, como explica Bonini, ao afirmar que “em toda a discussão recente sobre o tema, são utilizados, de algum modo, tanto o aparato descritivo dos retóricos clássicos quanto a analítica sociointerativa de Bakhtin” (2002, p. 16). Assim, fica novamente de- monstrada centralidade do contexto histórico para a definição do gênero, cuja análise deixa de ter “necessariamente algo a ver com construir uma classificação” (SWALES, 2005, p. 44, grifo do autor).36

Munido desse arcabouço teórico, Swales então resumiu as contribuições men- cionadas de tal maneira que lhe permitiria criar um “conceito funcional” de gênero. Uma definição consoante com as perspectivas apresentadas, portanto, deve ter em conta uma desconfiança das classificações ou do prescritivismo irrefletido; um senso de que os gêneros são importantes para articular passado e presente; o reconhecimento de que os gêneros são situados dentro de comunidades, nas quais as crenças e as nomenclaturas propostas pelos membros são relevantes; o interesse na estrutura genérica e em sua ra- zão fundamental; e entendimento da dupla capacidade gerativa dos gêneros: estabelecer metas retóricas e promover seu cumprimento (SWALES, 2005, p. 45).

Surgem, por conseguinte, condições mais apropriadas para uma definição de gênero que abranja, fundamentalmente, o contexto cultural em que o discurso é produ- zido, uma comunidade de usuários da linguagem, propósitos comunicativos a serem alcançados por intermédio discursivo e uma configuração retórica propícia a isso (HE- MAIS; BIASI-RODRIGUES, 2005). Muito mais do que uma forma canônica, portanto, trata-se de um evento comunicativo, no qual, de acordo com Swales (2005, p. 45), a linguagem exerce um “papel significante e indispensável”.37 No entanto, alerta o estudi- oso, é preciso ter em conta que nem toda manifestação verbal corresponde a um evento comunicativo: é o caso, por exemplo, de atividades em que a fala é meramente inciden- tal, irrefletida, como a de exercícios físicos ou afazeres domésticos. Logo, devem cons- tituir uma classe específica. Ademais, para configurar um gênero, é imprescindível que

36 “[...] necessarily has something to do with constructing a classification of genres”. 37

os eventos em questão sejam recorrentes. Do contrário, é necessário que sejam muito relevantes para a cultura a pontos de se lhe conferir um status genérico.

Tal “classe de eventos comunicativos” recorrentes representa a primeira caracte- rística dos gêneros no conceito de Swales. A segunda, provavelmente a mais importan- te, é que eles tenham um conjunto compartilhado de propósitos comunicativos – critério pelo qual é possível converter “uma coleção de eventos comunicativos em um gênero” (SWALES, 2005, p. 47). É o que motiva a ação e, além disso, encontra-se vinculado ao poder. Em alguns casos, a intenção vinculada ao gênero é mais evidente – caso de um habeas corpus, um folheto publicitário ou uma receita culinária, no exemplo do próprio autor. Nem sempre, porém, a identificação do propósito constitui tarefa simples, visto que um gênero pode comportar vários propósitos, embora um olhar menos equipado analiticamente nem sempre seja capaz de percebê-los. Swales menciona as reportagens televisivas, que mesmo sendo “indubitavelmente” concebidas para informar aconteci- mentos no mundo, podem comportar outros intuitos, como o de moldar a opinião públi- ca, organizar o comportamento de uma multidão em situações de emergência. Como veremos adiante, são estratégias que Bhatia (1993) batizou de “não-discriminativas”, utilizadas para alcançar objetivos diversos sem ferir as convenções genéricas. Por outro lado, a dificuldade em questão se deve também ao fato de que um mesmo propósito pode atribuído a outro gênero, situação em que nos encontramos diante de um caso de intergenericidade (MARCUSCHI, 2008, p. 165).38

Além disso, nem sempre, de acordo com Swales, deve-se atribuir ao propósito o papel de critério principal na caracterização de um gênero. Basta mencionar as poesias, cuja abertura polissêmica torna imprecisa a identificação dos propósitos que lhes são inerentes. “Poemas, e outros gêneros cujo apelo reside no prazer verbal que proporcio- nam, podem assim ser separadamente caracterizados pelo fato de que eles desafiam a atribuição de um propósito comunicativo” (SWALES, 2005, p. 47).39 Essa centralidade do propósito viria a ser questionada em maior profundidade pelo próprio pesquisador posteriormente (ASKEHAVE; SWALES, 2001). Numa releitura da proposta inicial,

38 Quando propriedades de um gênero se mesclam às de outro. Exemplos habituais provêm da

publicidade, que com frequência “mascara” os propósitos comunicativos de uma publicação (vender) por trás de outros aparentemente mais isentos, como o de informar – em produções aparentemente

jornalísticas. Tal fenômeno guarda semelhanças com a questão da colonização de gêneros, a ser abordada no próximo capítulo.

39 “Poems, and other genres whose appeal may lie in the verbal pleasure they give, can thus be separetely

sugeriu-se que não mais se conferisse ao propósito a proeminência antes defendida. Em vez disso, mais apropriado seria um equilíbrio relativamente aos demais critérios – co- mo o conteúdo, o estilo e a estrutura. Ademais, nessa nova perspectiva, a orientação passa a ser a de trabalhar os propósitos não como critérios instantâneos, indutivamente, e sim deduzi-los com base na investigação do contexto. Dessa forma, seria possível al- cançá-lo através de um exercício de “repropósito” (repurposing), neologismo interpre- tável como “retomada e confirmação do propósito” (BIASI-RODRIGUES; BEZERRA, 2012, p. 231).

Um terceiro fator relacionado por Swales (2005, p. 49) é que “os exemplares ou instâncias dos gêneros variam em suas prototipicalidades”.40 Isso significa que um texto poderá ser classificado como sendo de um gênero caso possua traços especificados na definição daquele gênero. Estudos modernos de categorização e cognição a que o pes- quisador recorreu fundamentam essa posição, a partir da qual os membros mais típicos de uma categoria são tidos como os protótipos. Ao mesmo tempo em que sugere uma relativa flexibilidade do protótipo – e não uma identificação plena e restritiva, como a das abordagens formalistas – essa característica é também uma demonstração de que os aspectos formais e estruturais não devem ser deixados de lado.

A “razão fundamental”, ou “lógica interna”, é a quarta característica dos gêneros. “O reconhecimento dos propósitos provê a racionalidade, enquanto que desta emergem as convenções restritivas” em termos de conteúdo, posicionamento e forma (SWALES, 2005, p. 53). Trata-se daquilo que estabelece regulamentos, de um lado, e, de outro, licencia a ação por meio de um gênero, já que o cânone pode sempre ser desafiado, em- bora mesmo assim siga “exercendo influência”. Novamente ressoa a ideia de estabilida- de relativa dos enunciados, de Bakhtin (2000), para a qual concorre a dualidade inerente aos gêneros, sempre portadores de uma integridade constitutiva e, ao mesmo tempo, uma propensão à inovação (BHATIA, 1997, p. 630).

De inspiração etnográfica, a quinta característica dos gêneros diz respeito à ter- minologia utilizada pela comunidade discursiva (CD) para seu próprio uso. Em que pese o aparente paradoxo dessa afirmação, é admissível que este seja considerado, si- multaneamente, um dos mais produtivos e contestados conceitos utilizados por Swales. Por esse motivo, é razoável que o mesmo seja discutido.

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Em suas reflexões iniciais sobre o assunto, o autor reconhece a dificuldade envolvida em definir uma CD, especialmente no que diz respeito ao estabelecimento de critérios. O termo seria utilizado com frequência entre pesquisadores que trabalham o ensino da escrita sob uma perspectiva social, sem que, no entanto, houvesse clareza ou consenso em seu emprego. Assim, Swales defende a necessidade de delimitar a referida noção – o que começa a fazer comparando as CDs às comunidades de fala que integram o univer- so de pesquisa da sociolinguística. Nestas, por exemplo, o comportamento linguístico é determinado por fatores relacionados à coesão social, como a solidariedade do grupo. Uma CD, por sua vez, tem uma natureza sociorretórica, ou seja, nela as convenções linguísticas adotadas entre seus participantes derivam de sua funcionalidade: são ins- trumentos para alcançarem objetivos. Outra diferença é que, enquanto os representantes de uma comunidade de fala “herdam” essa condição, na CD os membros são recrutados “por persuasão, treinamento ou qualificação relevante” (SWALES, 2005, p. 24).41 Em suma, a primeira categoria apresenta maiores semelhanças com as comunidades taxo- nômicas criticadas por Miller (1994), as quais carecem de legitimidade haja vista que são constituídas “de fora para dentro”, sob o olhar do analista, não sendo reconhecidas pelos membros da comunidade. Já a noção de CD diz respeito a grupos que reúnem in- tegrantes a partir de interesses específicos, em razão do que estão mais próximas das comunidades retóricas propostas por Miller, mencionadas acima.

Dessa forma, Swales passa à apresentação de seis características “necessárias e suficientes” para que um grupo de indivíduos possa ser reconhecido como uma CD, sintetizadas abaixo:

É preciso que tenha um conjunto de objetivos públicos em comum – ou seja, que seus integrantes compartilhem metas específicas, as quais poderão ser formalmente do- cumentadas (como no caso de associações ou clubes) ou circularem “tacitamente”;

Seus membros devem dispor de mecanismos de intercomunicação;

Esses mecanismos devem ser utilizados primariamente para prover informação e feedback, com isso revigorando e atualizando a CD;

Os integrantes também precisam utilizar um ou mais gêneros para alcançar suas metas e promover a participação;

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Em seu interior circula uma terminologia específica, definidora de identidades sociais na medida em que exclui, automaticamente, aqueles que desconhecem o léxico compartilhado;

A existência de níveis hierárquicos em que o ingresso e a ascensão se dão por in- termédio de membros mais experientes do grupo.

Em que pese a consistência teórica que sustenta o conceito de CD, a noção foi bastante criticada entre pesquisadores, especialmente por ser considerada demasiado “utópica, hegemônica, estável e abstrata” (DEVITT; BAWARSHI; REIFF, 2003, p. 541).42 Para estes autores, a CD concebida por Swales dificilmente corresponderia à realidade, visto que parte do pressuposto da existência de um consenso relativo aos pro- pósitos compartilhados que não refletiria a verdadeira experiência dos integrantes da comunidade. Outra limitação, explicam Hemais e Biasi-Rodrigues, refere-se ao fato de a CD ser aplicável apenas às comunidades já formadas, resultantes de uma intenção mani- festa de constituir um grupo. “Além disso, comunidades na fase embrionária ou em transição não têm gêneros que as identifiquem porque os traços linguísticos são instá- veis” (HEMAIS; BIASI-RODRIGUES, 2005, p. 117).

Todas essas ressalvas, contudo, não impediram que se empregasse o conceito em estudos posteriores – ainda que com adaptações pertinentes – particularmente na esfera acadêmica, como em análises de organizações retóricas de resumos (BIASI- RODRIGUES, 2009) e de resenhas (ARAÚJO, 2009). Houve também incursões inves- tigativas em comunidades exteriores ao universo científico, como a jurídica (CATUN- DA, 2009) e até ambientes virtuais utilizados em reuniões de alcoólicos anônimos (BERNARDINO, 2009). Nessa linha extra-acadêmica também se encontra o trabalho de Bonini (2002, p. 156), acerca dos gêneros com os quais lidam os jornalistas, como a notícia e a reportagem. Em princípio, nesta publicação, são apontadas fragilidades con- ceituais na CD, particularmente no tocante a sua aplicabilidade em circunstâncias nas quais não ocorre compartilhamento de objetivos (uniformidade temática) e a detenção de mecanismos de comunicação (dialogismo direto). Enquanto numa CD composta, por exemplo, por cientistas, que interagem por meio de relatórios técnicos, a noção encontra maior compatibilidade, um contexto de “alto reinvestimento discursivo” e “baixa rever- sibilidade” (feed back) como o do jornalismo já requer uma reformulação que dê conta

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dessas variáveis não previstas nas reflexões de Swales. Com isso, Bonini propõe o que chamou de “comunidades discursivas complexas”, nas quais os gêneros são “transco- munitários”, à maneira daqueles produzidos no âmbito da comunicação massiva - publi- cidade, notícias, entre outros – sendo, portanto, direcionados a públicos que não divi- dem propósitos comunicativos.

Tais colocações, não obstante o teor contestatório que apresentem, corroboram tanto a relevância da noção de CD para estudos da linguagem quanto sua versatilidade. Trata-se de um elemento imprescindível para a ideia de gênero em Swales, a qual, em- bora em sua gênese bastante atrelada à esfera acadêmica, tornou-se propulsora de um leque significativamente variado de pesquisas. Por isso, e tendo em mente o que se dis- cutiu, cabe apresentar o conceito integralmente, nas palavras do autor, para quem gêne- ro compreende

Uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares compartilham os mesmos propósitos comunicativos. Esses propósitos são reconhecidos pelos membros mais experientes da comunidade discursiva original e constituem a razão do gênero. Esta molda a estrutura esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O propósito comunicativo é o cri- tério ao mesmo tempo privilegiado e que faz com que o escopo do gênero mantenha-se focado estreitamente em certa ação retórica comparável. Além do propósito, exemplares de um gênero exibem vários padrões de similarida- de em termos de estrutura, estilo, conteúdo e audiência. Se todas as expecta- tivas em torno do que é altamente provável para o gênero forem realizadas, o exemplar será visto pela comunidade discursiva original como um protótipo. Os gêneros têm nomes herdados e produzidos pelas comunidades discursivas e importados por outras comunidades, os quais constituem uma comunicação etnográfica valiosa, mas tipicamente precisam de validação adicional (SWA- LES, 2005, p. 58).43

Na terceira parte de Genre Analysis, Swales passa, então, à aplicação desse con-

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