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Gêneros textuais no telejornalismo

No documento marcelhenriqueangelo (páginas 151-156)

3. GÊNEROS E PRODUÇÃO TEXTUAL: ENTRE PADRÕES E

5.4. Gêneros textuais no telejornalismo

Uma vez que delineado o contexto mais amplo de produção televisiva, os ele- mentos do discurso jornalístico transportados para a televisão e algumas especificidades técnicas da linguagem audiovisual, simplifica-se o entendimento dos gêneros no telejor- nalismo como recorrência comunicativa em situações típicas ou, na nomenclatura so- ciorretórica, forma de ação social. Nesta seção, que encerra o capítulo, o intuito é des- crever as categorias da modalidade informativa, na segmentação sugerida por Rezende (2000), articulando os elementos previamente apresentados.

5.4.1 Notas secas e cobertas

O gênero mais simples mencionado na literatura pesquisada é a nota seca, i- gualmente denominada “nota pelada”. Trata-se do texto lido pelo jornalista que apresen- ta o telejornal ao vivo, sem qualquer recurso de imagens externas – no máximo, sendo complementada por caracteres expostos na tela ou outros recursos gráficos. Por sua simplicidade, é a categoria mais “radiofônica” presente nos telejornais, na medida em que a câmera “fixa no apresentador não acrescenta nenhum dado novo, complementar (COUTINHO, 2003, p. 120). Distingue-se sutilmente de outro gênero, a nota coberta,132 devido principalmente ao fato de que, nesta, usa-se imagens captadas no exterior – que “cobrem” a nota também pronunciada por quem estiver à frente da apresentação. Logo, observa-se nesse caso uma primeira manifestação de ruptura com determinismo midiáti- co que limitava os noticiários de tevê a um padrão muito próximo daquele praticado em rádio. Além de ouvir, o espectador passa a poder ver o que aconteceu. Como pontua Coutinho (2003), os textos das notas cobertas, a exemplo de suas congêneres “secas”, é bastante breve, restringindo-se a oferecer as respostas às perguntas do lead (“o quê?”, “quem?”, “quando?” etc.).

Haja vista que sua utilização é marcada pela brevidade, pode-se depreender ao menos um propósito para os dois tipos de notas: relatar sucintamente. Não há uma preo- cupação em aprofundar, considerando-se, além da extensão diminuta, a inexistência de sonoras. A sequência de apresentação de uma nota coberta, dessa forma, resume-se ao apresentador introduzindo o texto durante alguns segundos, com uma cabeça, dando lugar a imagens pertinentes ao fato e, eventualmente, retornando ao estúdio para que, da bancada, o jornalista complemente a informação. Essa última etapa, entretanto, não é obrigatória.

132 Embora tenhamos situado o uso do off como instrumento enunciativo pertinente ao âmbito externo, da

5.4.2 Stand up e “ao vivo”

Os próximos gêneros resultam de uma situação de comunicação em que o repór- ter fala diante da câmera, como no recurso enunciativo da passagem. São eles o stand up e o “ao vivo”. Como o próprio nome sugere, o termo designa uma gravação na qual o jornalista, de pé no ambiente onde os fatos a serem noticiados ocorreram, pronuncia seu relato. A rigor, praticamente não há edição, visto que o material é gravado no padrão conhecido como plano-sequência, em que não há cortes, e o produto final pode, fre- quentemente, ser exibido logo que chega à emissora. Para Ivor Yorke (1998), as funções de um stand up, das quais poderíamos depreender os propósitos que lhe são vinculados, são estabelecer a presença do jornalista no local; a agilidade, já que sua elaboração não requer muito tempo; e a versatilidade, uma vez que pode ser o único recurso para trans- mitir uma notícia, dependendo das circunstâncias. As mesmas propriedades e utilidades estão vinculadas ao “ao vivo” ou “vivo”, como é denominado mais habitualmente nas redações, o qual, em poucas palavras, é uma espécie de stand up não-gravado, transmi- tido em tempo real, realçando o imediatismo dos acontecimentos e valorizando o produ- to jornalístico.

5.4.3 Grandes reportagens, reportagens e matérias televisivas: imprecisões

Enquanto os dois primeiros gêneros apresentados – as notas seca e coberta – integram o repertório pertinente ao âmbito da apresentação, o stand up e o vivo são ca- tegorias relativas ao universo exterior ao estúdio – terreno, portanto, da reportagem. Nenhum dos formatos já mencionados, porém, dispõe de prestígio equivalente ao da matéria televisiva e da grande reportagem, últimos representantes da modalidade in- formativa a serem caracterizados. Uma primeira razão para isso é justamente sua inclu- são entre as produções televisivas externas: como afirmam Motta, Costa e Lima (2004, p. 115), o repórter é a base do telejornal, e os gêneros associados a sua atuação profis- sional são predominantes nos noticiários. Além disso, matérias e reportagens são artefa- tos de maior complexidade que os stand up’s ou os vivos, que requerem pouca ou ne- nhuma edição e reúnem menos recursos de linguagem audiovisual: em vez de off’s, so- noras e outros elementos, esses gêneros se constituem essencialmente da presença do jornalista no vídeo, no máximo contando com a participação de um entrevistado. Tal

conjunto de fatores torna os dois eventos comunicativos restantes “objetos privilegiados de análise”, em razão da variedade enunciativa (COUTINHO, 2003, p. 126).

Até o momento, a descrição dos gêneros no telejornalismo informativo seguiu uma lógica de partir daqueles de menor complexidade para os de maior. Isso nos levaria a abordar, antes, as matérias televisivas e, em seguida, as grandes reportagens. Todavi- a, haja vista serem as primeiras nosso objeto de estudo, optamos por inverter a ordem de exposição de ambas, de maneira a enfatizar os aspectos distintivos da última.

A imprecisão terminológica é, mais uma vez, um complicador nesta etapa. As- sim como demonstrado por Bonini (2009) com relação à distinção entre notícia e repor- tagem no jornalismo impresso, impõe-se no telejornalismo um desafio similar de de- marcar as fronteiras entre os gêneros mais sofisticados, por assim dizer – e, ainda, esta- belecer conceitos razoavelmente eficientes. A solução oferecida pelo pesquisador brasi- leiro, de se adotar um contínuo em vez de categorias estanques, parece novamente apli- cável ou adaptável, o que poderia contribuir para o entendimento do funcionamento genérico; entretanto, a confusão referente à nomenclatura perduraria.

Vejamos, pois, como os termos são geralmente apresentados para, então, bus- carmos um meio de, se não dissolver matematicamente a vagueza que envolve a ques- tão, aproximarmo-nos de concepções nem tão nebulosas.

Conforme mencionado no último capítulo, a palavra reportagem aponta para significados bastante diversos, como a atividade de apuração, a equipe que dela partici- pa e um dos gêneros textuais empregados neste ofício. Possivelmente, o conceito seja ainda mais abrangente em telejornalismo. Para alguns autores (YORKE, 1998; RE- ZENDE, 2000; WHITE, 2008), significa algo equiparável à notícia impressa; já outros, como Coutinho (2003,) preferem uma utilização que evidencia uma proximidade com o homônimo dos jornais e revistas. Não parece, todavia, haver incompatibilidade entre as perspectivas, simplesmente o uso relativamente indiscriminado do termo – que abarca- ria os quatro tipos de reportagens elencados por Jean-Jacques Jespers (1998). A primei- ra, “de atualidade”, seria a mais atual, factual e imediata; a segunda, a “grande reporta- gem”, buscaria um maior aprofundamento da discussão – numa espécie de tematização; ainda menos temporal é o terceiro tipo, o “inquérito”, que por sua vez configura-se nu- ma escala mais próxima do telejornalismo diário que o “documentário de criação”. A proximidade mantida por este com a linguagem cinematográfica se revela no caráter autoral de suas produções, não sendo incomum a explicitação da subjetividade por meio

de verbos conjugados na primeira pessoa; ou ainda o encadeamento de sonoras que dis- pensa o relato dos repórteres, seja em off’s ou passagens. A polarização que realça a temporalidade das mensagens (BONINI, 2009) dividiria, nesse caso, gêneros mais “pe- recíveis” de um lado, representado pelas reportagens de atualidade – recorrentes no tele- jornalismo diário – e, no outro extremo, aqueles mais “atemporais” – esfera dos docu- mentários e de programas jornalísticos temáticos, como o Globo Repórter, da TV Glo- bo.

Sendo assim, postularemos a existência de duas categorias distintivas, em per- curso similar ao de Coutinho (2003), que prefere os termos matéria ou VT, de um lado, e reportagem, de outro. Basicamente, segundo a pesquisadora, os mesmos recursos são observados em uma e outra, como os off’s, as sonoras e a passagem. No entanto, “quan- do o material apresentado é resultado de um trabalho de investigação e/ou apuração mais aprofundado, indo além da cobertura apenas factual e oferecendo informação mais contextualizada, a matéria ou VT se converte em reportagem” (COUTINHO, 2003, p. 122). Diante, porém, de tantos conceitos, e no intuito de estabelecermos noções que não se confundam com as praticadas em outras mídias, procederemos a uma adaptação das expressões: em vez de apenas “reportagem”, faremos a opção por “grande reportagem”; e no lugar “matéria”, optaremos por “matéria televisiva” ou VT.

Contudo, a menção à sigla, originada da palavra videoteipe, poderia, uma vez mais, ins- taurar um dilema terminológico, visto que remete tanto à tecnologia quanto a um gênero textual. O termo, porém, deverá ser mantido como sinônimo de matéria televisiva, o que se justifica pelo uso que se faz do mesmo entre jornalistas. A denominação que os inte- grantes de uma comunidade discursiva empregam para os gêneros constitui relevante indício etnográfico para análises sociorretóricas, pondera Swales (2005), haja vista a instauração de barreiras entre os participantes ativos e experientes do grupo e aqueles que não o integram ou, ainda, não foram “iniciados” naquela cultura específica. Com efeito, nos ambientes das redações, é comum ouvir que o repórter está “fazendo uma matéria” ou “fechando um VT”, pelo que se infere que está realizando operações técni- cas, por meio de recursos enunciativos multissemióticos, para a construção textual de um exemplar genérico que cumprirá propósitos comunicativos no âmbito do telejorna- lismo informativo.

No documento marcelhenriqueangelo (páginas 151-156)