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O telejornalismo como segmento de atuação jornalística

No documento marcelhenriqueangelo (páginas 120-130)

3. GÊNEROS E PRODUÇÃO TEXTUAL: ENTRE PADRÕES E

4.4. O telejornalismo como segmento de atuação jornalística

Em 1.1, dissertamos sobre a natureza televisiva do telejornalismo examinando a cultura da televisão, o que se fez por meio de comparações com outras esferas de enun- ciação audiovisual massiva, como a ficção e a publicidade. Já em 1.2, após essa análise horizontal, demore início à vertical – ou, em outras palavras, a um foco longitudinal mais restrito ao jornalismo, no intuito de compreendermos determinados aspectos dessa atividade profissional e as razões por trás de certos padrões de linguagem a ela concer- nentes. Sendo assim, tendo em vista um direcionamento do enquadre investigativo para nosso objeto de estudo, a matéria televisiva, é chegado o momento de avançar nessa segunda etapa, intensificando a caracterização da comunicação telejornalística e, enfim,

102 “[...] pedagogical work, in this sense, should focus on the prototypical news (that is, factual) and on the

seus respectivos gêneros. Tencionando preservar uma coerência teórica e metodológica com o viés da sociorretórica, daremos, novamente, sequência à proposta de levar em consideração, nessa parte final do capítulo, aspectos que mantenham relação mais pró- xima possível com os propósitos comunicativos; o público receptor das mensagens in- formativas televisuais; e as implicações provenientes de conformações ao suporte mi- diático em questão. Uma quarta variável a ser vislumbrada, as recorrências pertinentes à superfície textual e à organização retórica, merecerá maior atenção no próximo capítulo – o que não necessariamente nos impedirá de tecer considerações genéricas já nesta parte, quando necessário.

É a partir das restrições impostas pela mídia televisiva à mensagem jornalística que optamos iniciar esta seção. A escolha se deve à manutenção do percurso histórico ao qual procedemos acima para descrever o desenvolvimento do discurso jornalístico. Além disso, antes que se possa discutir os propósitos, a audiência ou a estrutura discur- siva próprios do jornalismo eletrônico e seus gêneros na atualidade, supomos ser abso- lutamente imprescindível demonstrar que a consolidação desses fatores ocorreu, forço- samente, em face da evolução técnica que acarretou a definição de espaços de atuação próprios para o jornal, o rádio e a televisão. As demais condicionantes – propósito, or- ganização retórica e audiência – serão reintroduzidos no decorrer de nossa exposição.103

A ideia segundo a qual o surgimento de um novo meio de comunicação implica- ria a derrocada de outro já devidamente consolidado na sociedade e no mercado é das mais combatidas na história do pensamento comunicacional. Com efeito, sabe-se que a criação e a expansão do rádio não levaram a uma inevitável decadência do jornal, e que tampouco a televisão decretou o fim das transmissões radiofônicas. A rigor, como ex- plica Paul Levinson (1998), no lugar de “morte”, a palavra mais adequada seria adapta- ção. Dos mais proeminentes nesse campo de investigação científica, este pesquisador adverte que essa perspectiva equivocada não se limita às mídias “de massa”: ao contrá- rio do que se supôs em dado momento, outras formas de expressão, como a pintura, não sucumbiram ao avanço tecnológico proporcionado por ocasião da invenção da fotogra- fia – apenas mudaram. Logo, em vez de “morrer”, “o velho meio pode ser empurrado para um nicho em que possa ter melhor desempenho do que o novo [...] e em que, por

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A opção não deve ser entendida como o estabelecimento de uma hierarquia entre as condicionantes. Aqui, preferimos seguir o curso da evolução histórica das mídias eletrônicas, inclusive por acreditamos que a definição hodierna de propósitos comunicativos, estruturas textuais e público-alvo relativos aos gêneros televisuais somente ocorreu, em plenitude, depois de consolidado o padrão de tecnologia que lhes propiciou – com o advento do videoteipe.

isso, sobreviva, se bem que algo diferente do que era antes da chegada do novo” (LE- VINSON, 1998, p. 76).

O nascimento do rádio no final do século XIX e sua progressiva aceitação pelo público, nos anos de 1910 e 1920, dariam início a radicais transformações nos paradig- mas da comunicação social então hegemônicos. Pela primeira vez na história, um mes- mo pólo irradiador de informações seria capaz de atingir vastos contingentes populacio- nais sem que houvesse, sequer, a necessidade de os ouvintes saírem de casa. Além dis- so, ao contrário do leitor de jornal, a audiência não precisa ser alfabetizada, o que natu- ralmente, de imediato, ampliaria o potencial de alcance das transmissões, se comparadas à circulação dos periódicos. Some-se a isso o fato de que, conforme Levinson (1998, p. 118), a “proximidade pessoal e familiar” da difusão radiofônica “era mais do que sufici- ente para revolucionar o entretenimento e as relações políticas”. Por conseguinte, não tardaria que essa mídia se tornasse símbolo de uma era, em razão do impacto cultural e mercadológico que ocasionou com o espetáculo proporcionado pelos musicais, pela dramaturgia e pela cobertura jornalística de acontecimentos grandiosos, como as guer- ras. Nesse último aspecto, aliás, havia uma vantagem inequívoca sobre a imprensa de papel: o imediatismo informativo, dado que as notícias não precisavam mais esperar até o dia seguinte para serem consumidas. De todo modo, fosse nos noticiários ou não, o fato é que o rádio teve seu apogeu na metade inicial do século XX, com uma programa- ção marcada pelo entretenimento, gerado através de programas de auditório, radionove- las, humorísticos e pelo jornalismo (FERRARETO, 2007).

O destronamento do rádio desse posto de monopolizador do show midiático a- conteceria em meados da década de 1950, com o advento da televisão. Sob pena de fu- girmos a nossos propósitos, não nos cabe imiscuir-nos nas discussões em torno das con- sequências dessa mudança para a cultura radiofônica. Consideramos, entrementes, per- tinente delinear, mesmo que concisamente, como se deu a trajetória da veiculação ele- trônica de notícias, tanto em radiojornalismo quanto em tevê, a partir daí. No contexto brasileiro, em especial, esse registro se faz ainda mais relevante: enquanto, como apon- tam estudiosos, o telejornalismo norte-americano evoluiu com apoio na forte indústria cinematográfica daquele país, no Brasil, diferentemente, a principal influência sobre o noticiário televisivo veio do rádio (MATTOS, 2002; BERGAMO, 2010; MATTOS, 2010; REZENDE, 2010a).

Do mesmo modo que nos Estados Unidos, a programação nas rádios brasileiras foi asfixiada financeiramente pela concorrência com a TV, que tinha na imagem um diferencial competitivo e, ao mesmo tempo, um recurso mais propício ao tipo de atração até o momento exclusivamente radiofônica. Assistir aos programas de auditório e às novelas revelou-se uma diversão com maior audiência do que apenas ouvir esses gêne- ros (FERRARETO, 2007). Resultou disso uma gradual migração dos recursos publicitá- rios, técnicos e artísticos para a televisão (LEVINSON, 1998). Para não definhar em definitivo, a radiofonia precisou encontrar seu próprio nicho, investindo mais em músi- cas gravadas, transmissões esportivas, prestação de serviços e em jornalismo. Isto posto, o que, em suma, se constata dessas modificações foi a ocupação de espaços bem defini- dos por cada uma das mídias de massa. Como explica Ferrareto (2007), nos grandes centros urbanos o radiojornalismo passou a ter a função precípua de informar, haja vista sua agilidade nas veiculações; ao telejornalismo, devido à possibilidade do registro vi- sual, coube a tarefa de mostrar, até por conta de não poder concorrer, em celeridade, com as rádios; e, por fim, os jornais impressos e revistas, que chegariam ao consumidor de notícias com muitas horas de atraso, tiveram de se adequar para cumprir a demanda de explicar e aprofundar.104

O propósito, ou função, de “mostrar” viria a ser acompanhado por pelo menos dois outros atribuídos ao telejornal: informar e entreter. Se o jornalismo de tevê não seria capaz de competir em agilidade com aquele veiculado pelas rádios, nem por isso deveria – ou poderia – abrir mão de seu papel informativo, noticiando acontecimentos com o nível de “precisão” e “isenção” que se espera da imprensa, haja vista sua partici- pação no domínio discursivo jornalístico. Por outro lado, lembra Eugênio Bucci (1997), aos veículos de comunicação noticiosa não basta informar: o jornalismo “precisa cha- mar a atenção, precisa surpreender, assustar. Os produtos jornalísticos são produtos cul- turais e, nessa condição, fazem o seu próprio espetáculo para a platéia. Como se fossem produtos de puro entretenimento, buscam um vínculo afetivo com o freguês”. O interes- se da audiência, desta feita, não se limita à razão: “o receptor é igualmente seduzido pelo apelo emocional das notícias, uma vez que o telejornalismo privilegia os aconteci- mentos que dizem respeito a rupturas ou transgressão social ou a conflitos” (MOTTA; COSTA; LIMA, 2004, p. 116). Nisso residiria uma série de contradições imbricadas na

104 Tal paradigma viria a ser abalado pela popularização da internet, que, de uma só vez, se revelou capaz

de informar, mostrar, explicar e aprofundar os fatos. Contudo, quando a rede mundial se expandiu, na década de 1990, o modelo descrito já se encontrava consolidado.

prática do telejornalismo, que “ao mesmo tempo em que define a sua atividade a partir da objetividade, tem necessidade de transformar a informação em espetáculo como con- dição para alcançar/conquistar o seu público” (TEMER, 2010, p. 120).

Conforme será detalhado ao tratarmos particularmente das matérias televisivas, o impe- rativo de entreter o telespectador levou o noticiário de TV a se apropriar de elementos discursivos oriundos da dramaturgia, de modo a intensificar seu caráter espetacular, com reflexos empiricamente identificados ao nível da organização textual (COUTI- NHO, 2003). Deixaremos o detalhamento desse aspecto para o capítulo seguinte. Desde já, todavia, consideramos pertinente acrescentar as considerações de Ekström (2000) sobre as controversas relações, no contexto do telejornalismo, entre entretenimento e informação. Primeiramente, o pesquisador adverte que, se a missão da imprensa fosse exclusivamente a de informar, é possível que não tivesse alcançado o sucesso comercial de que dispõe. Dessa forma, defende que, além de sua função informativa, desempenha- da por meio da veiculação de informações relevantes, interessantes e confiáveis, o jor- nalismo também deve entreter – e o faz principalmente a partir de duas estratégias: a narratividade e a atração.105 A primeira diz respeito à ordenação narrativa dos textos nos telejornais, estudada por Coutinho (2003) em sua tese, e que seria decisiva para manter o telespectador interessado no que está assistindo. Já a segunda seria, antes, responsável por despertar essa atenção, na medida em que oferece algo “espetacular, chocante ou extraordinário o bastante” (EKSTRÖM, 2000, p. 467),106 seja em termos de conteúdo – relatos de crimes espetaculares, por exemplo – ou de forma – imagens assustadoras, edições aceleradas, entre outras possibilidades. A combinação da tríade informação- narratividade-atração representa, segundo Ekström, a chave para a capacidade que os jornais televisionados têm de gerar audiências na casa dos oito, ou até nove, dígitos.107 Contudo, até que todo esse savoir-faire se estruturasse de modo a alçar o telejornalismo ao prestígio e o poder de que dispõe hoje em dia, foi preciso que a tecnologia de produ- ção em TV se desenvolvesse. Em seus primórdios, o jornalismo em tevê não se diferen- ciava muito do radiofônico, a não ser pela imagem do apresentador que lia as notícias. No caso brasileiro, por exemplo, em sua primeira fase, correspondente à década de 1950, conforme a cronologia proposta por Rezende (2010a), por não haver como captar

105 Tradução livre dos termos “storytelling” e “attraction”. 106 “[…] spectacular, shocking or extraordinary enough”. 107

imagens externas, os noticiários se limitavam a enunciações oriundas do que, pela recor- rência, ficou conhecido nos EUA como talking heads.108

Nem mesmo o emprego da câmera de filmar 16 milímetros, sem som direto, principal novidade técnica utilizada nos anos 1950, conseguiu reduzir a influ- ência da linguagem radiofônica sobre os telejornais. Com informações redi- gidas em forma de ‘texto telegráfico’, os noticiários eram apresentados por locutores com estilo ‘forte e vibrante’, copiado do jornalismo radiofônico (REZENDE, 2010a, p. 57).

Em função de sua relevância para nossos objetivos, as questões tocantes à natu- reza textual do telejornalismo e seus gêneros serão discutidas à parte, no próximo capí- tulo, incluindo aí as implicações advindas da inserção de equipamentos mais eficientes para gravação de imagens. No momento, nosso intuito é o de descrever, sem nos esten- dermos descabidamente, as circunstâncias do apogeu do telejornalismo até que este a- tingisse os contornos conhecidos na atualidade. Com isso, os desdobramentos oriundos da disseminação do videoteipe e outros recursos tecnológicos nas esferas discursiva e textual serão considerados logo após procedermos a uma sucinta caracterização da audi- ência à qual se destinam as mensagens jornalísticas televisivas, assim como das situa- ções típicas de comunicação na qual se encontram.

Mesmo nos Estados Unidos, onde os telejornais pioneiros foram exibidos já na década de 1940 (COUTINHO, 2003), esse gênero televisivo demorou quase vinte anos até conquistar o “grande público”. Segundo Schudson (2010, p. 212), foi em 1963 que, pela primeira vez, “mais pessoas listavam a televisão como a principal fonte de notícias, em vez dos jornais”. Ademais, levantamento semelhante revelou, em 1974, que mais pessoas com nível superior de instrução responderam que a TV estava à frente dos im- pressos como meio de acesso às informações jornalísticas.

A quase irrestrita aceitação desse produto midiático no Brasil, portanto, não seria de surpreender, considerando a baixa escolaridade e a exclusão do acesso à cultura le- trada entre a população, em especial na metade do século passado (REZENDE, 2000). Tamanha penetração no mercado e na sociedade pode ser dimensionada por dados do IBGE como os citados por Coutinho (2003), segundo os quais havia no país, em 1999, 38 milhões de domicílios com aparelho televisor e 36 milhões com geladeira; ou ainda do Ibope (apud BISTANTE; BACELLAR, 2008), dando conta de que em 2004, só na Grande São Paulo, três milhões de pessoas, em média, assistiram ao telejornal de maior

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audiência, enquanto que o jornal de maior circulação vendeu, em todo o território na- cional, 307 mil exemplares diários. A diversidade receptiva requer, pois, o emprego de “formatos simples”, “coloquiais”, que tenham como referência um consumidor “típico das grandes metrópoles, que vive em ritmo acelerado e dispõe de pouco tempo para se informar”, analisa Rezende (2000, p. 66). Há, então, uma necessária conformação das mensagens aos parâmetros de uma “estratégia comercial”. O que não invalida, segundo este pesquisador, o princípio de “se utilizar uma linguagem simples que proporcione uma comunicação acessível (não indigente) com o público” (REZENDE, 2000, p. 67). Mesmo reconhecendo algumas limitações da linguagem televisiva ocasionadas por um nivelamento que toma como referência a média populacional, Rezende não compartilha o determinismo condenatório apocalíptico. “A mensagem informativa deve aliar o com- promisso prioritário com a inteligibilidade com o objetivo de proporcionar, à audiência que a recebe, além da assimilação, a possibilidade de uma reelaboração crítica dos con- teúdos transmitidos” (REZENDE, 2000, p. 64).

No contexto norte-americano, a “concorrência” com a internet e a diversificação do acesso às informações jornalísticas, em celulares e outros dispositivos, têm modifi- cado razoavelmente esse panorama, observa Montgomery (2010). Em razão disso, por exemplo, os noticiários televisivos vêm se tornando cada vez mais um programa que se assiste pela manhã, antes de o público sair de casa; e, ainda, detentor de interesse de- crescente entre os mais jovens. Não obstante, TV e rádio continuam sendo os “meios primários” de comunicação de notícias com o público naquele país (MONTGOMERY, 2010, p. 18), o que nos permite inferir que uma situação não muito diferente se aplique ao cenário brasileiro ainda hoje. A partir dessa monumental audiência dos telejornais, atestada em estatísticas e no cotidiano das relações sociais, justificam-se os igualmente robustos investimentos nesse “negócio”. Comparado a outros produtos da mídia eletrô- nica, o telejornalismo é o que oferece a relação custo-benefício mais favorável ao inves- tidor, na medida em que outros gêneros bem-sucedidos, como por exemplo a teledrama- turgia, são extremamente caros – o que leva Montgomery (2010, p. 16) a concluir que se as notícias em tevê não existissem, os empresários da mídia “teriam que inventá-las”, 109 por serem o mais eficiente e barato instrumento para alcançar vastas audiências.

Apresentados os aspectos concernentes à cultura televisiva, ao discurso jornalís- tico e à transposição deste para a televisão – aparelho, mídia e verdadeira instituição

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determinante na sociedade brasileira –, reunimos condições para examinar exclusiva- mente os gêneros relativos ao telejornalismo. Enquanto, até o momento, fatores ligados, por exemplo, aos propósitos comunicativos foram tratados numa ótica macroscópica, no capítulo a seguir buscaremos particularizá-los ao nível genérico, canalizando nossa ex- posição para os reflexos de ordem retórica e textual em cada caso.

5. GÊNEROS TELEVISUAIS: DOS PADRÕES RADIOFÔNICOS Á MATÉRIA TELEVISIVA

Ainda que não disponha do conhecimento de um especialista sobre o ofício jor- nalístico, quem assiste a um telejornal é capaz de perceber, em alguma medida, distin- ções em sua estrutura interna que podem ser sinalizadas com maior ou menor intensida- de por aqueles que as produzem. Quando, por exemplo, se exibe, imediatamente após sua ocorrência, as consequências de um desastre aéreo, o resultado de uma eleição pre- sidencial ou quaisquer outros eventos de alta relevância noticiosa, é de praxe que o a- presentador ressalte que o repórter “X fala agora, ao vivo, do local Y”, reiterando a in- formação ao fim do relato. Já um tema de ampla repercussão na sociedade, como uma prolongada votação de um ordenamento jurídico, as transformações no mercado de tra- balho ou mesmo assuntos de natureza comportamental, cujos “epicentros noticiosos” não possuam demarcações muito precisas, frequentemente tornam-se objeto de cobertu- ra através da gravação de “séries de reportagens”, que, não raro, são veiculadas ao longo de vários dias. Um espaço dessa proporção dificilmente seria dedicado a alertas de “uti- lidade pública”, como campanhas de vacinação ou prazo para pagamento de impostos – abordados, em regra, por meio de notas ou, no máximo, matérias.

Se o público – que, a rigor, busca informação e entretenimento nos noticiários, não se importando com o processo de produção110 – quase sempre fica à margem da compreensão dos motivos que levaram à escolha desta ou daquela categoria enunciativa, dificilmente estará livre de seus efeitos. Isso não significa, por certo, ou automaticamen- te, uma referência à supostamente “perniciosa” influência da TV sobre os “desprotegi- dos” telespectadores, como denuncia o ideário apocalíptico, retratado no capítulo ante- rior; e sim que a recepção de um texto lido por alguém será, de algum modo, distinta caso a leitura ocorra simultaneamente à exibição de imagens – e igualmente diferente em havendo a adição de depoimentos gravados. Do outro lado do processo, o da emis- são, as opções feitas pelo jornalistas estarão submetidas a um certo número de parâme- tros, como os objetivos informativos, culturais, políticos e mercadológicos a serem al-

110 Exceção feita a programas como o Profissão Repórter, exibido pela TV Globo, em que os bastidores

de elaboração do noticiário constituem parte da própria atração. Mas não se trata de um telejornal, com sua pluralidade de acontecimentos e temas abordados, e sim de um gênero exclusivamente temático, com um assunto por vez.

cançados ao transmitir a mensagem, além das restrições pertinentes ao tempo disponível para execução do trabalho e exibição do mesmo, entre outras variáveis.

Todos esses elementos estão imbricados ao que se discutiu, até o momento, nes- ta tese. No presente capítulo, o aporte teórico acumulado passa a instrumentalizar uma investigação que privilegia a materialidade dos enunciados jornalísticos televisivos “re- lativamente estáveis” – os gêneros. Com apoio do viés sócio-retórico, procederemos a uma descrição dos mesmos associada à conjuntura sócio-histórica que os ensejou, num primeiro instante; e, num segundo, aos constrangimentos decorrentes da necessidade de se conformar aos recursos midiáticos disponíveis. Isso inclui os códigos icônicos, lin- guísticos e sonoros; propósitos comunicativos específicos; e a audiência. Em paralelo, permeando nossa exposição, mas sempre figurando como causa – e não consequência – dos fatores aludidos, acrescentaremos a questão da organização textual típica em cada situação genérica. Assim, ao fim dessa etapa, teremos à disposição um panorama favo- rável à compreensão de praticamente todas as características de uma matéria televisiva, gênero motivador deste trabalho.

Sendo assim, e tendo em vista uma sequência que parta dos gêneros mais sim- ples para de maior complexidade, iniciaremos o capítulo examinando as origens radio-

No documento marcelhenriqueangelo (páginas 120-130)