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Competência para exercício das funções eleitorais

5- PARTIDOS POLÍTICOS

6.4 Competência para exercício das funções eleitorais

A Constituição Federal de 1967 dispunha, em seu art. 107, que o Poder Judiciário da União era exercido pelos seguintes órgãos: Supremo Tribunal Federal, Tribunais Federais de Recursos e Juízes Federais, Tribunais e Juízes Militares, Tribunais e Juízes Eleitorais e Tribunais e Juízes do Trabalho. A Justiça Eleitoral, portanto, estava inserida dentro do Poder Judiciário da União.

Nos termos da Constituição de 1988 e da legislação atualmente em vigor, o Ministério Público Eleitoral atua na Justiça Eleitoral através do Ministério Público da União e tem como chefe o Procurador Geral da República, o qual atua perante o Tribunal Superior Eleitoral. Perante os Tribunais Regionais Eleitorais, quem atua são os Procuradores Regionais da República.

As nomeações dos membros dos Tribunais Regionais Eleitorais são feitas pelo Presidente da República e não pelos governadores dos Estados.

Ainda, o orçamento da Justiça Eleitoral advém dos cofres da União. No que tange à administração, observa-se a legislação federal; os servidores integram o pessoal da União e são remunerados com recursos desta. A polícia judiciária eleitoral é federal. As multas eleitorais revertem ao Tesouro Nacional.

Se o objetivo da Justiça Eleitoral é, em última análise, garantir condições para a efetiva democracia, por óbvio trata-se de questão de interesse da União, a configurar a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109 da Constituição Federal, o que não demandaria maiores questionamentos. Dúvidas não pairam, portanto, quanto à natureza federal da Justiça Eleitoral.

Ao tratar da organização da Justiça Eleitoral e da matéria de sua competência, Ferreira, W. (1954, p. 340) afirma, em suas precisas lições: “Justiça federal de grande relevância e organização especialíssima é a justiça eleitoral”.

Entretanto, por não contar com quadro próprio de magistrados e ser exercida por juízes de direito, por expressa disposição constitucional, exsurge, então, a seguinte pergunta: se a Justiça Eleitoral é federal e se juízes de direito são juízes federais e estaduais, a quem compete exercer as funções eleitorais?

Entre 1824 e 1875, quem exercia as funções eleitorais eram juízes de paz. A partir de 1875, com o Decreto 2675/187586, tais funções passaram a ser desempenhadas pelos juízes de direito, lembrando-se que, à época, o Poder Judiciário era nacional.

Em primeiro grau, a Justiça Eleitoral é dividida em zonas eleitorais, e cada uma delas é presidida por um Juiz Eleitoral. Rosas (1999, p. 3), ao falar do modelo e competência da Justiça Eleitoral, afirma: “ressalte-se que o Juiz Eleitoral deverá ser, sempre, Juiz de Direito, nunca tal jurisdição poderá ser atribuída a qualquer leigo, como ocorre nas Juntas Eleitorais, compostas durante as eleições e integradas por leigos presididos por um Juiz de Direito”.

Novamente aqui, conforme já mencionado acima, como há juízes de paz apenas na esfera estadual, a expressão juízes de direito é usada como antônimo de juiz de paz, deixando claro que a competência para o exercício das funções de juiz eleitoral deve ser por juiz togado, e não por juízes de paz, mas jamais se fazendo referência ao exercício de tais funções apenas por juízes estaduais.

Não se pode olvidar que a Justiça Eleitoral foi justamente criada no período em que a Justiça Federal havia sido extinta, de sorte que todas as causas de competência federal passaram a ser julgadas pelos juízes estaduais.

Ocorre que, em 1966, quando da criação da Justiça Federal, em razão de sua estrutura precária, não interiorizada, delegou-se aos estaduais o exercício da competência eleitoral, a exemplo do que ocorreu também com outras matérias.

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“Art. 2º. Omissis

§ 30. O Juiz de Direito é o funccionario competente para conhecer da validade ou nullidade da eleição de Juizes de Paz e Vereadores das Camaras Municipaes, mas não poderá fazel-o senão por via de reclamação, que deverá ser apresentada dentro do prazo de 30 dias, contados do dia da apuração.

Declarará nulla a eleição, se verificar algum dos casos applicaveis do art. 1º § 26 desta lei, ou que houve fraude plenamente provada, e que prejudique o resultado da eleição: e fará intimar o seu despacho por carta do Escrivão do Jury não só á Camara Municipal, como a cada um dos membros da mesa da assembléa parochial, e por edital aos interessados.

Do despacho que approvar a eleição só haverá o recurso voluntario de qualquer cidadão votante do municipio, que o deverá interpôr dentro de 30 dias, contados da publicação do edital do mesmo despacho; do que, porém, annullar a eleição, além do recurso que a qualquer cidadão é licito interpôr, haverá recurso necessario com effeito suspensivo para a Relação do districto”.

Discorda-se de Tavares (2011, p. 20) quando afirma que “desde a primeira vez que a Constituição regulou a Justiça Eleitoral até o presente momento, foi adotada, sempre, a expressão juiz de Direito, utilizada de maneira a promover uma distinção quanto ao juiz federal, como decorria do art. 82 da Constituição de 1934”.

Ora, conforme já mencionado, em 1934, ainda não havia a Justiça Federal estruturada tal como é hoje, o que só ocorreu em 1966, e juiz de direito não é antônimo de juiz federal.

Circunstâncias fáticas, portanto, justificaram o exercício da competência eleitoral pelos juízes estaduais, mas hoje não mais se justifica a delegação, de modo que, se mantida a competência em matéria eleitoral exclusivamente nas mãos dos juízes estaduais, caracterizada está a inconstitucionalidade progressiva.

Convém aqui referir o que decidiu o STF a respeito do art. 68 do Código de Processo Penal87, que permaneceu em vigor enquanto não foi criada e estruturada a Defensoria Pública Ou seja, só e quando esta estivesse efetivamente implantada é que o art. 68 passaria a ser inconstitucional. Vale para a Justiça Eleitoral o mesmo raciocínio: enquanto não havia sido criada e estruturada, não há falar-se em inconstitucionalidade de seu exercício pelos juízes estaduais. Entretanto, a partir do momento em que a Justiça Federal está estruturada e interiorizada, a permanência de sua competência a cargo dos juízes estaduais configura inconstitucionalidade.

Pelo exposto nos tópicos acima, forçoso concluir que a Justiça Eleitoral é Federal e deve ser exercida por juízes federais, assunto este que será desenvolvido no próximo capítulo.

O art. 121 da Constituição Federal de 1988 estabelece que lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. Porém referida lei complementar não foi editada até hoje, tendo sido o Código Eleitoral recepcionado como tal e dispondo, em seu art. 32, que cabe a jurisdição de cada uma das zonas eleitorais a um juiz de direito em efetivo exercício.

É hoje o TSE, por meio de resoluções, dentre as quais a Resolução 21009/2002, quem estabelece as normas relativas ao exercício da jurisdição eleitoral em primeiro grau. Referido Tribunal vem entendendo que juiz de direito é sinônimo de juiz estadual, em flagrante inconstitucionalidade.

Nesse sentido foi o voto do Ministro Marco Aurélio, no julgamento da Petição 332- 75.2011.6.00.0000, interposta pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) em conjunto com algumas associações regionais de juízes federais. Afirmou expressamente em

87 Art. 68.Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1o e 2o), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

seu voto que a Justiça Eleitoral é Justiça Federal por natureza e que o juiz federal é de direito e o antônimo de juiz de direito é juiz classista, leigo. Em outro trecho do voto, lembrou o Ministro: “quando havia o vezo de entender que, na primeira instância, haveria atuação apenas de juiz da Justiça comum, não havia a Justiça Federal, não existia a magistratura de primeira instância federal” (TSE, Petição 332-75.2011.6.00.0000/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, Sessão de 29.03.2012).

Como disse o Ministro Marco Aurélio, em seu voto, na Petição 332- 75.2011.6.00.0000, ao lembrar de um senador que objetivava propor emenda constitucional, visando à maior participação da magistratura federal na Justiça Eleitoral, pela equidistância nos Tribunais Regionais Eleitorais: “repito, não coloco em dúvida a independência da magistratura estadual, apenas digo que está mais próxima das forças políticas locais” (TSE, Petição 332-75.2011.6.00.0000/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, Sessão de 29.03.2012).

Discorda-se, portanto, de Tavares (2011, p. 14) quando trata da possibilidade do exercício da competência eleitoral ficar a cargo de juízes federais e utiliza a expressão “transferência (jurídica)”, porque a competência nunca deixou de ser federal. Houve, sim, o exercício de uma competência pelos juízes estaduais, por delegação, a exemplo do que ocorre no art. 109, § 3º. da Constituição Federal de 1988.

Guimarães (1958, p. 70-71), tendo em vista o regime federativo, afirma que os juízes podem ser classificados em federais e estaduais. “Juízes federais são os indicados pelo art. 94 da Constituição Federal: os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Recursos, os juízes militares, os eleitorais e os do trabalho”.

Prossegue o ilustre Ministro Mário Guimarães:

Até a promulgação da Carta Constitucional de 1937, a Justiça Federal se integrava com juízes de primeira instância, de cujas sentenças havia recursos para o Supremo Tribunal Federal. A referida Carta extinguiu aquêles, cargos. Mas como a função não poderia ser suprimida, encarregou juízes pagos pelos Estados de a exercerem (GUIMARÃES, 1958, p. 71).

Atente-se para a nomenclatura utilizada pelo eminente Ministro Mário Guimarães quando se refere aos juízes estaduais: não faz uso da expressão juiz de direito.

A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre quais são os órgãos do Poder Judiciário, em seu art. 92, VII, refere-se aos estaduais como sendo “os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios”.

A Seção VIII tem como título “Dos Tribunais e Juízes dos Estados” e, apenas em seu art. 125, ao tratar da possibilidade de criação de tribunais militares estaduais, utiliza a expressão juiz de direito.

Ou seja, mantendo-se um paralelismo, da mesma forma que na Seção IV o título é “Dos Tribunais Regionais Federais e dos Juízes Federais”, o título da Seção VIII deveria ser “Dos Tribunais e Juízes de Direito”, se esta expressão realmente fosse sinônimo de juiz estadual.

A terminologia adotada pela Constituição seguiu o padrão que vinha desde a Constituição de 1891 e, posteriormente, mantido nas Constituições subsequentes e também no Código Eleitoral.

Como é cediço, a Constituição Federal de 1988 peca, em várias passagens, pela atecnia, de modo que a expressão juiz de direito, caso se entenda que realmente se refere aos juízes estaduais, acaba por ficar em contradição com outras disposições, conforme demonstrado acima.

Aliás, essa atecnia não é de hoje. Lessa (1915, p. 19), ao analisar o art. 55 da Constituição de 1891 e o alcance da expressão “juizes e tribunaes federaes” afirmou: “no que respeita aos juizes e tribunaes federaes, não usou o legislador constituinte da mesma linguagem explicita e precisa. Dahi notaveis divergencias na interpretação deste artigo 55, quando se trata de averiguar a significação do termo – tribunaes”.

Do que foi exposto, pode decorrer a indagação de que, comprovado que juiz de direito não é sinônimo de juiz eleitoral, por que não se corrige a interpretação dada, enquanto não são promovidas as alterações legislativas necessárias para se aclarar a questão? Por uma razão muito simples: há de se convir que não há interesse de quem quer que seja em se promover essa retomada de competência pela Justiça Federal, porque as lideranças locais querem continuar exercendo seu poder sobre os magistrados estaduais, e estes, recebendo gratificação pelo exercício de tal competência, não possuem qualquer interesse em abrir mão dela.