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4- FINANCIAMENTO DE CAMPANHA ELEITORAL

4.1 Modelos de financiamento

Muito embora a democracia e o voto não tenham preço, é cediço que a manutenção de um partido político e as campanhas eleitorais possuem um custo elevado, e é preciso pagar esse preço, sem perder de vista que é o sistema democrático que deve controlar o dinheiro, e não o inverso (ZOVATTO, 2005). Deve ficar claro qual é o papel que o dinheiro representa na política e que sobre ele haja uma rigorosa fiscalização.

Quando se fala em financiamento, há que se distinguir o financiamento da atividade partidária do financiamento de campanha eleitoral. No presente capítulo, o foco será este último.

A partir da adoção do sufrágio universal, verificou-se a necessidade de mecanismos que ampliassem a interlocução entre candidatos e eleitores, o que aumentou significativamente os custos de comunicação. A “profissionalização” das campanhas eleitorais, com a contratação de profissionais da área de comunicação, elevou exponencialmente os custos de campanha, fazendo com que os candidatos buscassem fontes de financiamento.

Estima-se que os partidos políticos gastem em torno de 70% a 80% dos valores arrecadados com campanha publicitária, em completo desvirtuamento da lógica democrática, e, cada vez mais, esses recursos têm sido insuficientes para custear as caríssimas campanhas publicitárias.

É incontroversa a necessidade de um financiamento para que seja alcançado e mantido o poder político. A questão que se coloca é qual é o melhor modelo para que se cumpra tal mister.

Há, basicamente, três formas de se arcar com esse custo: financiamento público, através de repasses diretos (em espécie, através do fundo partidário) e indiretos (benefícios tributários, acesso gratuito a meios de comunicação); financiamento privado, por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas; e financiamento misto, que corresponde, como o próprio nome diz, a uma combinação dos dois modelos anteriores.

No tocante ao financiamento público através de repasses diretos, estes podem ser feitos previamente às eleições ou posteriormente, através de sistema de reembolso. Também podem ser feitos de maneira equitativa entre os partidos ou de acordo com o número de

cadeiras ocupadas. Tem por objetivo dar condições mais equilibradas aos partidos políticos nas disputas eleitorais, diminuir a influência do poder econômico e permitir uma maior transparência nos gastos de campanha. Para os defensores desse modelo de financiamento, os partidos políticos estariam igualados, de sorte que a competição entre eles seria equilibrada, o que verdadeiramente gera a democracia.

Para Casseb (2013, p. 178), o modelo de financiamento público apresenta como vantagens ser o modelo que assegura a independência dos candidatos em relação ao poder econômico daqueles que financiam a campanha; assegura o princípio inserido no artigo 14, § 9º,30 da Constituição Federal de 1988; propicia condições igualitárias entre os candidatos na disputa eleitoral, “favorecendo a busca pela vitória com base no convencimento do eleitorado, a partir de suas propostas e programa partidário e não em decorrência de uma campanha mais rica e volumosa, por ter o candidato auferido um montante elevado de donativos privados”.

Também apontada pela doutrina como vantagem ao financiamento público está a facilitação na prestação de contas pela Justiça Eleitoral, já que seria única a fonte de recurso.

Para Agra (2017), a existência do financiamento público é o reconhecimento de que os partidos desempenham um papel insubstituível nos sistemas representativos.

Conta a favor do financiamento público a possibilidade distribuição dos recursos públicos de acordo com a representação dos partidos no Congresso. Muito embora haja quem alegue que isso também gera desigualdade entre os candidatos, já que os recursos não serão distribuídos de maneira isonômica, há que se reconhecer que, por outro lado, gera uma otimização na aplicação dos recursos, de acordo com a representatividade no Congresso. Dito em outras palavras, o financiamento público impede o desperdício de verbas públicas com partidos sem representatividade.

Woldenberg31, apud Zovatto (2005), afirma que é improvável que os sistemas pluralistas alcancem e mantenham um equilíbrio razoavelmente equitativo e competitivo sem um financiamento público.

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“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

Omissis

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.

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WOLDENBERG, J. Relevancia y actualidad de la contienda político-electoral. In: CARRILLO, M. et al. Dinero y contienda político-electoral. México: Fondo de Cultura Económica, p. 20-21, 2003.

Via de regra, nos países democráticos em que foi feita a opção pelo financiamento público, adota-se a lista fechada32 de candidatos, também como forma de evitar uma diluição dos recursos públicos em campanhas individuais.

No tocante aos repasses indiretos no financiamento público, a propaganda33 eleitoral “gratuita” em rádio e TV representa, em verdade, uma compensação fiscal para as emissoras. Dito em outras palavras, há uma renúncia fiscal que compensa as empresas de comunicação, as quais, ao veicularem as propagandas eleitorais e partidárias, deixam de lucrar com publicidade e exibição de sua própria grade de programação. O custo é altíssimo, na medida em que o governo deixa de arrecadar tributos, e o alcance é mínimo, já que são poucos os que escutam ou assistem a tais programas, mormente se considerando o advento da rede mundial de computadores e redes sociais.

A origem do financiamento privado, por seu turno, através de doações feitas por particulares, está ligada ao início da democracia representativa, como forma de permitir que disputar eleições deixasse de ser um privilégio apenas da elite detentora do poder econômico. Desse modo, as doações de campanha permitiram, justamente, que pessoas de classe média ou baixa, sem condições de custear sua própria campanha, disputassem eleições, em verdadeiro respeito à democracia.

É considerado o financiamento privado uma fonte democrática de contribuição, por ser uma forma do cidadão exercer sua participação política (AGRA, 2017). Isso deveria servir para demonstrar a relação saudável dos partidos com a sociedade em que atuam, mas não é o que a realidade brasileira tem revelado.

Com efeito, há no país um grande número de eleitores hipossuficientes, em condições de extrema vulnerabilidade, de modo que a possibilidade de abuso do poder econômico e político não pode ser desconsiderada.

Por outro lado, Casseb (2013, p. 180), partindo da premissa de que não se pode imputar uma suspeição geral contra os agentes políticos e doadores, aponta como vantagens ao financiamento privado o fato de que este modelo é mais transparente do que o de financiamento público, porque, mesmo com este, haveria fortes pressões de grupos econômicos, o que agravaria as “operações ocultas, obscuras e descontroladas”. Na visão do

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Lista definida pelos partidos políticos antes das eleições, em que os candidatos são apresentados na sequência em que os partidos os querem eleitos.

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Propaganda aqui entendida como o conjunto de atividades que visam à transferência de valores entre um partido político ou candidato e seus eleitores. Como espécies do gênero propaganda política, a doutrina aponta a propaganda partidária, que tem por objetivo explicar as ideias dos partidos e atrair filiações; eleitoral, como o próprio nome diz, que visa a convencer o eleitor na escolha de seus representantes; institucional, que corresponde à publicidade de atos, obras, campanhas, serviços, de caráter educativo, informativo ou orientador.

autor, mesmo com o financiamento público, haveria o “financiamento privado” de forma clandestina. Ainda, sendo os custos de campanha elevados, o financiamento público geraria enriquecimento de alguns, beneficiados com o dinheiro público, a exemplo de empresas de propaganda e marketing, as quais, ainda que não remuneradas diretamente, receberiam tais valores através dos partidos políticos. Por fim, em um país como o Brasil, com problemas sérios de saúde, educação, saneamento básico, destinar recursos para financiamento de campanha eleitoral equivaleria a uma inversão de prioridades em flagrante violação a direitos fundamentais. Há necessidades emergenciais de aplicação de verbas públicas em setores sociais. Em síntese, apesar de ter apontado vantagens do financiamento público, Casseb (2013), usando argumentos contraditórios, defende o financiamento privado.

Um outro ponto que o autor levanta é que, no caso de financiamento público, os recursos públicos seriam provenientes da receita do governo obtida com tributos, ou seja, toda a sociedade contribuiria para o financiamento. Assim, ainda que indiretamente, os indivíduos estariam colaborando, inclusive, com partidos com os quais não possuem afinidade política, ideológica e pragmática.

Outrossim, para outros defensores do financiamento privado, a participação financeira do eleitor (pessoa física) ou de determinados setores da sociedade (pessoa jurídica) também são formas de participação política, uma vez que, dessa forma, efetivam a democracia. A sua vedação é um indicativo do descrédito da fiscalização e da efetividade das sanções. Além disso, segundo Casseb (2013), impedir doações privadas também contraria a democracia e colide com o princípio da soberania popular, por restringir a participação popular e violar a democracia participativa.

A doutrina aponta, também, argumentos contra financiamento privado, tais como a desigualdade entre candidatos e desrespeito ao princípio representativo, já que os candidatos se sentiriam no dever de retribuir seus financiadores.