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5- PARTIDOS POLÍTICOS

6.3 A Justiça Eleitoral

Ao tratar dos sistemas eleitorais, Mukai (1987) afirma que, para que se observe a legitimidade dos mandatos e a sucessão pacífica dos governos - que decorrem de uma eleição verdadeira - são adotados três sistemas: o de verificação de poderes; o sistema eclético de um Tribunal misto com composição dúplice (política e jurisdicional); e o de controle por um Tribunal Eleitoral, de natureza judiciária. Todos esses sistemas visam a proporcionar a captação da verdadeira vontade popular, livre de qualquer vício.

Até o século XIX, as eleições no Brasil foram realizadas sem a participação do Poder Judiciário. O sistema de verificação de poderes, a cargo dos órgãos legislativos, vigorou no Brasil durante o Império e Primeira República. Em 1932, inspirada na lei tcheca de 1920, foi criada a Justiça Eleitoral, com a promulgação do Código Eleitoral, o qual adotou o voto direto e universal. A ela coube inúmeras atribuições no tocante ao julgamento da validade das eleições, proclamação dos eleitos, “retirando completamente essas funções das assembleias políticas, normatização essa que veio a ser alçada à posição de preceitos fundamentais com a Constituição de 1934” (GOMES, 1998, p. 51).

Nas precisas lições de Sadek (2005, p. 110), “a Justiça Eleitoral nasce como condição para a realização daquilo que se denominava a ‘verdade eleitoral’”. Prossegue referida autora:

A Justiça Eleitoral representa um ponto de inflexão na história política brasileira. Há claramente dois momentos: antes e depois da Justiça Eleitoral. A Justiça Eleitoral representa um extraordinário ganho em democracia, em cidadania. Ela garante que, na oportunidade em que todos são iguais, na hora do voto, todos sejam de fato iguais. Ela não apenas garante que haja eleições, mas que estas sejam limpas e que haja lisura nos seus resultados.

Até a criação da Justiça Eleitoral não havia um órgão específico para cuidar das eleições e processos eleitorais. Gomes (1998, p. 80) afirma que a natureza da jurisdição eleitoral é sui generis, “porque seu âmbito possui especificidades próprias, sendo exercitada pelo segmento da justiça federal especializada da União, denominada Justiça Eleitoral”.

A Revolução de 30 foi precedida de vários movimentos revolucionários sob a influência do Tenentismo, o qual, “embora ideologicamente vago, fundava-se na crítica ao sistema oligárquico dominante, na crítica político-jurídica ao processo eleitoral, postulando sufrágio universal e moralização eleitoral” (SILVA, J. A., 2011, p. 226).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1934 (Anexo 4), vale dizer, pouco depois de criada a Justiça Eleitoral, estabeleceu-se que esta fosse composta pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, pelos Tribunais Regionais e por Juízes singulares nas sedes e com as atribuições que a lei designar, além das Juntas especiais admitidas no art. 83, § 3º da referida Constituição.

A Constituição de 193481 (Anexo 4) não estabeleceu o número de membros do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, tratando apenas de quem deveria compô-lo.

A exemplo do que ocorreu com a Justiça Federal, em 1937, com o golpe do Estado Novo, a Justiça Eleitoral foi também extinta, não tendo havido processo eleitoral no Brasil até 1945. Com o fim da ditadura Vargas e redemocratização do país, em 1945, foi reinstalada e coube a ela dirigir as eleições que marcariam o restabelecimento do regime democrático do país.

No âmbito da Constituição vigente, de 1988, a Justiça Eleitoral é tratada como um ramo específico do Poder Judiciário, que tem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seu órgão máximo.

Suas atribuições estão previstas nos artigos 22 e seguintes do Código Eleitoral, as quais, em linhas gerais, podem ser resumidas em: organizar as eleições; fiscalizar contas;

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Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm?TSPD_101_R0=39636014e14535e744d ddda664c8817dsIV000000000000000011f69fb3ffff00000000000000000000000000005b2aae800090e03690. Acesso em: 20 jun. 2018.

uniformizar e definir a jurisprudência em matéria eleitoral, “sempre observando o postulado da segurança jurídica” (BENJAMIN, 2016, p. 387).

No desempenho de suas funções, na preparação de um processo eleitoral82, o TSE estabelece as regras do jogo ao editar resoluções, reproduzindo leis em vigor, consolidando jurisprudências da Corte ou interpretando a Constituição da República.

É composto por sete membros: três ministros do Supremo Tribunal Federal; dois ministros do Superior Tribunal de Justiça; dois cidadãos com notório saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo STF e selecionados pelo Presidente da República.

A história e relevância do TSE, do ponto de vista institucional, confunde-se com a da própria Justiça Eleitoral, diante de sua coexistência.

A atuação em segunda instância cabe aos Tribunais Regionais Federais, compostos por dois juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça; dois juízes, dentre juízes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça; um juiz do Tribunal Regional Federal com sede na Capital do Estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, será nomeado um juiz federal, escolhido pelo Tribunal Regional Federal respectivo; por dois juízes, dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça e nomeados pelo Presidente da República.

Se a soberania popular é exercida através do voto, em eleições diretas para seus representantes e se é o TSE órgão máximo da Justiça Eleitoral, que tem por função estabelecer as regras, fiscalizar e punir as infrações relativas aos pleitos eleitorais, logo, é o TSE o verdadeiro tribunal da soberania popular, daí a extrema relevância do papel que desempenha, de sua atuação, que deve se pautar pelos mais rigorosos princípios constitucionais, agindo com o máximo de efetividade.

A segurança que a legislação eleitoral deve transmitir é algo tão relevante que, no Reino Unido, é considerada o bastião da estabilidade (CASSESE, 2017).

Em razão de inúmeros fatores, dentre os quais se destaca a crise do Poder Legislativo e consequente instabilidade da legislação - haja vista que a realidade brasileira revela que uma mesma legislação eleitoral não se aplica a dois pleitos consecutivos, em razão de constantes

82 Nas precisas lições de Tavares (2016b, p. 17), processo eleitoral em sentido amplo corresponde à relação entre justiça eleitoral, candidatos, partidos, coligações, Ministério Público e cidadãos, com vistas à concretização do direito de sufrágio, vale dizer, “gravita em torno da necessidade de assegurar eleições livres e igualitárias, bem como de promover o direto de sufrágio”. Além disso, referido autor sustenta que há uma principiologia própria atinente ao processo eleitoral, que determina a interpretação das questões que lhe são relacionadas com vistas a assegurar eleições livres, justas, que são a ferramenta básica da soberania popular.

modificações83 – a Justiça Eleitoral, com mais frequência, tem-se visto obrigada a decidir sobre as regras do jogo político-eleitoral.

Comparato (2000) afirma que, a partir de 1985, houve quase uma lei especial para cada eleição, agindo os políticos da maioria dominante para adaptar a legislação às suas conveniências pessoais, praticando o abuso de poder que Rousseau considerava o mais corruptor de todos: a manipulação legislativa.

Ressalte-se que, não só no âmbito eleitoral, verifica-se, cada vez mais, uma judicialização da política, fazendo com que o Judiciário funcione como uma segunda e inadequada instância do jogo político, o que também perverte a representação política (CAMPILONGO, 2011).

Com efeito, fatos recentes ocorridos no Brasil revelam que a Justiça Eleitoral acaba por ocupar um papel de protagonista na definição do resultado das eleições, que acabam sendo decididas pelo Judiciário, numa completa disfuncionalidade, a exemplo da cassação dos governadores do Amazonas pelo Tribunal Superior Eleitoral84.

Além disso, o Judiciário acaba sendo obrigado a adotar uma postura mais ativista, seja por uma ineficiência ou crise de representatividade do Legislativo, seja por uma incapacidade da sociedade de se organizar espontaneamente.

Na presente dissertação, interessa o fato de que a competição político-partidária, hoje, está marcada pela judicialização da política, o que revela a importância do papel desempenhado pela Justiça Eleitoral.

Segundo Ferraz Júnior, V. E. (2008), nosso modelo de governança eleitoral85 é judicializado, na medida em que sua instância máxima foi criada em interseção com o Judiciário - mormente com a Corte Constitucional -. Nesse modelo, a Justiça Eleitoral exerce atividades administrativas, executivas do processo eleitoral e também decide sobre os contenciosos eleitorais.

Em outras palavras, de acordo com o modelo traçado pela Constituição da República de 1988, a Justiça Eleitoral está inserida no Poder Judiciário e não funciona como um quarto poder, distinto dos três poderes tradicionais.

Consoante Tavares (2012), a Justiça Eleitoral exerce sua jurisdição de maneira prevalente sobre os pressupostos da democracia. É a Justiça da Democracia (ou da

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Cf. p. 52-53 deste trabalho. 84

TSE. 0002246-61.2014.6.04.0000 - RO - Embargos de Declaração em Recurso Ordinário nº 224661 - MANAUS – AM. Relator Min. Luís Roberto Barroso. DJE 31.08.2017, p. 65-67.

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Corresponde ao conjunto de regras e instituições que definem a competição político-eleitoral. Opera em três etapas: formulação, aplicação e adjudicação de regras.

manutenção dos elementos democráticos, com parâmetro dogmático: a Constituição positivada em 1988).

De se ressaltar que, na Itália – único país na Europa sem tradição monárquica - o Direito Eleitoral é um tema jovem e não há, verdadeiramente, um sistema eleitoral italiano. Essa característica acaba convertendo-se em um privilégio corporativo, em uma “partidocracia”. Convivem duas formas de tutela: a jurídica, que se incumbe da tutela dos direitos subjetivos do eleitorado (ativo e passivo), e a política (administrativa), à qual cabe deliberar sobre as controvérsias no processo eleitoral.