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2. Revisão da Literatura

2.1 O Treinador: conceitos e intervenção

2.1.3 A Intervenção do Treinador

2.1.3.1 Competências

A preparação dos jogadores assume-se como um processo complexo, que exige da parte do treinador, o domínio de um leque alargado de competências (Pacheco, 2005).

O treinador é um gestor de recursos e estratégias. Um condutor de homens e um coordenador de uma equipa de especialistas. O treinador, mesmo no desporto profissional, exerce uma função pedagógica importantíssima. Através da sua ação, ele educa e forma homens: os desportistas, os dirigentes, os espetadores (Potrac, Jones & Armour, 2002).

A atividade desportiva para crianças e jovens é feita a sério quando prioritariamente nos preocupamos com os objetivos dessa atividade e com a satisfação que deve proporcionar a todas elas no domínio dos seus interesses e necessidades, isto é, quando a nossa atuação se subordina à finalidade última - contribuir e promover o desenvolvimento integral das crianças e jovens (Lima, 2000).

Pelas relações que estabelece com os seus atletas, o treinador é também um educador (Santos, 2012).

Neste sentido, este agente educativo deve ter atitudes orientadas segundo uma matriz de natureza ético-pedagógica. A este nível, o papel do treinador de jovens assenta em múltiplas vertentes: física, cognitiva, técnico-tática, psicológica, cultural, social e emocional. O domínio destes aspetos contribui para um treinador melhor preparado, que por consequência estará mais apto a melhorar o rendimento desportivo da sua equipa (Santos, 2012).

O treinador, enquanto educador de jovens deve ser moderado, tolerante e motivador, possuir conhecimentos na sua modalidade, mas que, para além disso, conheça as caraterísticas dos jovens do seu escalão etário, para que na sua intervenção pedagógica saiba o que deve ensinar, as exigências que pode colocar e aquilo que poderá vir a esperar dos seus atletas (Pacheco & Garganta, 2001).

As suas funções ultrapassam substancialmente os aspetos relativos ao ensino da técnica e da tática e ao desenvolvimento das suas qualidades físicas, abrangendo outras áreas não menos importantes, que podem condicionar o seu comportamento desportivo, mas de que é possível, igualmente, extrair reflexos para a sua vida de cidadão comum (Adelino, Vieira & Coelho, 2000).

A prática desportiva deve assim constituir, para os jovens, um complemento importante da sua atividade escolar e não a sua ocupação ou centro de interesse exclusivo ou predominante (Adelino et al., 2000).

A determinação e empenho que o treinador coloca no seu trabalho com jovens, a seriedade e disciplina que exige durante a sessão de treino, não podem ser obstáculo a um

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tipo de relacionamento próximo e afetivo, em que o treinador procura interessar-se pelos problemas dos seus praticantes, manifestando gosto de conversar com eles e disponibilidade para abordar qualquer assunto (Adelino et al., 2000).

O respeito por valores éticos e profissionais são considerados relevantes no treinador, acentuando uma ótima relação com os atletas, exercendo a atividade consciente de que os seus conhecimentos estão ao serviço de um processo educativo e de que os jovens não são meios de promoção profissional (Cruz et al., 2001).

Janssen e Dale (2002) referem que é necessário apoiar os atletas não só no campo, mas também na sua vida, motivando-os. Aliás, para estes autores, o sucesso do treinador é avaliado não só pelas vitórias mas também pela qualidade das relações com os atletas, sendo importante fazer-lhes sentir que são a prioridade, evitando ser o alvo das atenções. A este respeito, Araújo (2000) refere que o treinador deve procurar servir os jogadores, sendo essa uma regra fundamental para o sucesso.

Martens, Christina, Harvey e Sharkey (1981) referem que ser um treinador de sucesso é algo mais do que ser um treinador vitorioso. Os treinadores de sucesso ensinam novas habilidades e exercícios, ajudam os jovens na aquisição e consolidação das aprendizagens, ensinam-lhes a terem satisfação na atividade desportiva, a terem prazer na competição, a desenvolverem a sua auto-estima e preocupam-se com o seu futuro na sociedade.

Lima (2000) afirma que o treinador tem de saber o que ensina, isto é, conhecer e dominar suficientemente os aspetos fundamentais da sua modalidade; saber ensinar, ou seja, saber transmitir os conhecimentos da modalidade e ser capaz de motivar e estimular os atletas para que estes os adquiram e os apliquem com entusiasmo, interesse e eficácia; saber aplicar as técnicas e os processos adequados no ensino/aprendizagem e no treino, iniciando os jovens na prática da modalidade e preparando as equipas para os compromissos competitivos e saber intervir na educação desportiva dos atletas, isto é, desenvolver as suas qualidades de modo a contribuir para a formação do caráter e da personalidade de cada um.

No fundo, tal como referem Smith, Smoll e Cumming (2007), no ambiente da prática desportiva de crianças e jovens, os treinadores têm grande influência na natureza e qualidades das experiências desportivas. Os objetivos, as atitudes e valores promovidos por estes e a natureza das suas interações com os atletas podem de uma forma bastante vincada influenciar os efeitos da participação desportiva dos atletas.

Smith (2003) refere que comportamentos violentos e agressivos por parte dos treinadores podem ter tido algum sucesso no passado, mas, atualmente, os atletas não estão motivados para este tipo de comportamentos, que podem desencadear o abandono dos mesmos ou, de forma diversa, o fim da carreira do treinador.

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Araújo (2009, p. 38) refere que “o treinador ideal nem mesmo no domínio da utopia poderá ser descrito, não existindo um perfil único de treinador mas sim uma série infindável deles, consoante as circunstâncias e respetivas necessidades de intervenção.”

Como educador, o treinador de jovens deve ter forte preocupação com o tipo de linguagem utilizada, uma vez que o treino engloba também, nos seus múltiplos domínios, o mecanismo de comunicação. A linguagem do treinador não pode, por isso, ser subvalorizada, uma vez que ela constitui um instrumento pedagógico de condução do processo de treino. O treinador de jovens deve mostrar afeto nas suas palavras, orientando-as e estruturando-as de acordo com o processo cognitivo dos seus atletas, ou seja, adequando-as à faixa etária com que se depara (Santos, 2012).

Segundo Hotz (1999), os bons treinadores, se são treinadores de sucesso, distinguem- se dos restantes essencialmente pela sua capacidade de comunicação, para além de possuírem todas as outras qualificações de especialização próprias de cada modalidade. “A função do treinador, enquanto pessoa que comunica, é a de transmitir as informações individualmente mais adequadas, de maneira convincente, no momento oportuno, com o doseamento certo e de tal modo que forneça um suporte adequado ao tipo de aprendizagem em causa” (Matias, 2012, p. 11).

Santos e Rodrigues (2004) acrescentam que a capacidade que o treinador tem para comunicar de forma segura, bem planeada, criativa, direta, com variações na forma e na locução e sempre com um caráter positivo, pode ter consequências na preparação dos atletas para a competição.

Martens (1999) refere que os grandes treinadores são grandes comunicadores. Isto porque treinar é um ato permanente de comunicação e os bons treinadores conseguem explicar claramente o que pretendem dos atletas, tornando-os capazes de concretizar aquilo que lhes é exigido (Beswick, 2001).

Uma das fases evolutivas mais importantes nos Jogos Desportivos Coletivos passou pelo facto de se considerar a comunicação entre jogadores como um fator chave do comportamento tático-estratégico, orientando esta premissa a preocupação central na compreensão do jogo (Garganta, 2002, citado em Braz, 2012b).

O treinador nas suas relações com todos os que o rodeiam deve ver a sua autoridade reconhecida, mais do que imposta (Araújo, 1998).

Uma boa liderança aumenta a coesão da equipa, melhora a distribuição e compreensão de funções específicas, aumenta a capacidade de superação de obstáculos e estabelece com mais facilidade as metas comuns do grupo (Costa, Samulski & Costa, 2009). No exercício da sua profissão, Araújo (1998, p. 85) refere que “o treinador deve ser formal, firme e disciplinador, sem que isso signifique abdicar de comportamentos cordiais e até amigáveis para com aqueles que se revelam merecedores dessa distinção. Ser exigente

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não é ser injusto, e todos os que nos rodeiem que assim o justifiquem pelo respeito que souberam conquistar requerem, da parte do treinador, o incentivo sempre presente numa retribuição mais personalizada e efetiva.

A organização do processo de treino pressupõe uma adequada liderança de processos multifacetados em relação aos quais o treinador deverá ter uma atenção particular e minuciosa. A liderança assume caraterísticas que vão muito para além do simples facto de gerir o processo de treino, a organização da equipa, ou até a própria estrutura do clube (Brás, 2012a).

Como refere Maças (2004, citado em Brás, 2012a), é natural, e até desejável, que as funções do treinador, responsável principal pelo rendimento desportivo de uma organização, incluam a participação ativa noutros domínios de intervenção para a tornar mais sólida e eficiente na procura do resultado desportivo, bem como a elaboração de planos estratégicos para o seu desenvolvimento. Desta forma, a atividade dos treinadores não se resume à orientação do processo de treino e de competição.

Alguns autores (Chelladurai, 1984 e Weinberg & Gould, 1995, citado em Brás, 2012a) têm chamado a atenção para a necessidade de distinguir as funções de líder e de gestor, pois um gestor cuida de coisas como os horários, orçamentos e organização geral enquanto um líder está mais preocupado com a direção de uma organização, incluindo os seus objetivos. Liderar pressupõe, portanto, conduzir algo ou alguém para atingir objetivos.

A competência de um treinador fundamenta-se na qualidade transportada para as situações e relações emergentes no treino e na competição, onde se moldam comportamentos e, acima de tudo, onde se avaliam a amplitude das suas adaptações, pelo que ser treinador é uma arte de imprevisibilidade sistemática. Imprevisibilidade pela complexidade que o jogo comporta e sistemática pela profusão de funções do treinador no manuseamento de competências para tomar as melhores decisões no decorrer da sua atividade (Plisk & Stone, 2003, citado em Brás, 2012a).

O treino tem que ter uma exigência elevada, confrontando o jovem atleta com as suas possibilidades, dramas e angústias (Garcia, 2011b). O mesmo autor relata (2011b, p. 15) um jovem praticante de judo com 12 anos que se interrogava: “apliquei bem as técnicas e perdi. Porque? Ao tentar compreender a dúvida desta criança, verifiquei que no seu treino a técnica aparecia como um fim em si mesmo e não como meio para lutar. Criaram a ilusão na criança que aquela modalidade desportiva servia para mostrar técnicas e não para se lutar com um adversário. As técnicas, neste caso de uma determinada modalidade, não valem apenas por si mas sim quando inseridas num todo que é essa prática. Não mais me esqueço de uma frase de Aristóteles para quem as partes existem porque há o todo. Sem este não há partes. Não quero com isto afirmar que as técnicas desportivas não devem ser ensinadas e

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desenvolvidas de forma analítica e com rigor nos treinos, mas apenas acentuar a necessidade de não perder o sentido último desses gestos no contexto da respetiva modalidade.”

Os futebolistas são sujeitos a tomar decisões rápidas e eficazes a partir de vários referenciais informacionais. Os atletas de excelência distinguem-se dos demais por possuírem uma elevada capacidade para se aperceberem dos sinais do envolvimento, para os interpretarem e para relacionarem “o que fazer com”, “quando” e “como fazer”. Trata-se por tanto de compatibilizar e otimizar os processos que permitem ao praticante não apenas de saber-fazer, mas também saber-ver e saber-decidir (Casanova, 2012).

O processo de tomada de decisão pode ser visto, melhorado e integrado no processo de treino (Araújo, 1997, citado em Braz, 2012b). Como refere Díaz (2003, citado em Braz, 2012b, p. 26) “se oiço, esqueço. Se vejo, lembro-me. Se faço, compreendo. Se decido, incorporo.”

Por isso, é muito importante que o treinador de jovens atletas, enquanto planificador e orientador do processo de preparação desportiva, recorra a formas de treino que solicitem as capacidades percetivo-cognitivas de modo a conseguir-se um elevado transfere do treino para o jogo e visando melhorar o rendimento dos jogadores e da equipa. Deste modo, deverá atender às diferentes caraterísticas dos exercícios utilizados, nomeadamente quanto à duração, à intensidade, ao número de jogadores e ao espaço utilizado, na medida em que tais constrangimentos, entre outros, podem influenciar, positiva ou negativamente, as competências de decisão do futebolista (Casanova, 2012).

Exige-se na operacionalização do processo de treino, criatividade na elaboração dos exercícios, ricos em especificidade/variabilidade e confrontação de reais problemas da competição (Braz, 2012b).

Concluindo, para o contexto instável do jogo o treino tem de privilegiar a formação do jogador no sentido deste ser autónomo no recurso às tomadas de decisão, a fim de resolver os problemas decorrentes do seu envolvimento do jogo. A evolução do jogador só estará assegurada se, durante os treinos, ele voltar a passar pelas situações que se verificaram como problemáticas em competição, orientando-se para descobrir e explorar as suas próprias soluções dos problemas (Araújo & Volossovitch, 2005).

O desporto é realmente para ganhar, prazer sem esforço não deve ser objetivo do treino desportivo (Garcia, 2011b).

O lúdico e o agónico, ou seja, os sentimentos de brincadeira e de luta leal, terão que coexistir sempre na prática desportiva. Ao acentuarmos em demasia a ideia do ganhar a qualquer custo, criamos uma pressão enorme no jovem. Defendemos inequivocamente o ganhar como objetivo central do desporto, mas devemos impor limites a esse desejo. Se tal não acontecer, e pela facilidade que hoje existe para se conseguir doping no mercado, corre-

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se o real perigo de estarmos a levar os jovens para o consumo de produtos que no seu imaginário poderão levá-los ao êxito (Garcia, 2011b).

Se formos responsáveis, mesmo que indiretamente, pelo uso de doping por parte de um jovem, todo o eventual capital de credibilidade desportiva que possa ter desaparece num ápice (Garcia, 2011b).

É nossa responsabilidade fazer tudo para que o jovem não tenha a mínima tentação de recorrer a meios ilícitos. Sei que é difícil assumirmos esta responsabilidade, para mais numa sociedade que cada vez aceita melhor a droga. O desporto é um exemplo que se dá ao mundo. Nunca como hoje houve tanto consumo de drogas sociais por parte da juventude e nunca como agora houve tanto controlo antidoping no desporto. Que o desporto continue a possuir esta dimensão utópica de pureza que tantas vezes foi cantada romanticamente pelo Barão Pierre de Coubertin (Garcia, 2011b).

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