• Nenhum resultado encontrado

O Treinador Excelente (competências e investigações efetuadas)

2. Revisão da Literatura

2.2 A Excelência na Educação Física e Desporto

2.2.1 O Treinador Excelente (competências e investigações efetuadas)

O desporto é uma atividade que busca a transcendência, apelando ao homem para superar, sistematicamente, os seus limites (Garcia & Lemos, 2005, citado em Zaar, Reis & Pereira, 2012).

Como afirma Bento (2004, citado em Zaar et al., 2012), a essência da sua prática se concretiza a subir os degraus da superação das dificuldades para a excelência.

Sendo o desporto considerado como um poderoso instrumento de desenvolvimento económico e social, de comunicação, de educação da juventude, de aproximação entre povos (Marques, 2004) e sobretudo de desenvolvimento humano (Pires, 2007), o treinador terá um papel nuclear.

O treinador é um elemento decisivo no processo de treino desportivo. Cabe-lhe a missão de proporcionar aos atletas a obtenção de desempenhos que por si só não conseguiriam alcançar (Maia, 2010). Esta ideia é sustentada por Patriksson e Eriksson (1990) quando realizaram um estudo que tinha como principal objetivo avaliar o programa de formação de treinadores na Suécia, através de um questionário aos atletas. Os autores concluíram que o treinador era o elemento mais importante do fenómeno desportivo.

É difícil encontrar um consenso generalizado sobre o conceito de bom treinador. Poderão identificar-se um conjunto de traços comuns a técnicos bem sucedidos, mas a diversidade das situações de treino impede, de certa forma, que se defina um perfil de conduta eficaz (Martens, 1990, citado em Pereira, 2003).

As dificuldades próprias decorrentes de um processo que se carateriza pela sua vasta complexidade, não permitem uma resposta objetiva, simples e rigorosa (Pereira, 2003).

43

Alguns autores como Gluch (1997), Orlick (2000) e Janssen e Dale (2002) agrupam alguns fatores de forma a caraterizar o treinador de excelência, capaz de alcançar o sucesso desportivo.

Gluch (1997) apresenta o seguinte modelo de treinador de sucesso adaptado na modalidade de ténis:

Quadro 3 - Categorias indicadas por Gluch (1997) para caraterizar o treinador de excelência

Aparência da equipa Relacionamento com os atletas Capacidades e valores Motivação Dinâmica de equipa e coesão de grupo. Interação do treinador com os atletas, com empatia e respeito e com extensão na família.

Atitudes, valores e ética que orientam os atletas fora do contexto desportivo.

Promove a

motivação.

Aspetos físicos Aspetos psicológicos Busca da excelência Capacidades administrativas Fisiologia, biomecânica, técnica, nutrição, doenças e lesões. Confiança, estratégias e táticas; controlo das emoções, redução da pressão, disciplina, concentração, sensibilidade às rotinas. Crenças, atitudes e comportamentos em busca da excelência como treinador. Comunicação treinador-atleta e treinador-equipa.

Orlick (2000) de uma forma muito geral, propõe uma série de fatores que poderão potenciar a performance dos atletas e assim proporcionar a obtenção do sucesso desportivo do treinador:

44

Quadro 4 - Categorias indicadas por Orlick (2000) para caraterizar o treinador de excelência

Compromisso Visualização

positiva Preparação mental

Confiança

Paixão pela sua ocupação; desejo em sentir-se competente,

valorizado,

importante e com êxito; orgulho pelas suas ações e criações; ter prazer

em aprender sempre, entre outras. Capacidade para produzir visões positivas, criar objetos específicos e diários, acelerar os processos de aprendizagem, preparar-se para seguir o seu plano de jogo e desenvolver as suas capacidades; atuar e reagir positivamente; aumentar a sua confiança. Proporcionar boas oportunidades de aprendizagem; desenvolver habilidades técnicas, físicas e mentais para se evidenciarem; planear, avaliar e preparar de forma eficaz; relaxar e valorizar em aspetos extra-futebol.

Ter confiança no seu potencial, na capacidade de ultrapassar os obstáculos e concretizar os seus objetivos; na sua preparação, nas suas opções; na relevância do seu papel e na importância

daqueles com quem trabalha. Aprendizagem contínua Controlo da distração Atenção dirigida

Refletir acerca dos aspetos positivos e também negativos, procurando potenciá-los e melhorá-los; avaliar o impacto do seu compromisso e boa vontade na sua performance.

Manter uma efetiva e positiva focalização em situações típicas de distração. Centrar-se de forma intensa no momento, na sua performance, nas suas tarefas, no seu desempenho, naquilo que experimenta, libertando-se para que as coisas positivas ocorram naturalmente.

Também Janssen e Dale (2002) apresentam alguns fatores que caraterizam a excelência desportiva do treinador:

45

Quadro 5 - Categorias indicadas por Janssen e Dale (2002) para caraterizar o treinador de excelência

Ter caráter Ser competente Assumir o

compromisso Ser cuidadoso

Apresenta caraterísticas invulgares em termos de ética e integridade, sem manipulação das mentes dos atletas e quanto ao caráter profissional. Busca o entendimento das estratégias e fundamentos do jogo, procurando saber sempre os ajustes necessários e apropriados à sua equipa; estuda intensamente o jogo, admitindo as suas limitações e enganos. Consegue criar a visão de sucesso na sua equipa; demonstra uma paixão pelo desporto e pelo treino, assumindo-se como um intenso entusiasta com fortes caraterísticas de competitividade, procurando sempre níveis elevados. É credível e cuidadoso na relação com os seus atletas; ajuda-os e procura o melhor para os seus atletas dentro e fora do campo, mostrando interesse pela sua vida pessoal e nas suas relações extra- desporto; não encerra estas preocupações com o fim da carreira dos atletas.

Potenciador de

confiança Ser comunicador Ser consistente

Preocupa-se

constantemente com o sucesso dos seus atletas, instruindo-os e promovendo a confiança necessária para alcançar o sucesso; tem a apetência para fazer com que as pessoas se sintam bem consigo próprias.

Aberto, direto e

honesto na

comunicação com o grupo; relembra aos atletas os fatores a ter em conta na conquista do sucesso. Estabilidade em todos os momentos, com a necessária flexibilidade de adaptação a novas circunstâncias; mantém a sua consistência quando a sua equipa está a ganhar ou perder; é organizado e executa o plano de preparação no jogo de uma forma séria.

46

“Parece pois que o sucesso de um treinador passa obrigatoriamente pela conjugação de inúmeras variáveis, sendo para isso necessária uma correta interpretação dos fatores envolvidos e uma identificação clara das situações mais apropriadas para os aplicar. Não existem fórmulas mágicas para a obtenção do sucesso devendo a atuação do treinador pautar-se acima de tudo pelo rigor, responsabilidade e consistência que qualquer profissão requer” (Duarte, 2009, p. 74). Daí que Araújo (1997) afirme que não existe um perfil estandardizado de treinador de sucesso, mas sim vários, de acordo com as circunstâncias e respetivas necessidades de intervenção. E, segundo este autor, não se pode também esquecer que o sucesso depende acima de tudo da identificação e compreensão clara dos jogadores em relação aos princípios do treinador.

Muitas vezes o sucesso é circunstancial, acontecendo apenas em determinadas situações. Assim, o sucesso de um treinador parece estar dependente da sua capacidade em ser expert, na medida em que essa valência lhe permite selecionar as competências e comportamentos mais adequados a cada situação (Duarte, 2009).

Assim pode definir-se a excelência desportiva como um desempenho consistente e superior, ao longo de um período de tempo extenso (Starkes, 1993, citado em Janelle & Hillman, 2003, citado em Duarte, 2009).

Como refere Mourinho (2006, citado em Lourenço & Ilharco, 2007, p. 245) “o sucesso não surge por acaso.” Segundo estes autores, é preciso tempo, dedicação, competência, trabalho, ambição e muita paciência.

Gould, Greenleaf, Guinan, Dieffenback e McCann (2001) estudaram atletas e treinadores olímpicos considerados excelentes. Os atletas em causa referiram como caraterísticas fundamentais para terem atingido a excelência, o treino mental, um estado de condição física ótimo, uma condição física máxima sem atingir o sobretreino, a concentração, a adesão determinada a um plano de treino bem delineado e o treinador. Os técnicos, por sua vez, apontaram como fundamentais para o seu sucesso, a harmonia e coesão do grupo, o envolvimento estreito entre treinador e atletas, uma boa relação com a comunicação social, uma boa seleção dos atletas e a criação de um ambiente agradável, de prazer, no seio da equipa.

Vall’ee e Bloom (2005) efetuaram um estudo para determinar como as treinadoras experts da universidade construíram e criaram os seus programas de sucesso, em particular, a chave e os elementos fundamentais que permitam que estas treinadoras alcancem o êxito. Cinco especialistas canadenses, treinadoras universitárias do sexo feminino, foram entrevistadas individualmente. O resultado da análise revelou 4 elementos para o desenvolvimento de programas de sucesso. Em primeiro lugar, as treinadoras possuíam uma variedade de atributos pessoais que lhes permitiu mostrar comportamentos de liderança apropriados, dependendo da situação que enfrentavam. Em segundo lugar, as treinadoras

47

tinham um desejo pessoal para promover o crescimento individual dos seus jogadores. Em terceiro lugar, as treinadoras possuíam competências organizacionais elevadas, a partir das quais planeavam a temporada e preparavam as suas equipas para os jogos. Finalmente, estes elementos foram ligados entre si pela visão do treinador, que envolveu os atletasatravés dos objetivos, filosofia e personalidade das treinadoras, de modo a alcançarem sucesso.

Saíz, Cabo e Godoy (2009) realizaram um estudo com o objetivo de identificar as diferentes etapas formativas de 8 treinadores experts em basquetebol e determinar os possíveis fatores que contribuem para a formação de um treinador expert. Entrevistaram treinadores da Liga ACB e da seleção nacional espanhola. Os resultados demonstram existir 4 etapas no desenvolvimento da sua perícia. Estas etapas são consequência de um desenvolvimento do seu conhecimento assim como de uma profunda reflexão prática que permite ao treinador atingir as habilidades necessárias para trabalhar no alto rendimento. Ainda uma intensa dedicação e compromisso durante muitos anos e uma busca constante para melhorar.

Wiman, Salmoni e Hall (2010) entrevistaram atletas e treinadores de elite com o objetivo de tentar perceber como os treinadores experts são definidos e como esta capacidade se desenvolve ao longo do tempo. Os resultados sugerem que se deve ir mais além na definição de um treinador expert com base no desempenho dos seus atletas. Alguns critérios sugeridos foram ser reconhecidos pelos seus pares (outros treinadores) e pelos atletas como um treinador expert. Outro dos critérios foi ter atletas e equipas de sucesso em qualquer nível de competição.

Maia (2010) pretendeu estudar fundamentalmente, as determinantes da excelência no basquetebol em particular, o treinador, enquanto líder do processo desportivo. Utilizando a entrevista semi-estruturada, entrevistou 6 treinadores de basquetebol de alta competição, 6 peritos de reconhecido mérito e 6 atletas de alto rendimento. Da análise detalhada das entrevistas, concluiu que: 1) alguns treinadores associam os resultados desportivos à excelência dos treinadores; 2) os peritos destacam os resultados desportivos, os diferenciados patamares de excelência, nomeadamente, a formação e competição e salientam a intervenção dos treinadores na determinação dos caminhos do basquetebol; 3) os atletas falam da criação de ambientes de trabalho ótimos, da proximidade das relações inter-pessoais, da motivação providenciada e da preparação e orientação do jogo.

Ainda no estudo de Maia (2010), no que concerne à caraterização da excelência dos treinadores: 1) um dos fatores que a carateriza é a filosofia que serve de suporte às atuações diárias dos treinadores; 2) a capacidade de recrutamento é de decisiva importância no futuro da equipa, havendo a necessidade dos treinadores terem conhecimento do orçamento disponível; 3) no planeamento do treino a definição de objetivos é a tarefa mais importante. A atribuição de papéis e a sua definição acolhe superior destaque junto dos atletas; 4) a

48

consciência dos entrevistados, da necessidade de atualização permanente e da aprendizagem contínua dos treinadores; 5) no treino o treinador deve: propor exercícios variados; intensidade próxima das exigências competitivas; ser desafiador; criar autonomia nos atletas. O treinador deve intervir quando se justificar, ser positivo e tratar todos os atletas por igual. O regulamento permite balizar toda a atividade profissional; 6) o scouting é utilizado para conhecer as particularidades dos atletas e da equipa adversária e para os treinadores delinearem a estratégia adequada; 7) no dia do jogo, a palestra efetuada junto da equipa, enfatiza os pontos fundamentais referidos ao longo da semana, de forma sintética, acabando com um forte apelo motivacional; 8) no intervalo do jogo, o treinador interpreta os problemas surgidos e fornece soluções para os mesmos; 9) as intervenções do treinador excelente no final do jogo, não reúnem consenso na amostra estudada; 10) no jogo, para a maioria dos atletas, aquando de uma substituição, o treinador excelente deve ter uma palavra para com o jogador que sai.

O mesmo autor, relativamente à questão de como se alcança a excelência, retira as seguintes conclusões: 1) os treinadores analisados, desde a sua infância, mantêm um íntimo contato com o desporto, dedicando horas a essas atividades; 2) as suas experiências desportivas contribuíram para o seu conhecimento e formação, bem como a autoformação que apostam em realizar; 3) os treinadores, de uma forma geral, não evidenciaram os mentores que os fizeram evoluir, as trocas de experiências com outros treinadores e a reflexão crítica do seu trabalho; 4) os peritos fazem questão de salientar as suas referências em termos de influência decisiva para as suas carreiras desportivas; 5) os treinadores revelam que uma das suas fontes de aprendizagem são os atletas que treinam.

Pereira (2011) realizou um estudo sobre “A excelência do treinador desportivo. Um estudo de caso”, com o objetivo de identificar os valores e as referências que orientam a atividade do Professor Percy Oncken, técnico brasileiro de Voleibol, vencedor de vários campeonatos mundiais. A técnica de investigação utilizada foi a das "Histórias de Vida" e a recolha de dados decorreu de entrevistas. Da análise das entrevistas, verificou que as inquietações que têm acompanhado o técnico brasileiro ao longo da sua carreira são uma grande paixão pela profissão, o respeito pelos atletas e a determinação perante os obstáculos. Em termos de ambições, salientou a vontade de desenvolver todos os dias um bom trabalho. Encara as dificuldades como algo indispensável num processo de aperfeiçoamento e o ter privado a família de atenção foi o constrangimento que mais o afetou. Os momentos mais importantes da sua carreira ocorreram quando alcançou grandes êxitos e os que geram mais sofrimento acontecem quando dispensa jogadores da seleção. Relativamente à sua intervenção social, a sua preocupação vai no sentido de uma atuação permanente de grande qualidade e a formação integral dos atletas.

49

Documentos relacionados