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Compiladores Cronologia Proveniência

2. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO

1.2. Compiladores Cronologia Proveniência

Investigações de diferente natureza têm sido orientadas no sentido de determinar o responsável ou os responsáveis ligados à compilação do códice31. Difícil é também precisar sem riscos a

data da compilação ou até uma precisa cronologia dos textos que a constituem. Não menos problemática se afigura a localização inicial do códice. Onde teria sido compilado e qual teria sido o mentor do projecto? Teria estado em bibliotecas régias? Ou, pelo contrário, em bibliotecas particulares? No país, ou no estrangeiro? Como se reconstitui o seu trajecto até à Livraria do Real Colégio dos Nobres, único facto que faculta a instituição de uma data e de uma localização. Onde teria permanecido, portanto, até 1761, data conhecida da fundação do Colégio?32 Demasiadas são ainda as interpelações e se C. Michaëlis (1904) antecipou

circunstâncias concernentes à corte portuguesa, propícias à composição de um cancioneiro deste

30 O ensaio de H. H. Sharrer está publicado no volume Cancioneiro da Ajuda. Cen anos despois (2004: 41-54) e, de certo modo, provocou a investigação mais pormenorizada de M. Arbor e C. Pulsoni sobre a cópia que se encontra em Cracóvia (2004). É ainda possível consultar um elenco bibliográfico sobre o

Cancioneiro da Ajuda em http://sunsite.berkeley.edu/Philobiblon/BITAGAP/1082.html. Uma nova

experiência ecdótica com base no Cancioneiro da Ajuda foi, entretanto, anunciada por M. Arbor em Santiago de Compostela (2004). Entender o Cancioneiro como entidade autónoma, editando-o

criticamente como documento único. Como me parece que a concepção de edição diplomática de Carter

(1941), ou o campo editorial do Cancioneiro, não são suficientemente examinados nesta proposta, reservo-me uma mais profunda reflexão em outro momento a propósito desta anunciada edição. A identidade do Cancioneiro da Ajuda não é comparável pela dimensão textual galego-portuguesa à ampla tradição dos cancioneiros italianos. Aproprio-me das palavras de E. Gonçalves que, sem dúvida, melhor explicitam o modo de editar um texto incluído no Cancioneiro da Ajuda: «…Por outro lado, se o

Cancioneiro da Ajuda, como qualquer outro cancioneiro, não é um mero contentor de textos e por isso

merece ser reproduzido na sua individualidade complexa e problemática, temos de convir que são os textos a finalidade última da fadiga do editor crítico e que, para uma aproximação da 'verdade' dos textos nas subtilezas da forma e substância que os seus autores lhe teriam conferido, o editor não pode, por vezes, limitar-se à lição manifestamente insatisfatória do códice, devendo recorrer à emenda 'por conjectura', a qual poderá revelar-se inferior à emenda ope codicum, possível para os textos transmitidos, não apenas por A, mas também pelos dois cancioneiros coloccianos ou por um deles. Concretizando: se bem entendo, o novo projecto de edição oferecer-nos-á o texto crítico das 310 cantigas nele contidas, ao qual faltarão, em muitos casos, palavras, versos e estrofes inteiras visivelmente ausentes por mutilação do códice, mas presentes em um ou nos dois outros testemunhos da tradição; as 310 cantigas serão anónimas, apesar de conhecermos, pelo testemunho dos outros cancioneiros, a autoria incontestável da maioria delas. Será esta a edição crítica de A capaz de dar ao leitor de hoje 'unha idea concreta de como o home do Medievo consumia os produtos da literatura, do particularíssimo tipo de cultura lingüístico literaria que podían promover libros manuscritos como Ajuda'? (Gonçalves 2007).

31 Além dos vários estudos relativos à tradição textual (Michaëlis 1904; Tavani 1967, reproduzido sucessivamente em vários ensaios do Autor e, por último, em 2002; D’Heur 1974, 1984; Gonçalves, 1976, 1988; Ferrari 1979, 1991), Resende de Oliveira propõe várias hipóteses constitutivas na compilação de alguns dos materiais da lírica galego-portuguesa (1988, 1994) e Livermore (1988), sem recurso exaustivo à bibliografia disponível, apresenta também algumas conjecturas a este mesmo propósito. 32 A fundação do Real Colégio dos Nobres foi examinada por Rómulo de Carvalho (1959) que, em vários capítulos, descreve as condições e o tipo de ensino ministrado neste colégio. O ms. da BN 562 de Lisboa inclui várias Memorias relativas aos motivos que incentivaram a criação do Colégio dos Nobres.

tipo, Tavani (1967; 2002) não deixou de apontar que lhe parecia justamente muito mais plausível uma confecção em ambiente castelhano com as circunstâncias materiais do

scriptorium de Afonso X33. Esta percepção foi acolhida por Cintra que também considerou

possível o Cancioneiro ter saído da «oficina» de Afonso X34.

Breve comparação entre os códices das Cantigas de Santa Maria (mesmo através de reproduções) revela que o tipo de pauta utilizado no códice toledano e no florentino não corresponde entre si, nem nenhum deles, aparentemente, com o tipo de marcação que se encontra no da Ajuda. Não nos podemos esquecer, contudo, que a morfologia textual é diferenciada.

Como prováveis compiladores ou conselheiros da compilação, é costume referir o rei D. Afonso III de Portugal ou o rei D. Afonso X de Castela, após a intuição pioneira de F. A. Varnhagen, ainda com a euforia da descoberta, se ter primitivamente inclinado para o Conde D. Pedro de Barcelos: o rei português, porque C. Michaëlis concebeu toda a vivacidade da recolha poética à volta da corte portuguesa do bolonhês35; o rei D. Afonso X, pelo atmosfera cultural da

33 Com a progressão dos estudos relativos à codicologia afonsina, não se poderá referir apenas um

scriptorium afonsino. Se a geografia e alguns aspectos do trabalho e da tradução nos scriptoria é

conhecida (Menéndez Pidal 1951/1999; Schaffer 1999, 2000), será ainda o exame material dos diferentes códices emanados destes centros que poderá permitir comparações analíticas que conduzam a uma tipologia de feituras semelhantes. Isto é, só quando dispusermos, por exemplo, dos diferentes traçados das

mise en page de códices afonsinos ou quando confrontarmos as múltiplas normas técnicas é que

poderemos eventualmente integrar o Cancioneiro da Ajuda com a sua mise en page e mise en texte em um destes centros atribuindo-lhe, mais seguramente, um made in. Os copistas podiam viajar, mas os materiais, os modos de preparação do pergaminho, a organização dos cadernos, os modelos decorativos, etc. circunscrever-se-iam a um espaço específico, ou melhor dizendo, a um scriptorium particular. Podemos imaginar naturalmente o ambiente de Afonso X (meios, técnicas, deliberação), mas por certo que Múrcia, Toledo ou Sevilha não trabalhariam exactamente da mesma maneira (Menéndez Pidal 1951; Schaffer 1999 e Montoya Martínez 1999). O exame de técnicas de diferentes mss. que conduzem a um mesmo espaço de produção tem sido processo, várias vezes utilizado, na reconstrução de difusão de mss. Os modos de picotagem foram comparados em conjuntos de mss. já nos anos 40 (Jones 1944, 1946, 1961). A preocupação de repertoriar dados codicológicos disponíveis (iter codicologum) desenvolve-se sobretudo após os ensaios de Gilissen (1973, 1976, 1977). Um dos últimos estudos relativos à técnica organizativa de um dos códices afonsinos, examinada por G. Avenoza, mostra algumas das características fundamentais deste funcionamento que não coincidiriam com o que se pode inferir, aparentemente da composição do Cancioneiro da Ajuda (Avenoza s.d.).

34 É na introdução à Ed. fac-similada do Cancioneiro da Vaticana que Cintra (1973: XVI) admite também esta eventualidade.

35 Os estudos efectuados nos últimos anos sobre as características literárias desta corte (talvez melhor seria dizer, deste rei) apontariam para que, ao lado de traduções de matéria bretã trazida de França (através do condado de Boulogne-sur-Mer), se reunissem também recolhas poéticas de trovadores à volta do suserano e dos seus mais importantes vassalos, a exemplo do que se realizava na corte de Louis IX e de Blanche de Castille (Corbin 1945; Mattoso 1981, 1985, 1993; Castro 1979, 1984, 1993; Ramos-Rossi 2006 [2002]; Ramos 2005). Poderíamos, por exemplo, perguntarmo-nos porque é que autores que exprimiram críticas severas de elevado teor poético à tomada de poder de Afonso III não comparecem como Autores de cantigas de amor na colectânea da Ajuda. Terão apenas produzido as famosas sátiras políticas endereçadas ao Conde de Boulogne, futuro rei português, sem produção de cantigas de amor? Ou estamos perante uma dificuldade de acesso a materiais de natureza amorosa que não chegam às mãos do compilador, visto que estes trovadores se tinham exilado em Castela? Ou encontramo-nos perante uma

sua corte e pelos meios profissionais que a contornavam36; o Conde D. Pedro, pelo seu

envolvimento na produção histórica e trovadoresca e, sobretudo, pelo facto de uma cópia parcial do seu Livro de Linhagens se encontrar encadernada com o Cancioneiro37. Se rapidamente se

afastou a ideia de autoria, continua a ser-lhe atribuída a responsabilidade da compilação da grande recolha colectiva.

C. Michaëlis previu, através de conjecturas bem ordenadas (cronologia dos trovadores, tipos de cantigas, definição genológica) um tipo de produção intimamente ligado a um ambiente régio ou nobre e a permanência natural do manuscrito em um desses centros. A elaboração teria sido disposta na última fase do reinado de D. Afonso III ou nos primeiros anos da actividade de D. Dinis. Mais precisamente, o Cancioneiro da Ajuda resultaria de um «Livro das Trovas del Rey D. Affonso», que chegou a identificar com o exemplar especificado no elenco da biblioteca de D. Duarte como um «Livro das Trovas del Rey D. Affonso encadernado em couro, o qual compilou F. de Montemór o Novo»38. C. Michaëlis identificava-o, por conseguinte, como uma

«cópia graficamente inacabada» de um cancioneiro constituído por iniciativa de Afonso III. Deste modo, o processo referente à compilação seria pouco anterior a 1279, ano da morte do rei bolonhês. Em relação a D. Afonso III não era, na verdade, nem imprudente nem inverosímil admitir que um príncipe que vive a maior parte da sua vida na corte culta de Branca de Castela (Pernoud 1982) e, logo depois, no seu próprio condado de Boulogne-sur-Mer, situado em região de intensa actividade literária, não fosse, mais tarde, sensível ao tipo de recolhas poéticas que então por aí circulavam. A família em que se integrou era, como é sabido, protectora de iniciativas de cunho literário e, ao mesmo tempo, nelas participante. Quer na corte, quer por todo o condado, não se alheou de factos tidos por relevantes, tanto no exercício do poder, como

escolha deliberada, um simples acto de censura que não faria mais do que acentuar um perfil de organizador da colecção amorosa que não incluía naturalmente trovadores hostis ao rei?

36 O ambiente literário e cultural da corte castelhana é amplamente conhecido (Ballesteros 1984; Bertolucci 1993; Schaffer 1999, 2000) e se pensarmos nas recolhas das Cantigas de Santa Maria não seria improvável prever a confecção de uma colecção paralela com materiais profanos (Paredes 2001). 37 Após os estudos de Cintra (1983-1990) e de Diego Catalán (1962, 1971) dedicados à historiografia ibérica e os de Mattoso (1981, 1985, 1993) que contemplam a matéria genealógica peninsular, a actividade cultural do Conde D. Pedro não pode deixar de ser considerada na preservação literária e histórica do ocidente peninsular. A encadernação conjunta de uma cópia do Livro de Linhagens e do fragmento Cancioneiro, confeccionada nos finais do século XV (a antecipação desta datação será desenvolvida nos capítulos dedicados ao proprietário do cancioneiro nos finais do século XV, Pedro Homem e à encadernação do códice), mais não faria do que acentuar esta responsabilidade do bastardo de D. Denis no espírito do coleccionador destas peças avulsas nos últimos anos de 400.

38 Esta sugestão não foi acolhida nos estudos subsequentes, mas as hipóteses que apresentei quanto à permanência em Évora do Cancioneiro da Ajuda no século XV, consolidam-se com o ambiente cultural favorável a cancioneiros do sul de Portugal (Évora, Vila Viçosa) receptivo a este tipo de recolhas (Ramos 1999, 2001).

no domínio da cultura. A alusão que lhe é endereçada em um poema de Moniot d’Arras39

Chançons, va t’en sans perece / Au Boulenois di – prova bem sua a participação no movimento

cultural em que vivia este baron de tel hautece na sua corte de Boulogne-sur-Mer no norte de França (Dyggve 1938)40:

I Plus aim ke je ne soloie, Mais ja n'ere amés, 3 Car mes cuers ki me maistroie

S'est si haut donés Ke n'en porroie avoir joie, 6 Quant tant m' i serai penés:

Hautece et Beautés

Et Richors veulent que soie

9 Del tout refusés

II Et jou ki guerpir devroie Che dont sui grevés, 12 D'un desir ki me maistroie

Sui si alumés

Que pour meschief ke g' i voie 15 N' em puis estre retornez:

Ce fait Volentés Par qui maintes fois foloie

18 Text ki set assés.

III D'un douç consir plain d'envie Me couvient languir, 21 S'est trop crueus la folie

Dont la mort desir, Car vivre amans sans aïe 24 Vaut assés pis ke morir,

N'em porrai garir, Ne ja par moi n'ert jehie

39 Moniot d'Arras, «le petit moine» é um dos trouvères, cuja actividade se pode situar entre 1213 e 1239. As suas primeiras composições são dedicadas à Virgem e, ao frequentar as cortes senhoriais do norte de França (Jean de Braine, Robert III de Dreux, Gérad III, senhor de Picquigny e o próprio conde de Boulogne), dedica a sua produção ao amour courtois. Uma das suas canções, anterior a 1227-1229, é citada no Roman de Violette de Gerbert de Montreuil e o jeu-parti com Guillaume le Vinier deve datar deste período (Lejeune 1941). É no Roman de Violette que comparece Philippe Hurepel, primeiro marido de Mahaut de Boulogne, futura mulher de Afonso e é ainda neste ambiente que se podem compreender algumas introduções técnico-formais na poesia galego-portuguesa (Beltrán 1984b; Ramos 2005).

40 H. Petersen Dyggve discute a identificação entre várias personalidades que neste período podiam ser apelidadas de Boulenois. A sua análise opta pelo futuro Afonso III de Portugal, conde de Boulogne-sur- Mer por casamento com Mahaut de Boulogne, a quem deve ser endereçado este envoi na canção de Moniot d'Arras. Propõe uma datação provável de 1239 para a composição da canção e insiste até na presença da palavra «failli» que deve aludir à cruzada de 1239: «Le poète prie sa chanson d'aller sans tarder dire au Boulenois que, dans le cas où il persévérera dans les bonnes intentions que le poète lui a vu manifester à Hesdin [Pas-de-Calais], il ne manquera pas à la prouesse, ce dont plus d'un se réjouira et ceux s'ébahiront qui ont appelé «failli», c' est-à-dire lâche, couard, un seigneur de si haut parage» (Dyggve 1938: 47-65). I. Castro, a propósito da importação dos romances arturianos em Portugal, redifiniu o papel cultural do conde e da sua corte (Castro 1984: 68-78).

27 L'amor dont sospir. IV Ne quiç pas ke por ma vie

De mort garandir

30 D'un don de sa drüerie

Me daignast saisir. Se je m'en duel, n'en doi mie 33 Fors moi et Amors haïr,

Qui m'ont fait coisir Tele dont ja n'ert merie

36 La paine a soffrir.

V Toute riens qui Bontés bleche De soi a parti,

39 Mais ens li ne truis largesce Qui tort a merchi, Pour coi li choil ma destrece, 42 S'en fail au douç non d'ami,

Joie en ai guerpi S'est drois que tote leeche

45 Por dolor oubli

VI Chançons, va-t' ent sans perece, Au Boulenois di, 48 S'a bien faire ensi s'adrece

Com a Hesdin vi, Ne faurra pas a prouece, 51 S'en ierent maint esjoï

Et cil esbahi Qui baron de tel hautece

54 Clamoient failli.

Dyggve, Chanson X [Raynaud n°1764] (1938: 99-101) Mas Moniot d'Arras voltará ainda a referir-se a este conde Boloignois em uma outra composição, Molt lieement dirai mon serventois, que menciona vários senhores que participaram na batalha de Taillebourg em 1242 no Poitou, entre S. Louis e Henri III de Inglaterra. Escrita pouco tempo após a passagem da ponte de Taillebourg pelas tropas de S. Louis (21 de Julho de 1242) e a batalha de Saintes no dia seguinte, a 22 de Julho de 1242, é sobretudo conhecida pelo refrain de protecção divina ao rei de França (Louis IX) e a seus irmãos, Charles (conde Anjou, rei de Nápoles e da Sicília), Aufor, Alphonse, conde Poitiers e Robert Ier, conde de Artois. São vários os nobres que aí são citados: li cuens Raimunz (v. 4); le

conte d'Aubigois, Raymond VII, conde de Toulouse de 1222 a 1249 (v. 46); li rois d'Aragun (v.

4), Jacques ou Jayme Ier, rei de Aragão de 1213 a 1276; le seignor des François (v. 9), o rei de

França S. Louis IX; Charle (v. 8), Charles, irmão de S. Louis, conde d'Anjou de 1246, rei de Nápoles e da Sicília em 1266; Aufor (v. 8), Alphonse, conde de Poitiers, irmão de S. Louis que é

referido ainda como li cuens de Poitiers (v. 42); le conte d'Artois (v. 8) e li cuens d'Artois (v. 42), Robert Ier, irmão do rei, conde de Artois em 1237; li cuens de la Marche (v. 9), Hugues X,

conde da Marche de 1219 a 1249; la femme du comte de la Marche (v. 12), Isabelle de Angoulême, viúva do rei de Inglaterra, João Sem Terra, falecida em 12466; li Barois (v. 22), Jean des Barres, um dos importantes prisioneiros na batalha, le Champenois (v. 49), Thibaut IV de Champagne, etc. É neste ambiente que, entre outras personalidades que vão ser ainda nomeadas na canção, é recordado le conte Boloignois (v. 25), Afonso de Portugal, conde Boulogne-sur-Mer em 1238, ao lado de Raos de Clarmontois (v. 27), Raoul de Clermont, senhor de Ailly e de uma personagem desconhecida de Ponthieu na Picardia, Cil de Pontis (v. 28). Devido à extensão do sirventês sobre a batalha de Taillebourg, limito-me à transcrição da estrofe que faz referência ao conde de Boulogne:

IV La bataigle le conte Boloignois Vint premerains a cel assemblement; Molt i fu prués Raos de Clarmontois; 28 Cil de Pontis i conqist los molt grant: Dusqu'as portes les menerent batant. A mie nuit s'en foï li lor rois.

Diux, gardez nos le seignor des François

32 Charle et Aufor et le conte d'Artois!

Dyggve, Chanson XXVII [Raynaud n°1835] (1938: 141-145) Estas menções não podem deixar de sublinhar a importância do conde boulenois e do seu séquito no desenvolvimento que virá a ter a sua corte régia em Portugal41.

Dos finais dos anos sessenta em diante, G. Tavani inventariou com minúcia os recursos ibéricos para realizar um projecto como o Cancioneiro da Ajuda. Com as circunstâncias conhecidas, era bem mais verosímil que o estruturar e o elaborar deste Cancioneiro tivessem tido lugar em uma corte mais diligente e enérgica no desenvolvimento intelectual do que a corte portuguesa. A corte de D. Afonso X era, deste modo, reconhecida como espaço com melhores qualidades para o encontro de pessoas e de materiais necessários à confecção de tal colectânea. Aí se dava forma não só ao arquétipo, modelo de toda a tradição, como ao próprio Cancioneiro

da Ajuda, que não seria afinal mais do que uma cópia parcial desse mesmo arquétipo

41 Desenvolvi a importância deste ambiente francês a propósito de uma nota marginal da Crónica Geral

de Espanha de 1344 na inauguração da cátedra Lindley Cintra na Universidade de Nanterre em Paris a 27

interrompida e inacabada pelo falecimento do rei. Este raciocínio apoiava-se também nas particularidades da letra, no tipo de decoração, no uso dos dígrafos <ll> e <nn> e no peculiar inacabamento do manuscrito, que se prestava a ser explicado pela morte de D. Afonso X, em 128442. Entre elementos de diferente índole, é esta particularidade gráfica no espaço português a selecção de <lh> e <nh>, que levou G. Tavani e outros autores na sua esteira a aproximar a produção do Cancioneiro da Ajuda do ambiente castelhano da corte de D. Afonso X, onde a preferência gráfica por aquelas consoantes tinha sido, como se sabe, o <ll> e o <nn>43.

O «Livro das Trovas del Rey D. Affonso» na Biblioteca de D. Duarte, citado por C. Michaëlis, adequar-se-ia melhor à obra profana de D. Afonso X e não a este Cancioneiro.

As pesquisas mais recentes acerca da cronologia dos poetas do Cancioneiro, com o intento de estabelecer um período certo ligado à sua confecção, põem em causa a possibilidade de ver na morte de D. Afonso X o motivo de suspensão da cópia: «L’incompletezza del codice potrebbe anzi denunciare che esso, cominciato a copiare di sull’archetipo per ordine di Alfonso X, sia rimasto interrotto per la morte del re [1284] e (...) non più continuato...» (Tavani 1969: 137). Cintra conclui que «...não podemos deixar de o imaginar já elaborado no segundo ou terceiro quartel do século XIII...» (1973: XVI). A ser verdadeira a hipótese formulada por Resende de Oliveira (1994: 400-401), segundo a qual o trovador PayGmzCha, falecido em 1295, poderá ser o poeta mais recente integrado no Cancioneiro da Ajuda, este deveria ter sido confeccionado nos últimos anos do século XIII. A cantiga A 256, De quantas cousas eno mundo

son em que o poeta compara o rei ao mar, poderia ser datável de 1287 ou 1288, após

PayGmzCha ter sido substituído no cargo de Almirante do Mar, cargo que ocupava desde 1284, na sequência de mudanças políticas verificadas então na corte castelhana. Significaria esta hipótese que o Cancioneiro da Ajuda não poderia ter sido, pelo menos este sector,