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2. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO

1.4. Cota antiga

Merece ainda consideração a presença de uma antiga cota A. 5. n. 47 (descodifico a sigla como Armário 5, número 47; ou Armário A, estante 5 número 47), não muito afastada de uma assinatura autógrafa de Pero Homem55, em letra de chancelaria de meados do século XVI,

sobretudo a caligrafia dos três números situar-se-ia entre as décadas de 1540-1560 (segundo a opinião de Eduardo Borges Nunes a quem renovo o meu agradecimento por esta inestimável datação), situada no verso de um fólio, o fl. 88, que antigamente estava fixado à pasta anterior da encadernação e que foi, depois, descolado e transferido para o fim do volume, pelo ordenamento de C. Michaëlis. Esta cota sugere, pelo tipo de sistema de seriação, a pertença do

Cancioneiro a uma colecção pública, semi-pública ou privada, mas de dimensão apreciável, o

que parece excluir a manutenção do códice em um ambiente isolado ou particular nesta altura56.

Será então de supor que, nos finais do século XV, o Cancioneiro tenha sido integrado numa colecção mais vasta, provida já de inventário. Esta notificação de importância capital para a história do Cancioneiro neste período, está dependente de um trabalho organizado que pudesse estruturar os antigos sistemas de classificação dos livros nas nossas bibliotecas. Reuni já alguns casos, mas ainda não encontrei, infelizmente, outro livro antigo que apresente este mesmo modo de arrumar.

Consultei, por exemplo, alguns catálogos manuscritos com letra dos séculos XVII e XVIII de bibliotecas jesuítas, visto este tipo de letra parecer aproximar-se daquela que era praticada pelas escolas jesuítas. Poderíamos encontrar eventualmente algum objecto que pudesse assemelhar-se ao Nobiliário e ao Cancioneiro da Ajuda:

[Ajuda: Ms. 51-XI-39]: Index secundum nomina Auctorum (fl. 1-126); Index secundum

titulos operum (fl. 128-195)

[Ajuda: Ms. 51-XI-45]: Index Bibliothecas Domus Professae Ulyssiponensis Societatis

Jesu

54 A presença do caderno (caderno VII) sugere naturalmente uma reflexão quanto ao problema da inexistência plausível de encadernação ou de um frágil invólucro que vai favorecer este tipo de acidente material.

55 No capítulo dedicado ao proprietário do Cancioneiro desenvolverei a biografia deste poeta cortesão dos finais do século XV.

56 I. Cepeda pronuncia-se acerca das eventualidades de identificação possível deste sistema de classificação, ainda que não tenha chegado a uma conclusão definitiva da localização desta regra de arrumação. Propõe como descodificação mais plausível das siglas uma referência a «Estante A, prateleira 5, número 47», e alarga a datação do tipo de letra até à primeira metade do século XVII (s.d.).

[Ajuda: Ms. 51-XI-44]: Index Librorum Bibliothecae Collegii Ulyssiponensis Divi

Antonii Magni, Societas Iesu ano MDCCXXXXV

[Ajuda: Ms. 51-XI-37]: Index Bibliothecae D. Rochi

[Ajuda: Ms. 51-XI-38]: Catalogus authorum qui sunt in D. Rochi Bibliotheca

Se nenhum destes catálogos oferece uma pista precisa de investigação pelo próprio critério organizativo (recordo que, na maior parte das vezes, estes catálogos apresentam uma classificação pelo nome de autores e não por títulos), é interessante observar que alguns deles, mas sobretudo, o último oferece um tipo de letra que se aproximaria bastante da que registou a velha cota no Cancioneiro da Ajuda, o que poderia permitir, aproximar a morfologia paleográfica, própria deste ambiente religioso. No fl. 25 deste catálogo, há referências a

Crónicas, mas nenhum dos casos parece identificar-se também com o nosso objecto. Embora a

sondagem tenha sido extremamente circunscrita, nada nos indica, por enquanto, que o

Cancioneiro estivesse já em Lisboa antes da incorporação na Biblioteca do Colégio Real dos Nobres. Visto não existir ainda qualquer trabalho sistemático que contemple as diversas

tipologias de antigas cotas em bibliotecas portuguesas em manuscritos ou impressos, é praticamente impossível associar, por enquanto, esta cota do Cancioneiro da Ajuda a outro códice com o mesmo tipo de sistema, seguramente localizado57.

Por outro lado, também não parece ser uma cota do Colégio dos Nobres, não só pela cronologia que é possível prever, como pelo próprio sistema de inventário. Na Biblioteca da Ajuda, encontram-se alguns livros, impressos no século XVI, provenientes do Colégio dos

Nobres:

[Ajuda: 11-XIII-12]: Petrus Canisius, Commentaria De Verbi Dei corruptelis...58

[Ajuda: 100-IV-14]: Petrus Canisius, Institutiones et Exercitamente Christianae

Pietatis...59

[Ajuda: 98-III- 34]: Cano Melchior, De locis Theologicis Libri Duodecim...60

Em qualquer destes volumes encontro, de facto, uma antiga cota, escrita a lápis, que não parece corresponder ao sistema utilizado por esta biblioteca: «DD/3/5» em Melchior, «EE/7/ 37» em Institutiones, e «FF/3/14» em Commentaria. Admitindo que seja uma relação originária

57 Outros indícios, procedentes do estudo da Encadernação sugerem um alargamento da investigação a outros espaços ibéricos. Cf. capítulo dedicado aos estados diferenciados da Encadernação.

58 Pedro Canísio, Santo, S.J. 1521-1597, Commentariorum de Verbi Dei corruptelis libri duo. - Parisiis: apud Nicolaum Nivellium: cudebat Ioannes Charron, 1584; 2º. Cat. Col. Bibl. Esp. P 816 [BN L. 5751 A].

59 Pedro Canísio, Santo, S.J. 1521-1597, Institutiones et exercitamenta christianae pietatis. Antuerpiae: ex officina Christoph. Plantini, 1566; 16. Voet, L. Plantin Press 888 [BN R. 9363 P].

60 Cano, Melchor, O.P. 1509? -1560, De locis theologicis libri duodecim. - Salmanticae: Mathias Gastius, 1563; 2º Ruiz Fidalgo Salamanca 573 [BN R. 2990 A].

do Colégio dos Nobres, o sistema fraccionário elimina, só por si, uma aproximação com o do

Cancioneiro da Ajuda.

Na BN de Lisboa, encontrei, igualmente, antigas cotas no Cod. 192: «A-5-16» (século XVIII); Cod. 411: «B-5-6» (século XVIII); Ms. 14: «A-2-14»; Cod. 365: «B-3-41» (século XVIII); Ms. 977: «C-1-17»; Ms. 6835: «U-2-17», que equivalem presumivelmente ao antigo sistema de cotas da própria BN.

Na BM do Porto, a cota de um Nobiliário do século XVII, Ms. 280: «A-8-36», apresenta semelhanças com estas, tanto quanto ao sistema como quanto à morfologia gráfica.

Se estes sistemas parecem relacionar-se sensivelmente com o do Cancioneiro, a morfologia paleográfica é bem posterior.

Mais recentemente, I. Cepeda, ao abordar um possível reconhecimento desta antiga cota, aponta alguns casos de sistemas usados em bibliotecas constituídas por jesuítas, mas os seus resultados não foram ainda conclusivos a este respeito61. No entanto, elimina já algumas

das hipóteses que poderiam manisfestar-se como verosímeis, como a da Biblioteca de Severim de Faria passada para a posse do Conde de Vimieiro. As cotas, que subsistem na Colecção

Vimieiro da BN de Lisboa, não documentam qualquer tipo de cota equivalente à do Cancioneiro da Ajuda. Analogamente improdutivos são os sistemas de classificação da biblioteca de D.

Teotónio de Bragança com indicações bem específicas ligadas à Cartuxa e, ainda hoje, perduram advertências, por exemplo, em exemplares da BN, com a referência a «Cax.», equivalente a caixa, ou caixote, seguida de um número que não coincide com o que se observa no códice ajudense (Cepeda s.d.).