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HISTÓRIA INTERNA DO CÓDICE

No documento O Cancioneiro da Ajuda : confecção e escrita (páginas 131-135)

2.1. Identificação da espécie. Marcas de conteúdo

O Cancioneiro da Ajuda, manuscrito sem catalogação, pertencente à Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, é um códice em pergaminho, iluminado, datável pelas suas características materiais de finais do século XIII, inícios do século XIV112. Encontra-se encadernado com uma cópia do

Livro de Linhagens do Conde de Barcelos, devendo a associação dos dois fragmentos datar dos

finais do século XV113. O seu aspecto actual tem de ser interpretado como correspondendo a um

empreendimento de grande fôlego, que não chegou a ser concluído, e não apenas como um fragmento sobrevivente a acasos temporais que o danificaram. É um códice de grandes dimensões (os fólios têm a média aproximada de 438 mm para a altura e de 347 mm para a largura). É bem provável que não tenha possuído uma encadernação de origem, justamente devido à suspensão do projecto. Nele, encontram-se, além das marcas de posse já referidas, poucas informações referentes a marcas de conteúdo que não se encontram nos fólios iniciais, devido ao estado fragmentário do início. No fl. 77r, em um lugar portanto, impróprio, parece haver uma inscrição relativa a conteúdo, Este lyuro he de cãto (?). Uma anotação avulsa, resultante de uma intervenção de leitor com escrita provável dos séculos XV-XVI. Insere-se esta anotação em um fólio, inicialmente em branco, que acolhe alguns desenhos a tinta com elementos figurativos e com instrumentos musicais, datáveis da segunda metade do século XV114. No fl. 88v, logo abaixo à assinatura de p°homẽ, como observámos também, surge a

indicação das linhagẽs que anunciava a primeira parte do códice, quando este fólio se encontrava na abertura do livro.

2.2. Incipit e explicit

O Cancioneiro começa, de facto, sem qualquer sinal protótipo no fl. 41, segundo a numeração feita por Stuart, ou na p. 79, paginação que é utilizada por Henry H. Carter. C. Michaëlis

112 A descrição do ms. acompanha as fichas propostas por guias de descrição catalográfica, adaptadas às exigências particulares deste Cancioneiro. Tive presente, em particular, as indicações de A. Petrucci (2001), as de Jemolo-Morelli (1984) e as mais recentes em âmbito francês, publicadas pela École Nationale des Chartes (Vieilliard et al. 2001; Guyotjeannin 2001; Bourgain-Vieilliard 2002). Uma visão de conjunto acerca destas tendências normativas em www.lettere.unifi.it/mdi/ ou www.iccu.sbn.it. 113 «É um volume em folio, de pergaminho, com dezoito polegadas de alto e doze de largo, escrito a duas colunas e em caracter que se julga ser do século XIV...». É esta parte da descrição dedicada ao «Cancioneiro denominado do Collegio dos Nobres» em I. F. da Silva (1909, II: 25 §107).

114 A este fólio se referirá o capítulo que pormenoriza a decoração do ms. Também M. Pedro Ferreira incidiu a sua atenção nos instrumentos musicais aqui reproduzidos (Ferreira 2004) e, mais recentemente, chamou ainda a atenção para a representação da dança (Ferreira s. d.).

introduzirá uma foliação, dando autonomia ao Cancioneiro, com início em fl. 1. 1O incipit coincide com parte de um poema atribuível a VaFdz pelo cancioneiro B 91 guer uos me tollede

este poder. que eu [fl. 1/79]115 e o explicit primitivo atender quero mesura / ca non me ade falir

[fl. 86/p. 249] corresponde ao poema que se encontra em B 895 e V 480, atribuído pela crítica a MartMo. Com a deslocação, por iniciativa de C. Michaëlis, para a posição final de um fólio que estava colado na pasta anterior da encadernação, contendo poemas atribuídos a RoyFdz, o

explicit passou a ser ti. Non cuydara tant auiuer. como. [fl. 88v/252].

2.3. Número de textos

Contém apenas trezentas e dez composições e mais uma cópia dupla de uma cantiga atribuível a PayGmzCha, A 248 (A 248bis), não numeradas e sem indicação de rubrica atributiva, que se

reportam a um conjunto plausível de trinta e oito autores, identificáveis por meio dos critérios da decoração do códice116. É necessário, no entanto, assinalar agora um elemento aproximável

de rubrica atributiva, embora resultante, aparentemente, de um processo de revisão. S. Pedro decifrou no fl. 9v, à esquerda do incipit da cantiga A 39, Meus ollos gran cuita damor, uma indicação referente a p°da pont com traço horizontal sobre pont. Não é evidente compreender esta associação a Pero da Ponte neste sector. Por um lado, a rubrica comparece em um texxto incompleto com a transcrição apenas da estrofe inicial, incluído na parte final do ciclo atribuível a PaySrzTav. Mas o incipit também não se aproxima de qualquer outro conhecido de atribuição provável a PPon117. Todas as composições que constituem o Cancioneiro no seu estado actual

inscrevem-se, globalmente, no género da cantiga de amor. G. Tavani no Colóquio dedicado ao centenário da publicação da edição crítica do Cancioneiro da Ajuda realizado em Lisboa em Novembro de 2004, ao efectuar uma leitura contínua de todas as composições, pronunciou-se acerca de algumas cantigas que não poderiam entrar no âmbito de um rigoroso cânone amoroso, como já assinalei.

Trata-se de um cancioneiro incompleto e inacabado por dois motivos primordiais: o primeiro deles corresponde a uma objectiva suspensão do projecto inicial, acima referida; e o segundo decorre de uma série de acidentes sofridos ao longo da sua histórica, talvez devido à falta de encadernação. É assim, simultaneamente, mútilo e inacabado como denunciam tanto os

115 O restabelecimento com base em B permite a leitura Deus meu senhor se u9 prou] guer [B 91] (Ed.facs.1982: 57).

116 Michaëlis 1904, II: 223; Tavani (1969: 129-131); D’Heur (1973); Oliveira (1994). Insisto nesta dupla caracterização de mútilo e inacabado, porque há, de facto, lacunas físicas atribuíveis a acidentes materiais, mas há também lacunas de base, quer dizer, lacunas textuais (ou mesmo de Autor) que nunca chegaram a ser incluídas no conjunto que chegou até nós.

117 Esta decifração foi anunciada na comunicação efectuada por S. Pedro no Colóquio Cancioneiro da

Ajuda (1904-2004) efectuado em Lisboa em Novembro de 2004. Voltarei a referir-me a esta indicação na

cortes perceptíveis em fólios de diversos lugares do códice, como a ausência não só de rubricas, decoração, música, etc., mas também de alguns textos que nunca chegaram sequer a ser concluídos.

Esta particularidade é ainda comprovada por alguns espaços disponíveis previstos para estrofes que deveriam concluir textos fragmentários, assim como por fólios completamente em branco que poderiam receber outros conjuntos de poemas de autores já integrados ou a incorporar na colectânea. Aliás, na última cantiga, A 310, atribuível a RoyFdz, o refran é mesmo deixado incompleto, apesar do espaço de que dispõe o pergaminho. Esta interrupção raríssima a meio de um verso é reconstituível com base em B auiuer como.] ueuj sen u9 ueer [B 902/V 487]. É um sinal extremamente significativo para avaliar a real suspensão da cópia, tanto mais que é muito pouco frequente a interrupção a meio de um verso durante a cópia em este tipo de textos poéticos.

No documento O Cancioneiro da Ajuda : confecção e escrita (páginas 131-135)