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Testamento de Garcia de Resende

No documento O Cancioneiro da Ajuda : confecção e escrita (páginas 122-131)

2. APRESENTAÇÃO DO ESTUDO

1.6. Évora Vila Viçosa

1.6.1. Testamento de Garcia de Resende

Por diferentes motivos, será contudo Garcia de Resende (1470?-1536) a personagem mais singular da família e da cultura portuguesa do século XVI. Nasceu e faleceu em Évora e foi sepultado no Convento de Nossa Senhora do Espinheiro. Ainda jovem, é acolhido no Paço e em 1490 era moço de câmara de D. João II e, em 1491, passou a moço de escrivaninha e secretário particular, funções que exerceu até à morte do rei.

à eventualidade da presença efectiva do Cancioneiro neste ambiente meridional, não podem deixar de ser tomados em conta na avaliação do itinerário do ms. (Ramos 1991; 1999; 2001).

106 Veja-se, agora, a introdução às duas edições, quase simultâneas, destes dois trovadores de Arbor (2001) e Longo (2002). Mais uma versão foi encontrada na Biblioteca Nacional de Madrid em finais de 2007 (cota 3267, anterior K-61). Cf. a base de dados BITAGAP – Bibliografia de Textos Antigos Galegos

e Portugueses – indica que este documento inclui, para além dessa tenção, as Trouas de Garcia de Resende a Nossa S.ra sobre este vilancete antiguo, com data aproximada de 1650 e que o ms. será uma cópia de textos do ms. 9249 da Biblioteca de Madrid. Cf. http://sunsite.berkeley.edu/Philobiblon/ BITAGAP

O afecto e a confiança do rei D. João II transmitem-se ao rei D. Manuel e até ao rei D. João III que continuaram a contemplá-lo com várias tenças e distinções. Em 1498, por exemplo, acompanhou a Toledo o rei D. Manuel acompanhado de sua esposa D. Isabel para o juramento como herdeiros dos Reis Católicos.

Em 1514, é designado secretário tesoureiro da faustosa embaixada de Tristão da Cunha enviada por D. Manuel ao papa Leão X. A famosa viagem para oferecer a obediência ao papa fez sensação na corte pontifical, tanto pela sumptuosidade dos trajes, jóias e preciosidades, como pelo exotismo do séquito percorrendo as ruas de Roma acompanhada de elefante e rinoceronte da Índia e das famosas onças caçadoras do rei de Ormuz. Ao papel estimulante das cortes de D. João II, D. Manuel I e de D. João III em benefício da concepção cultural deste período não deixa de estar quase sempre associado o nome de Garcia de Resende (Martins 1970; 1972).

A sua actividade literária concentra-se na publicação do Cancioneiro Geral em 1516 com um prólogo ao príncipe D. João, o futuro rei D. João III. Reúne as composições poéticas produzidas nas cortes de D. Afonso V, D. João II, D. Manuel e D. João III e conclui a colecção com o seu ciclo dedicado a Inês de Castro, resultado de uma consciência histórico-cultural meritória (Botta 1999). Redige também a Crónica de D. João II (terminada em 1533 e publicada em 1545) e acompanhada de uma Miscelânea (1.ª Ed. em 1554) em redondilhas que é uma interessante anotação de personagens, de acontecimentos nacionais e europeus com considerações do poeta perante a realidade. Da sua obra principal, o Cancioneiro Geral, conhecemos a localização de alguns exemplares da edição príncipe, o que revela a importância da publicação. Dias-Castro (1977: 100) indicavam-nos onze exemplares e Aida Dias (1998: 83) acrescenta mais alguns, o que totalizaria dezasseis exemplares hoje identificados. O número difunde uma imagem bastante restrita da publicação resendiana, se atendermos às informações do seu testamento.

Na disposição do seu património, redigido à volta de 1523/1533, além de solicitar que fosse sepultado na sua cidade de Évora (Convento do Espinheiro), deixa naturalmente a sua filha Maria vários objectos como colares, cadeias, jóias, mas lega-lhe também materiais poéticos:

…um livro de resar que vale quinhentos cruzados e tresentos e cincoenta

cancioneiros ou mais que aqui tenho nas duas arcas, e armarios (…) os

livros de historia (…) e mando que todas as obras que tenho escriptas em trovas, e prosa e a vida de El-Rei Dom João, cartas e tudo que tenho feito e a paixão, se o eu não tiver imprimido como desejo mando que tudo junto em um volume se imprima e façam mil livros que por serem cousas boas serão bem de compra… (Gromicho 1947: 17).

Se estes impressionantes números parecem elevados e se a interpretação depende de uma verificação de leitura que ainda não é possível efectivar na Biblioteca de Évora107, a

verdade é que a simples referência no seu testamento aos exemplares dos cancioneiros como doação não deixa qualquer dúvida quanto ao valor pecuniário da obra. Tratar-se-ia apenas de um número respeitante apenas ao Cancioneiro Geral, ou então, pela designação cancioneiros devemos entender também cancioneiros individuais, avulsos, prévios à compilação resendiana? Mas esta multiplicidade aponta para uma prática abundante na circulação textual destes materiais poéticos quer contemporâneos, quer mais antigos.

É no Cancioneiro Geral de Garcia Resende, recorde-se, que encontramos os textos de Pedro Homem (texto 170), com a invocação poética a D. Denis que constitui a mais antiga referência (1486) ao talento poético do rei trovador.

Se antes de 1498 (data em que temos notícia da morte de Pedro Homem) temos informação clara de que o actual Cancioneiro da Ajuda já se encontrava associado às linhagens (recordem-se as assinaturas de Pedro Homem no início do códice, à abertura do Nobiliário e no final do Cancioneiro), será não muito longe de Évora, isto é, na corte de Vila Viçosa, que voltaremos a ter notícias relativas à poesia trovadoresca.

1.6.2. Biblioteca de D. Teodósio

A livraria de D. Teodósio (1510?/1563), 5º duque de Bragança, herdeiro do ducado, filho do primeiro matrimónio de D. Jaime é de grande importância para o conhecimento dos seus interesses culturais, mas é sobretudo extremamente curiosa no que diz respeito à poesia medieval galego-portuguesa.

O duque teve como mestre Diogo de Sigeu, natural de Toledo, mas deve ter frequentado também o ensino na Corte Real, assim como em outras instituições europeias (Matos 1952). Por morte do pai, D. Jaime, sucedeu no ducado em 1532. Enviuvou a 24 de Agosto de 1558 de D. Isabel, filha de seu tio o infante D. Denis, e, no ano seguinte, em Setembro casou secretamente com D. Brites, filha de D. Luís de Lencastre, comendador-mor de Avis, da linhagem dos duques de Aveiro, sem autorização da rainha regente D. Catarina.

D. Teodósio tinha agentes na Europa que lhe enviavam relatos dos acontecimentos principais, os quais reunia em volumes, que intitulou Os Livros de Muitas Cousas, do qual se desconhece o paradeiro (Teixeira 1983). À corte de Vila Viçosa acorriam personalidades como o toledano Diogo Sigeu, o sevilhano Juan Fernández, ou o português Fernão Soares, contratados

107 Não consegui localizar o testamento de Garcia de Resende, que foi visto por Gromicho na Biblioteca de Évora, pelo menos, na década de quarenta. A. Dias refere também este inconveniente (1998, V: 78-79; 423-431 [421, n. 1]).

para actividades pedagógicas. D. Teodósio conseguira obter do Papa Pio IV uma bula, datada de 13 de Julho de 1560, que o autorizava a fundar no mosteiro de S. Agostinho em Vila Viçosa uma universidade, cujos professores seriam religiosos agostinhos, concedendo-lhe os mesmos privilégios da Universidade de Coimbra. Se estes não fossem suficientes, o duque comprometia- se a custear o que faltasse. Iniciaram-se as obras no convento para instalar a universidade, mas D. Teodósio adoeceu, vindo a falecer a 20 de Setembro de 1563. O projecto não teve, por isso, a continuidade desejada e esta tentativa deve associar-se ao que se tinha passado em Évora com a iniciativa do Cardeal D. Henrique para que existisse no País uma segunda escola universitária (Castelo-Branco 1967).

A personalidade de D. Teodósio mereceu a António Caetano de Sousa extenso comentário, sobretudo à preservação da sua biblioteca:

… como este príncipe era inclinado às letras e à lição dos livros (…) ajuntou copiosa livraria que fez mais preciosa pelos muitos manuscritos que nela se guardavam e era ornada de globos e instrumentos matemáticos mui curiosos. Estimava os livros como as peças mais preciosas do seu tesouro e por isso deixou ao duque seu filho, anexos ao Morgado da sua grande Casa dizendo no seu Testamento: Item deixo minha Livraria e todos os livros que tiver ao Duque de Barcellos meu filho, para que ande em Morgado, e não dará elle nem os seus successores, da dita Livraria nenhuns livros, sem comprarem outros, como elles, que metão na dita Livraria (Caetano de Sousa 1739: VI: 47-48).

António Caetano de Sousa refere ainda que D. Teodósio I tinha um pajem dos livros em sua Casa, Nuno Álvares Pereira, e que «no palácio havia lições de ler, escrever, de gramática e

música». D. Teodósio comunicava ainda com diferentes eruditos e «aos professores das artes liberais era mui grato».

Aires A. Nascimento deu notícia do elenco da livraria ducal integrado no «Inventário [de bens] que se fez por falecimento do Sereníssimo Duque de Bragança D. Theodozio,

realizado a seguir à sua morte, entre o ano de 1564 e 1567, na presença de D. Brites de Lencastre, sua segunda mulher» (Nascimento 1994). Não há conhecimento do inventário

original, constituído pelo Notário Doutor Pereira de Sá, fidalgo da Casa do Rei e desembargador da Casa da Suplicação.

O original do inventário ter-se-á perdido mas existe actualmente no Paço Ducal de Vila Viçosa, com data de 1665 e com a cota Res. 18 Ms., a «certidão com o treslado de huus autos de Inventario que se fez por falecimento do serenissimo Duque de Bragança D. Theodozio», a pedido do Conde de Figueiró, D. José Luís de Lencanstre. O inventário tinha sido redigido cem

anos antes, mais precisamente no «Anno do nasimento de nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhentos sasenta e quatro em a villa de Villa Viçosa»108.

A relação dos livros ocupa «96 meas folhas», o que dá uma ordem de grandeza da

Livraria. Lembre-se, a título de comparação, que a livraria do Rei D. Manuel I que, como

assinala Viterbo não reproduzia, por exemplo, as obras que eram citadas na livraria de D. Duarte, tinha referenciados «96 numeros» e alguns deles com mais de uma obra e de um volume, mas há também alusão em outros documentos que se mencionam diferentes espécies, «duzentos e trinta e um livros de sortes». O inventário da Livraria da Rainha D. Catarina, executado em Évora em 1534, enumera também um número significativo de quase uma centena de livros (Viterbo 1902: 7-11; 30-36 [9]). O contraste é também significativo com o inventário dos livros da Livraria do Estudo da Universidade que abrangem um pouco mais de cem títulos (Pereira 1964-1996). Mas, além do elenco de livros e, como dizia Viterbo, são curiosos os averbamentos de despesas destes monarcas. Nas verbas dispendidas para a Livraria da mulher de D. João III, D. Catarina, entre as várias menções ao livreiro e impressor, Affonso Lorenço, surgem indicações relativas a encadernações ou compras de livros. Destas alusões, publicadas por Viterbo, não posso ser indiferente a algumas delas, sobretudo à que corresponde a uma despesa em Abril de 1544 (Viterbo 1902: 30):

«IXe lx reaes que despendeo em xxb d abrill do dito anno em mamdar guarnecer huũ

Cancioneiro portuges.» (Fol. 205 v)109.

Estão elencados na Livraria de D. Teodósio, com o respectivo preço, 1596 livros repartidos por vários temas: Teologia, Medicina, Cânones, Leis, Filosofia, Geometria, Arquitectura, Grego, Hebraico, Oratória e Gramática, Historiadores em Latim, Poesia [48 exemplares] Astrologia, Matemática, Livros italianos de diversas matérias, Livros em francês, em alemão, de Música, Livrinhos que estão em três caixotes pequeninos dourados, Livros de linguagem de Teologia e contemplação. Desta enumeração, isolarei os Livros Profanos em

Romance [67 exemplares] e os Estoriadores em linguagem [76 exemplares].

Para além das diferentes designações enumeradas no Inventário do duque D. Teodósio, que permitem larga reflexão quanto aos interesses do Duque, são de retirar os seguintes títulos:

108 Estas indicações foram-nos facultadas por I. Cepeda na sua comunicação relativa à antiga cota do

Cancioneiro da Ajuda. Desta certidão foi extraída cópia dactilografada em data mais recente, que serviu a

Aires A. Nascimento para o seu estudo sobre esta importante livraria (Cepeda s.d.)

109 O importante artigo de Viterbo, que se fundamenta neste caso no inventário do tempo de D. João III, feito em Évora, relativo ao ano de 1534 (IAN/TT n°. 155), encontra-se agora disponível também nas obras digitalizadas pela BN de Lisboa em: http://bnd.pt/od/pp-24160-v/.

Choronica del Rei Dom Afonso o Sabio Chronica de Ceita

Choronica del Rei Dom Pedro o oitavo rei de Portugal composta por Gomes Eanes

Cansioneiro de Romances Velhos Macarronea de Merlim Epístolas de Cataldo Vocabulário de Nebrija Gramática de Pastrana Cancionerio castelhano, Juan de Mena,

Proverbios de Íñigo Lopes de Mendonça Cancioneiro de Juan de Enzina,

Gil Vicente (em folha em pergaminho) Miscelanea de Garcia de Resende, etc.

Mas, da leitura desta relação de livros, interpela-nos sobretudo o registo de dois títulos que, tanto quanto julgo saber, nunca foram mencionados nas diferentes reflexões sobre a lírica galego-portuguesa. São eles:

Livro de Linhages de Portugal de letra de mão

Obras del Rey dom Denis feitas de mão de pergaminho de marqua grande em taboas... (fl. 463 v.- fl. 464 r.)110.

A existência de um Livro de Linhagens não causa extraordinária surpresa, se pensarmos que este tipo de obra deveria facilmente circular durante este período em todas as bibliotecas de casas nobres. Já a indicação Obras de D. Denis é mais estimulante. Em primeiro lugar, porque é muito rara no âmbito português; em segundo lugar, pelos indícios materiais do objecto. As

Obras «feitas de mão de pergaminho» e o pormenor da encadernação «de marqua grande» e

«em taboas» definem a natureza do objecto, quer dizer uma sumária descrição material que leva a situar este exemplar da biblioteca de D. Teodósio num tempo anterior ao século XVI: tanto o

pergaminho, o ser feito de mão como as táboas da encadernação, fazem manifestamente pensar

na confecção de códices medievais, para não dizer que evocam o próprio Cancioneiro da Ajuda. Mas, agora, até a indicação subsidiária, dada por I. Cepeda, com a menção ao formato – «de marqua grande» – pode fortalecer a conformidade com o códice ajudense e contribuir para uma eventual identificação da espécie.

110 Modifico agora a minha primeira leitura desta nota que tinha sido baseada apenas no ensaio de Aires A. Nascimento que reproduzia o dactiloscrito (Ramos 2001). I. Cepeda indica que nesta reprodução foi omitida a importante expressão que se encontra no ms. «de marqua grande» (Cepeda s.d.). Controlando a leitura do manuscrito, nota-se a indicação do valor atribuído, «…foi avaliado em oitenta reis». É interessante associar a esta indicação a «marca grande» que é referida ao livro (Cantigas de Santa Maria) doado por Isabel a Católica a sua filha Joana (Avenoza s.d.).

Ao lado desta utilíssima indicação, temos também o valor material do livro, avaliado em oitenta reis, que se presta a interrogações difíceis de solucionar. I. Cepeda propõe, e parece-me que a sua asserção possa ser bem plausível, que o reduzido valor que lhe foi atribuído, talvez se explique por se tratar de um códice de época recuada, em escrita talvez de difícil leitura e, por isso, sem particular interesse, no perído em que foi inventariado. O manuscrito de D. Denis deve ser, assim, estimado em função do valor [reis] dos outros objectos que constituem o inventário:

Hum Livro em portugues de letra de pena

de Dom João de Castro 1$600

Cancioneiro Geral 400 Obras de Gil Vicente, em folha em pergaminho 400 Cancioneiro Castelhano de folha de pasta 200

Livro de Linhages de Portugal de letra de mão 1$000 Obras del Rei Dom Denis feitas de mão… 80

Se não é pelo valor pecuniário que o códice de D. Denis mais se impõe, ressalta a importância emblemática da presença das Obras do rei trovador em uma biblioteca cortesã do sul de Portugal.

No século XV, neste mesmo espaço alentejano, próximo da Corte Real, sabemos que o

Cancioneiro [da Ajuda] estava em poder de Pedro Homem, que assina por duas vezes o seu

códice e que invoca D. Denis em um das suas composições poéticas. Sabemos também que, até ao início deste século, era ainda visível na goteira do manuscrito («corte exterior») a inscrição

Rey Dō Denis, advertência que não seria surpreendente nesta sociedade cortesã em uma

colecção de poemas sem qualquer rubrica atributiva (Ramos 1999). Nesta altura, é de supor que o Nobiliário («Livro de Linhagens») já estava encadernado juntamente com o Cancioneiro, quando examinamos a localização da assinatura de Pedro Homem, quer no início das

Linhagens, quer no fim do Cancioneiro. As «taboas» não deixam também de apontar para a

encadernação com tábuas que ainda hoje possui o Cancioneiro.

Estas simetrias são sedutoras e talvez fosse desejável admitir que este objecto da biblioteca de D. Teodósio se identificasse com o objecto de Pedro Homem, o futuro

Cancioneiro da Ajuda. Não deixa de ser perturbante, mesmo que não passe de coincidência, que

todas as referências ao trabalho poético de D. Denis (Duarte Nunes de Leão, seguido dos mais relevantes seiscentistas e setecentistas) apareçam associadas, em grande parte, ao meio eborense.

Como obteve D. Teodósio estas Obras de D. Denis? Talvez por razões semelhantes às que foram apontadas para o irmão D. Teotónio (Castro 1984): a proximidade com a corte, os interesses culturais e o desenvolvimento humanista do duque, os próprios contactos com Cataldo Sículo (que era igualmente interlocutor de Pedro Homem, como vimos). Adicione-se

para D. Teodósio uma componente familiar: o seu segundo casamento com D. Brites de Lencastre aproxima-o da família dos duques de Aveiro, que eram descendentes de D. Jorge, filho bastardo de D. João II, com presença regular na Corte após a morte do herdeiro D. Afonso em 1491.

Mas o mais significativo é que na biblioteca de um dos Duques de Bragança, que era também um erudito do Renascimento, existia um manuscrito de D. Denis, mais ou menos na época em que estava em Itália o exemplar que daria origem aos cancioneiros italianos. Em Portugal (no sul de Portugal, mais concretamente) também se coleccionavam e também se liam manuscritos medievais, mesmo que tivessem tido origem no norte, no ambiente galego- português da primeira dinastia. Afinal, estamos perante mais um episódio da centralização a sul da vida nacional.

Uma última indicação apontaria, ainda que de forma sumária, para a inserção do códice neste ambiente do sul. Trata-de de outra assinatura com ressonância meridional (Évora, Vendas Novas...) que comparece por três vezes, dir-se-ia de modo ensaístico, no fl. 86v de Gonçalo Gomes Mirador com as variantes:

guonçalo guomez mirador guonçalo guomez

guonçalo guomez mirador

Trata-se de uma mão mais recente do que a de Pedro Homem, e caracteriza-se como uma letra humanista, já de finais do século XVI ou inícios do século XVII111.

Poderíamos ainda integrar nestas alusões relativas a marcas de propriedade aquela que se encontra no fólio que estava colado contra a pasta posterior da encardenação este lyuro hez

do colaco do imfante (fl. 87) com a identificação possível deste colaço a um Pedro Homem de

meados do século XV, proposta, como já vimos, por A. Resende de Oliveira na sua apresentação ao Colóquio Cancioneiro da Ajuda (1904-004).

111 Estas tentativas de assinatura estão agora menos legíveis devido à limpeza do fólio. S. Pedro admite ainda que esta letra se aproximaria da que inscreve a estrofe marginal no fl. 33 ao lado de A 130 [RoyQuey], ainda que se verifique modificação nestes dois momentos de escrita (Pedro s.d.). Parece tratar-se de um nome de família circunscrito ao sul, mas ainda não possuo elementos que me permitam identificar este autógrafo.

No documento O Cancioneiro da Ajuda : confecção e escrita (páginas 122-131)