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CAPÍTULO II – A ESTRUTURAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO EM

2.1 Complexo cafeeiro: indústria e trabalho em São Paulo

Para analisar e contextualizar o vigoroso crescimento da cidade de São Paulo no início do século XX, é necessário abordar a cafeicultura e, por conseguinte, o fenômeno denominado “complexo cafeeiro”. Vários estudiosos como Nicea Vilela Luz, Sergio Silva, Wilson Cano apontam que o excedente da exportação de café, nos períodos de crise da cafeicultura foi reinvestido no incipiente processo de industrialização que substituiu parcialmente as mercadorias outrora importadas, principalmente da Europa.

No que concerne à mão de obra que labutou nos primórdios da lavoura de café, deve- se levar em consideração o trabalho dos escravos que já havia sido participado ativamente dos outros ciclos virtuosos da economia brasileira. No complexo cafeeiro não foi diferente, pois lá estavam os negros para garantir taxas elevadas de acumulação primitiva de capital.

Nos primeiros cinqüenta anos da sua expansão, isto é de 1820 a 1870, mais ou menos, o fazendeiro de café teve no braço do escravo o sustentáculo das suas lavouras. Com o escravo, ele abria as primeiras picadas na mata virgem, fazia as derrubadas, semeava os grãos de café, cuidava depois do cafeeiro em crescimento, com as clássicas carpas anuais; fazia a colheita, transportava-a para os terreiros e, após os preparos necessários, enviava o produto para o porto mais próximo. O escravo servia para tudo: era foiceiro ou machadeiro, carreiro ou tropeiro, enxadeiro ou derriçador trabalhador de terreiro e até maquinista, quando aparecem os primeiros aparelhos mecânicos para o preparo do café (beneficio). (ARAUJO FILHO, 1976, p. 62).

Com o advento do ciclo do café, a postura dos potentados35 não foi diferente dos ciclos anteriores. Para obter elevadíssimos lucros com a produção da rubiácea era primordial a surperexploração dos escravos que chegavam às fazendas de café por dois caminhos. Primeiro os negros oriundos do continente africano eram adquiridos por meio das compras nos leilões e rumavam para o interior do Estado de São Paulo. A segunda alternativa estava associada com a compra dos escravos das regiões que estavam estagnadas ou em franca decadência econômica. A expansão da cultura do café precisava de muita mão de obra compulsória.

Entretanto é justamente no momento de apogeu do café que a Inglaterra inicia extraordinária pressão internacional combatendo o tráfico negreiro no Oceano Atlântico,

35 Termo usado pelo sociólogo Lucio Kowarick para identificar os barões do café no livro: Trabalho e Vadiagem

inclusive tomando decisões unilaterais de afundar os navios que estivessem a serviço do tráfico.36

O complexo cafeeiro capitalista paulista era muito dinâmico e mobilizava grande soma de recursos que iam além dos cafezais, pois a infraestrutura envolvida no negócio do café garantia o transporte, a comunicação, a armazenagem e a comercialização, atividades estas tipicamente urbanas e que representavam, portanto, a contribuição do café para fomentar os segmentos industrial, comercial e financeiro, tendo sido fundamental para o destino da cidade de São Paulo. Dentre os barões do café floresceram aqueles que se tornaram os futuros banqueiros, importadores, comerciantes e ocupantes de cargos públicos. Era notável a influência dos cafeicultores em todos os setores da economia e também da política de então.

O desenvolvimento da cultura cafeeira, que logo havia de monopolizar a economia da província, não se processava nas zonas em que primeiro se localizou. O litoral é logo abandonado, e o Vale do Paraíba perde, em fins do Império, toda a sua importância. São as férteis terras, primeiro do norte e depois do oeste muito mais própria ao seu cultivo, que vão constituir a zona de eleição do cafeeiro. E toda esta região que é por sua situação tributária de São Paulo, tem nesta cidade seu centro natural. (PRADO, 1983, p. 35).

A marcha do café para o oeste do Estado de São Paulo foi decisiva para a

consolidação da capital paulista como o principal centro de comercialização desse produto no país, pois a cidade de São Paulo está localizada próximo ao litoral e ao porto de Santos, o mais importante do Brasil, justamente por escoar a produção de café para o exterior. Por seu turno, a partir da capital do Estado, foram construídas as ferrovias, o que colaborou para os desdobramentos econômicos do conjunto de atividades dependentes ou associadas ao café.

Retomemos a questão das ferrovias; seu papel dinamizador no complexo foi extraordinário: diminuíram os custos de distribuição do café, aumentando o lucro dos produtores; proporcionando lucros às Cias. das Estradas de Ferro, tornando-se excepcional destino para os capitais “sobrantes”; desbravaram frentes pioneiras, ampliando a oferta de terras para o café e outros produtos e criavam verdadeiras cidades, pelo adensamento urbano que se manifestava em todas as suas estações . (NEGRI, 1996, p. 34).

Nesta perspectiva, é possível identificar um conjunto de elementos que foram primordiais para o início da industrialização na cidade de São Paulo e a formação do mais importante parque industrial do Brasil com a capacidade de realizar as articulações econômicas, além de subordinar a produção das outras regiões do país. Sendo assim, é conveniente mencionar o papel fundamental do complexo cafeeiro capitalista paulista que

36 Em 1851, com a adoção do parlamento brasileiro da Lei Eusébio de Queiroz, a interdição do tráfico de

escravo tornou-se efetiva no Brasil. Essa lei marca o início de um processo onde diferentes leis e decretos representam diferentes momentos ou simples – mas não úteis – reafirmação do princípio da abolição progressiva. (SILVA, 1976, p. 41)

orquestrou os interesses indispensáveis ao desenvolvimento fabril.

Ao contrário das demais regiões, São Paulo contou com elementos fundamentais para a sua expansão diversificada e concentradora: avançadas relações capitalistas de produção e amplo mercado “interno” e, desde muito cedo, uma avançada agricultura mercantil, mesmo se excluído o café. Daí decorreu seu processo de concentração industrial, e, já antes de 1930, sua estrutura industrial era a mais avançada do país, contando inclusive com um incipiente compartimento produtor de bens de produção, instalada com vista ao mercado nacional. Daí se estabeleceu desde cedo, uma relação de forte predominância do complexo econômico paulista sobre as demais regiões do país, imprimindo-lhe, em grande medida, uma relação comercial de “centro – periferia”. (CANO, 1998, p. 25).

Deve-se mencionar que a economia do país até o período da expansão cafeeira, ficava restrita aos arquipélagos de desenvolvimento, vis-à-vis, associados à produção de gêneros agrícolas tropicais e de suas respectivas demandas, centralizadas principalmente no mercado europeu.

Não foi por outro motivo que o Brasil colonial experimentou sucessivas fases vinculadas aos ciclos de apogeu e decadência de determinados produtos que atendiam às necessidades principalmente de outros povos, vide o exemplo da cana-de-açúcar, borracha, algodão, cacau, metais preciosos, entre outros produtos que eram controlados pelas oligarquias que tinham mais relações econômicas com o exterior, deixando de lado possíveis relações comerciais que pudessem cindir na integração territorial do país.

Com o advento da cafeicultura foi possível estabelecer uma relação mais abrangente, pois fica evidente que os principais mercados consumidores desse produto eram os países que lideravam a Primeira Revolução Industrial, com absoluto destaque para a Inglaterra que precisava importar o café brasileiro que assumiu importante função como estimulante do organismo do proletariado, vital para suportar as fatigantes jornadas de trabalho e a escassez de alimentos que eram recorrentes naquele período na Europa.

O café em São Paulo representou a integração do mais importante complexo de desenvolvimento interno do Brasil da segunda metade do século XIX até 1930. Nesse contexto houve o aumento considerável, sobretudo da influência dos grandes proprietários de terra e escravo por pressuposto bem sucedidos produtores de café do ponto de vista político e econômico. Mais que isso, eles introduziram novos conceitos até então desconhecidos nos outros ciclos econômicos, por exemplo, residiam e comercializavam o produto na cidade, tendo um caráter urbano, reinvestiam seus capitais em setores diversificados como ferrovias, indústrias, imóveis, casas bancárias e participavam efetivamente da vida cultural da cidade promovendo eventos. Em todos os segmentos econômicos era visível a participação do baronato do café.

A cultura cafeeira – e sobretudo os capitais que ela gerou – transformou totalmente a cidade. Por ser o primeiro ponto do planalto a partir do porto de Santos, a cidade estabelecia a conexão entre regiões produtora, o porto e a capital do país. Assim, seus vales a partir de 1867, ano que foi implantada a primeira ferrovia na cidade, interligando Santos a Jundiaí, foram sendo atravessados por ferrovias. (ROLNIK, 2003, p. 15).

Todos os elementos indispensáveis à industrialização e à ampliação desse capital através da cafeicultura que propiciou crescente acumulação de capital estavam fixados na cidade de São Paulo. Nos períodos de maior taxa de lucro os recursos eram reinvestidos em novas áreas para o café e como os barões tinham o “espírito empreendedor”, aproveitavam para investir na indústria de bens de consumo: alimentos, têxteis, calçados, etc.

Há na linguagem da época uma categoria que aparece com freqüência nas iniciativas empresárias, públicas e privadas, que é a do “capitalismo”, assim chamado. Nela predominam fazendeiros enriquecidos que investem muitas vezes, como acionistas, em jornais portos, ferrovias, companhias de seguro e iluminação pública, bem como na usura. Neste último caso não são poucos aqueles que se retiram da vida ativa, isto é, tendo acumulado considerável volume de capital, passaram a viver dele, ficando assim difícil localizá-los no tradicional sistema de produção. (LAPA, 1983, p. 35).

No caso específico da cidade de São Paulo e de outras importantes cidades do interior do Estado, o estágio inicial do processo de industrialização, a constituição do mercado de trabalho assalariado culminando com o término da escravidão e a própria urbanização estavam intrinsecamente relacionados com o complexo cafeeiro paulista que imprimiu extraordinário dinamismo principalmente econômico. Estava em voga o “espírito empreendedor” dos barões, o que os diferenciava a priori do apogeu e declínio de outros ciclos econômicos que não reuniam as condicionalidades para multiplicar o capital reinvestindo em setores mais atrativos que o café. Provavelmente uma característica que deve ser mencionada é o desprendimento e o arrojo dos cafeicultores, até mesmo nos períodos de crise da produção.37