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CAPÍTULO IV – A CRISE NO MUNDO DO TRABALHO, INFORMALIDADE

4.3 O trabalho informal de rua e a representação sindical

Nesta pesquisa foram entrevistados três presidentes de sindicatos que representam a

economia informal na cidade de São Paulo: o Sindicato dos Camelôs Independentes, localizado no Brás, o Sindicato dos Permissionários de São Paulo, localizado no Centro e o do Sindicato da Economia Informal, situado no Brás. As três entidades sindicais nasceram nos anos 90, período de forte crescimento do trabalho informal de rua na cidade, devido à necessidade imperiosa dos camelôs se organizarem coletivamente para defender seus interesses, visto que a maioria dos trabalhadores informais teve contato com os sindicatos na época em que possuíam carteira profissional registrada e atuavam no setor organizado da economia.

A pesquisa nos sindicatos ocorreu através de entrevista com os presidentes das entidades que mais se destacam na luta e na organização dos informais. Existem outros sindicatos e associações que representam os camelôs, porém foram selecionados para a pesquisa somente os três sindicatos mencionados.

A primeira constatação foi caracterizada pela estrutura física dos prédios em que os sindicatos estão instalados. São simples, quando comparadas com a maioria dos sindicatos que representam os trabalhadores do segmento organizado da economia que contam com recursos do imposto sindical, taxa confederativa, taxa assistencial, mensalidade dos sócios, entre

outros. Os sindicatos dos informais sobrevivem com a contribuição dos sócios que é voluntária, afinal os camelôs não têm carteira assinada. Logo a estrutura física é pequena, apesar de a categoria ser numerosa. A política de assistencialismo verificada em outras categorias é bem restrita nos sindicatos informais, já que para assistir a categoria com médicos, laser, colônia de férias, curso, são necessários recursos e o caixa do sindicato não recebe os impostos obrigatórios.

O primeiro questionamento versou sobre o número de trabalhadores representados e a contribuição financeira dos sócios. Afonso Camelô, do Sindicato dos Camelôs Independentes, disse que representava 1.200 sócios, enquanto Josefa, do Sindicato dos Permissionários afirmou representar 8600 associados enquanto Menezes, do Sindicato da Economia Informal, falou que tinha entre 6 e 7 mil representados.

É importante ressaltar que o número de camelôs na cidade de São Paulo é significativo. Para uma categoria que cresceu principalmente motivada pelo desemprego e que em sua maioria ocupa o espaço público de forma irregular, os números são variáveis e nem os sindicatos conseguem fechar a conta, pois afirmam que de 35 a 70 mil trabalhadores atuam no comércio informal de rua, sendo que a maioria concentra-se na região do centro da cidade. A segunda pergunta foi sobre quais seriam as principais dificuldades enfrentadas para defender os interesses da categoria. Na opinião do sindicalista Afonso: “A discriminação, descaso do governo que não vê os camelôs como problema social”. Enquanto Josefa do Sintesp apontou: “As dificuldades para arrecadar a contribuição dos trabalhadores com o número reduzido de funcionários do sindicato fica difícil cobrar a mensalidade dos sócios que são espalhados na cidade. Outro item que foi abordado por Josefa diz respeito à lei de uso da via pública: “Na legislação está prevista a comissão nos bairros com a participação de cinco membros dos ambulantes, cinco membros dos comerciantes, cinco representantes dos moradores e cinco representantes da prefeitura”. De acordo com ela: “Os camelôs ficam isolados e dificilmente conseguem sensibilizar as autoridades, os comerciantes e os moradores sobre o comércio informal”. Para Menezes: “Falta interesse político para resolver os problemas da economia informal.”

Os trabalhadores informais de rua, apesar de constituírem uma categoria numerosa, trabalham de forma individual. Por exemplo, cada um monta a sua barraca, são geralmente concorrentes na comercialização dos produtos; se forem ilegais, disputam espaço público para trabalhar, além de existir a rivalidade entre o informal com o Termo de Permissão e Uso (TPU) e o informal ilegal. O momento de maior solidariedade entre estes trabalhadores está associado com as ações policiais e com o famoso “rapa” que confisca as mercadorias,

provocando o corre-corre e fomentando o companheirismo da classe.

No terceiro questionamento foi perguntado sobre a possibilidade de construir uma pauta de interesse comum entre os sindicatos e associações que representam os camelôs na cidade. Afonso salientou: “A pauta de interesses é possível, a unificação não”. Josefa ponderou: “Que nas dificuldades os sindicatos caminham juntos, deixando as diferenças de lado”. Enquanto Menezes afirmou que: “Há interesses comuns entre os sindicatos, divididos é difícil, juntos a força é maior.”

Uma característica do movimento sindical brasileiro é representada justamente pelas divergências que, se por um lado contribuem para o fortalecimento do debate democrático, por outro se perde muito tempo fazendo conjecturas, em detrimento dos avanços materiais, pois o debate é bem-vindo, desde que acompanhado de ações práticas que envolvam a categoria e suas demandas. Os camelôs unificam a luta e a organização nos momentos em que os governantes colocam em xeque o direito de usar o espaço público e quando através da força policial, apreende as mercadorias de forma abusiva ou passa a suprimir os termos de permissão. Neste cenário adverso, os sindicatos e associações de camelôs passam a ser unir em torno de pautas comuns.

A quarta pergunta indaga os entrevistados sobre o perfil do trabalhador informal na década de 90, fazendo associação entre o crescimento da informalidade com a reestruturação produtiva e o baixo crescimento da economia. Josefa avalia: “Com a grande disponibilidade de mercadorias e a abertura comercial dos anos 90, atraiu os desempregados e também os trabalhadores que estavam com a carteira assinada para atuar com camelôs, ganhava mais nas ruas.”. Menezes é contundente ao mencionar a reestruturação produtiva e na sua opinião: “Se os camelôs tivessem: emprego de carteira assinada, convênio médico, cesta básica, vale transporte, todos os benefícios, ele estaria na rua?”.

Afonso Camelôs destaca: “Os governantes lançam os camelôs na clandestinidade, reduziram os TPUs na cidade e sem a concessão os trabalhadores são coagidos a pagar propina”. Enquanto Josefa expressou: “Que o TPU depende de muita gente tem que ser herói, por exemplo, inúmeros documentos são exigidos passam por avaliação médica rigorosa, várias comissões para analisar o processo e a maioria após este desgaste não consegue a concessão”. Na avaliação de Menezes: “O TPU tem aspecto político revitalizar, melhorar a cidade, porém com o TPU, o trabalhador está legalizado, é difícil tirar, enquanto do ilegal é cobrada propina”.

Figura 12 - População comemora “tranquilidade” no centro Fonte: O Estado de S. Paulo, 27 ago. 1998.

Os sindicalistas foram indagados sobre os procedimentos da Associação Viva o Centro que não tem simpatia pelo trabalho informal e já manifestou inúmeras vezes o seu desejo de extirpar o comércio informal de rua do centro histórico da cidade, pois este é identificado como degradante para o espaço público que os capitalistas pretendem requalificar. Afonso Camelô radicalizou com relação às declarações da Viva o Centro: “A atitude da Viva o Centro é absurda discriminatória e perseguidora”. Para ele, os trabalhadores não têm a menor condição de enfrentar o Estado e os capitalistas, sendo os trabalhadores vítimas do sistema. Enquanto isso, Josefa aponta que a retirada dos camelôs de algumas ruas do centro contribui para o fechamento das lojas e para o aumento do desemprego. “Tiraram os ambulantes do Largo do Paissandu, da Praça do Correio e da Rua 24 de Maio e o comércio fixo entrou em decadência, porque eram os camelôs que atraíam os consumidores”. Na visão de Menezes: “A Associação Viva o Centro, na minha opinião, é um lugar de burgueses que só pensam neles”. O questionamento sobre a filiação ou simpatia pelas centrais sindicais foi direcionado

para os três sindicalistas. É importante ressaltar que a maioria absoluta dos sindicatos filiados nas centrais são compostos por trabalhadores do segmento formal da economia, que possuem carteira profissional assinada e contribuem, via de regra, compulsoriamente para os sindicatos que pagam mensalidade para as centrais sindicais. No caso brasileiro, sabe-se que a carteira profissional assinada é o passaporte para a cidadania e os trabalhadores da economia informal, geralmente labutam por contra própria e também não contribuem para a Previdência Social. Diferente dos sindicatos do setor organizado, as entidades que representam os camelôs não recebem o imposto sindical e dependem das mensalidades voluntárias dos sócios.

Embora seja do conhecimento público que predominam algumas categorias profissionais no interior das centrais sindicais, por exemplo, na Central Única dos Trabalhadores (CUT) há predominância política e influência dos metalúrgicos, bancários, químicos, petroleiros e, recentemente dos funcionários públicos, enquanto na Força Sindica, a liderança dos metalúrgicos de São Paulo é incontestável com a participação de centenas de sindicatos do setor de comércio e serviços. Portanto o espaço para outras categorias é restrito, ainda mais quando se aborda a presença dos informais considerados como setor não organizado da economia.

Atualmente o Sindicato dos Camelôs Independentes é filiado na Força Sindical. Segundo Afonso Camelô: “As centrais poderiam fazer mais, como qualificar, avaliar”. Porém ele afirmou que no passado: “As centrais já deram uma certa assistência e, hoje existe um apoio amarelo”. Afonso ficou emocionado e citou que a luta dos camelôs é muito difícil e que alguns companheiros tombaram, foram assassinados. Foram os casos dos sindicalistas: Cícero, Gilberto e Reinaldo que se destacavam na defesa dos direitos dos trabalhadores, inclusive fazendo graves denúncias contra fiscais, policiais e políticos corruptos. O próprio Afonso foi alvejado por quatro tiros e ficou internado na Unidade de Terapia Intensivo (UTI) durante vários dias. Ele confirmou: “A tentativa de assassinato está comprovada, foi minha atuação no sindicato”.

Josefa do Sintesp argumentou: “Em 1995 procuramos a CUT, a categoria não se identificava com a prática da Força Sindical, porém não houve interesse da CUT na filiação (política interna) o Sindicato da Economia Informal já era filiado e a central não comportava dois sindicatos de trabalhadores informais, assim sendo, o Sintesp ficou independente durante um tempo, depois o Sindicato se filiou na Federação do Comércio, entidade patronal”. Josefa ainda afirmou que participou de poucas reuniões, mas não se sentiu bem por não dominar nenhum assunto dos empresários.

CUT e na Força Sindical os trabalhadores não autorizaram. Resta saber como os patrões permitiram que um sindicato dos camelôs participasse nos fóruns do patronato, com postura totalmente antagônica aos trabalhadores informais.

O Sindicato da Economia Informal é o único na cidade de São Paulo, filiado na CUT. Na concepção de Menezes: “A Força Sindical não tem trabalho para apresentar, já a CUT garante espaço para o comércio informal de rua”. Inclusive a atual sede do Sindicato do qual Menezes é o presidente fica no prédio da CUT no Brás, pois durante o processo eleitoral do sindicato a antiga sede ficou com o ex-presidente que se apropriou do imóvel, deixando o sindicato desalojado. Neste sentido a CUT, por meio da sua direção, permitiu que o sindicato ficasse no Brás, sede da Central.

Verifica-se que a estrutura física dos sindicatos é humilde, sem a suntuosidade de centenas de sindicatos do setor organizado que constituíram uma ampla rede de assistencialismo, com clube, convênios, escolas e colônia de férias. Toda infraestrutura está alicerçada nos impostos compulsórios descontados do contracheque dos trabalhadores. A situação dos sindicatos da economia informal, do ponto de vista econômico, fica dependente dos sócios que pagam as mensalidades. Os sindicatos não têm sequer sede própria.

Percebe-se um certo desapontamento com referência à postura das centrais sindicais, que poderiam fazer mais pelos trabalhadores do segmento informal. Poderiam promover cursos de qualificação, pesquisas do perfil da categoria, pressionar junto com os sindicatos o poder público para regularizar os trabalhadores, fazer campanhas incentivando os informais a pagarem a Previdência Social, articular os camelôs com os projetos de economia solidária já desenvolvidos pelas centrais e garantir o espaço político interno para as líderes dos trabalhadores informais, etc.

Não se pode esquecer que a maioria dos trabalhadores que laboram na economia informal de rua, camelôs, ambulantes e marreteiros outrora, eram trabalhadores formalizados com carteira assinada que contribuíram para os sindicatos da categoria profissional e também para as duas centrais CUT e Força Sindical. Não somente pela colaboração financeira do passado, o envolvimento dos outros sindicatos nas questões inerentes à informalidade deve estar associado com a solidariedade da classe trabalhadora.

Formulou-se uma indagação para os sindicalistas que versava sobre o comportamento de três prefeitos: Luiza Erundina, Paulo Maluf e Celso Pitta que administraram a cidade de São Paulo nos anos 90. Que visão tinham dos trabalhadores informais e qual o diálogo estabelecido entre os sindicatos e a prefeitura.

Brás: “O único prefeito que menos perseguiu os trabalhadores foi o Maluf”. Josefa do Sintesp criticou as gestões Maluf e Pitta: “Eles concentraram os camelôs através de decretos, em bolsões, verdadeiros currais. No bolsão da General Carneiro existiam 2.500 ambulantes que morreram abraçados, são muitos trabalhadores concorrendo entre si”. Para Menezes, a prefeita Luiza Erundina foi a melhor gestora para os informais: “Erundina é cem por cento, querida pelos camelôs e paga um preço caro até hoje. Na sua administração ela protegeu os trabalhadores informais”.

Tendo em vista essas considerações há divergências entre as principais lideranças dos camelôs com referência aos prefeitos que administraram a cidade de São Paulo na década de 90. Parece antagônico avaliar que Paulo Maluf deixava os camelôs trabalharem à vontade, pois este senhor tem estreitos vínculos com os patrões do comércio e as suas gestões são caracterizadas pelo uso recorrente das forças repressoras contra as manifestações dos trabalhadores.

Foi no governo de Celso Pitta, que se elegeu prefeito com o apadrinhamento político de Maluf, que tiveram estrondosa repercussão os escândalos da “Máfia dos Fiscais” e seus desdobramentos originaram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da máfia dos fiscais, comprovando após intensa investigação a participação de políticos, funcionários públicos e empresários na ampla rede de corrupção infiltrada na administração pública municipal. Convém explicitar que os camelôs eram as principais vítimas dos fiscais inescrupulosos que cobravam propina para deixá-los ocupar o espaço público e não confiscar as mercadorias. Conforme expressou Menezes do sindicato da economia informal: “A prefeita Erundina empenhou-se para regularizar a situação dos camelôs, ela governou a cidade no período em que o país passava por forte recessão, não é segredo que esta mulher sempre pautou sua vida pública pelas questões sociais.”. Entretanto ao defender a economia informal, Erundina atraiu a ira dos lojistas legais e de parte da população que não compreendeu a sua atitude que visava minorar a grave crise social, evitando a perseguição e violência contra os informais.

Aproveitando a oportunidade para contextualizar a gestão do prefeito reeleito da cidade Gilberto Kassab que segundo reportagem do Jornal da Tarde de 28 de outubro de 2008: “Kassab revela plano secreto: o fim dos camelôs”. Pediu-se para os sindicalistas comentarem esta declaração do prefeito.

É importante mencionar que a administração do prefeito Kassab é uma unanimidade para os três sindicalistas entrevistados que a classificaram como péssima. Ele persegue os trabalhadores, por exemplo, cassou a licença (TPU) de centenas de camelôs que da noite para

o dia, engrossaram o expressivo contingente de trabalhadores informais ilegais. Por ordem do prefeito, os fiscais passaram a exigir nota fiscal dos produtos comercializados pelos ambulantes e os trabalhadores portadores de necessidade especiais que geralmente contratam alguém para ficar nas suas barracas, foram obrigados a cumprir a jornada em suas respectivas concessões. Outro fato lembrado pelos sindicalistas são as denúncias de corrupção constantemente feitas pelos sindicatos, não esquecendo também d\a violência, principalmente da guarda municipal.

Figura 13 - Confronto na Mooca Fonte: Jornal Agora São Paulo, 21 jun. 2007.

Por fim foi perguntado se os shoppings populares seriam uma solução para equacionar o comércio informal de rua. Esta proposta foi realizada nos anos 90, utilizando

galpões antigos que estavam ociosos e eram alugados por empresários ou pelo poder público que os sublocava para os ambulantes. A ideia central era tirar os camelôs das vias e proporcionar um espaço mais “agradável” para os trabalhadores e consumidores, com completa infraestrutura.

Todavia, a maioria das experiências foi mal sucedida e logo abandonada pelos camelôs que viam seus resultados despencarem com as vendas abaixo da média que alcançavam nas ruas. Um dos motivos do fracasso foi a localização dos shoppings populares, além da falta de interesse da prefeitura que muito prometeu e pouco fez nos governos Maluf e Pitta.

Sendo assim, Afonso Camelôs sentenciou: “Os shoppings populares ou Pop Centers não fracassaram, eles nunca existiram; é uma luta do sindicato, a redistribuição da categoria, inclusive com a criação dos shoppings populares, calçadas lineares, barracas padronizadas, legalização dos espaços de trabalho”. Josefa salientou: “Os shoppings populares é um desejo dos comerciantes de tornar os camelôs empresários e muitos trabalhadores não se adaptam fora das ruas”. Na opinião de Menezes: “O fracasso dos shoppings populares ocorreu por falta de interesse do poder público, eles colocam os camelôs onde não passa ninguém, aí o trabalhador prefere correr o risco e ficar nas ruas”.