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O passado e o presente do centro tradicional e as metamorfoses da capital

CAPÍTULO III – O PRECÁRIO MUNDO DO TRABALHO NA CIDADE GLOBAL

3.3 O passado e o presente do centro tradicional e as metamorfoses da capital

O centro antigo da cidade de São Paulo foi no passado uma região importantíssima para o desenvolvimento da cidade com ênfase para o período da expansão do café, fase que o centro se tornou o espaço mais dinâmico da cidade garantindo grande vigor com a comercialização do café. Mais do que isso, a cidade era o principal ponto de referência no planalto e via obrigatória para o oeste paulista (a maior região produtora da rubiácea) da segunda metade do século XIX, até a primeira metade do século XX, fase da industrialização de substituição das importações. Isto porque, desde o momento em que a cafeicultura passou a ser o produto mais importante da pauta de exportações do país a cidade de São Paulo passou a exercer sua liderança no desenvolvimento do Brasil, disseminando para o conjunto da nação a sua influência que era rivalizada com o Rio de Janeiro, enquanto esta cidade era a capital. O que é chamado de centro antigo da cidade de São Paulo fica materializado neste trabalho como sendo a região do triângulo histórico que abrange o centro velho identificado pelas ruas (São Bento, XV de Novembro e Direita), enquanto o centro novo representa a Praça da República e o Vale do Anhangabaú até a região do Arouche. Nesta pesquisa será considerado e denominado como área de estudo o centro velho ou tradicional da cidade, preocupando-se com a espacialidade dos trabalhadores da economia informal, em consonância com a ampliação das atividades agro-exportadoras, com absoluto destaque para o café até 1950, quando o centro antigo atendia perfeitamente às demandas e necessidades da sociedade de então. Nessa região havia grande polarização das casas bancárias, passando pelo comércio mais sofisticado e o lazer, para satisfazer os potentados do café e os capitães da indústria nas primeiras décadas do século XX, e tinha naquele momento uma funcionalidade socioeconômica específica.

Muitos outros serviços eram procurados na zona central, desde luxuosas joalherias, magazines famosos, livrarias, materiais e reproduções fotográficas – eram exclusividades do Centro. O pagamento de contas de água, gás, telefone, energia elétrica tinham que ser pagas nas próprias empresas localizadas no centro. Eram muito raras agências descentralizadas pelos bairros. Assim também os bancos raramente possuíam agências distribuídas pela cidade. A rede dos grandes bancos concentrava-se na zona do triângulo nas ruas XV de Novembro, Boa Vista, Álvares Penteado, ao que o professor Aziz Ab´Saber chamou de “monolítica City Bancária”. Ainda hoje se destaca na paisagem, dois dos maiores edifícios da cidade de grande valor simbólico do poder financeiro e da paisagem do Centro Antigo – o edifício do Banespa, atual Banco Santander, e o do Bando do Brasil, o primeiro na Praça Antonio Prado e o segundo na Avenida São João. (SCARLATO, 2004, p. 253).

Por esse motivo, a população deslocava-se dos bairros operários55, rumo ao centro que supria suas necessidades cotidianas, além de proporcionar lazer para as famílias. Era glamouroso flanar na Rua Barão de Itapetininga, contemplar as vitrinas das lojas luxuosas, tomar chá, fazer compras no Mappin56, ou mesmo fazer piquenique na Praça da República. Obviamente existiam espaços que somente os membros da aristocracia frequentavam, como por exemplo, o Teatro Municipal, além de alguns cinemas mais luxuosos.

Será dado destaque à vocação comercial do centro de São Paulo nesta fase, durante as primeiras décadas do século XX. Um ícone da cidade durante muitos anos foi a loja do Mappin que funcionou da década de 1930 até os anos 90, simbolizando a força expressiva do comércio na área central, local onde gerações de paulistanos a tinham como referência para o consumo e a diversão.

O Mappin Stores, instalado em 1913 inicialmente na Rua Quinze de Novembro e posteriormente na Praça do Patriarca, onde permaneceu por mais de duas décadas, constituiu inicialmente um típico espaço de afluência das classes privilegiadas. Tinha, segundo Silvia Lang, como principal clientela o público feminino da elite paulistana, moradores de bairros “nobres” e próximos como Santa Efigênia ou Higienópolis, consumidor principalmente de vestuário, na maioria importados, seguindo a moda europeia:” [...] o Mappin dispunha também de salão de chá, posteriormente transformado em restaurante, que constituía outro atrativo para a tarde das elegantes paulistas”. (FRÚGOLI JR.. 1995, p. 26).

No ano de 1939, o prédio do Mappin, foi transferido para a Praça Ramos de Azevedo, tendo o Teatro Municipal57a sua frente. É conveniente relatar que esta mudança em última instância contribuiu, sobretudo para a ampliação do centro antigo no sentido da Praça da República, pois várias lojas elegantes migraram para o outro lado da colina, facilitadas pelas obras de grandes investimentos urbanísticos no centro materializados na construção dos viadutos do Chá e Santa Ifigênia. Por esta razão o triângulo histórico começou a perder sua tradicional importância, ou, na melhor das hipóteses foi preciso concorrer com o comércio que se desenvolvia no centro novo, no entorno da Praça da República, composto de lojas mais modernas, pois representava novidade. Além das perspectivas de consumo sofisticado orientado para a elite, o centro velho conheceu o seu primeiro processo de esvaziamento com relação ao processo de migração dos consumidores da classe abastada que atravessou a colina na direção do Teatro Municipal, Praças da República e Ramos de Azevedo e de suas

55 Nas áreas lindeiras do centro, concentravam-se os imigrantes que procuravam preservar as suas tradições.

Sendo assim, importantes etnias que contribuíram para o desenvolvimento da cidade permaneciam fixadas em determinados bairros: os italianos residiam na Bela Vista – Bexiga, Pari, Mooca, Brás; os judeus no Bom Retiro; os japoneses na Liberdade, etc.

56 Além do Mappin, outras lojas de variedades fizeram estrondoso sucesso, tais como as Lojas Americanas e

Brasileiras que a princípio ficavam localizadas nas regiões do triângulo.

57 O Teatro Municipal foi inaugurado em 1911. A burguesia paulistana podia usufruir de grandes espetáculos de

respectivas adjacências.

Cumpre observar no centro, mais do que o dinamismo intrínseco ao comércio e o fluxo das principais repartições públicas, era factível encontrar os melhores cinemas58, sempre exibindo películas clássicas que atraíam grandes públicos para as suas respectivas salas, sendo que em alguns cinemas havia rigor com relação aos trajes, por exemplo, o uso da gravata. Na primeira metade do século XX a indumentária era composta de peças indispensáveis para se apresentar em público, fazia parte da elegância masculina trajar o chapoi, terno, etc.

Ademais, os hotéis59e restaurantes mais requintados da cidade localizavam-se no centro antigo, o que já garantia extraordinária circulação na região. Mesmo após o final do expediente de trabalho as pessoas permaneciam lá, pois tudo o que acontecia de mais importante na cidade ficava polarizado ali. Não se pode negligenciar o fato de que nos arredores do centro existiam os bairros da elite, bem como os proletários não residiam distante da área mais importante da cidade.

Até os anos 60, como mostra Helena Kohn Cordeiro, São Paulo contaria efetivamente com um único centro metropolitano, dividido entre o “Centro Tradicional” ( da Praça da Sé á Praça do Patriarca, como eixo a Rua Direita) e o “Centro Novo” ( da Praça Ramos de Azevedo a Praça da República, com eixo na Rua Barão de Itapetininga), com maior concentração de empresas neste último (of. Cordeiro, 1980: 60). Ambas as áreas correspondem, respectivamente, ao desenvolvimento paulistano durante a primeira fase da industrialização, no período de 1910-1940, e a fase da industrialização da Segunda Guerra, em 1940-60 (cf. Cordeiro, 1992: 10). Só durante o assim chamado “milagre brasileiro” (1968-1973) teria início a formação de um novo e poderoso subcentro em torno da Avenida Paulista. (FRÚGOLI JR.. 2000, p. 58).

Ficou evidente que a fuga dos empresários do espaço compreendido como sendo o centro antigo, contribuiu para a desvalorização imobiliária, além da visível deterioração dos espaços públicos característicos daquela região. Seja como for, sempre foi presente em São Paulo a voragem do progresso associada à especulação de caráter imobiliário que se articula com as transformações de inovações tecnológicas e urbanísticas, desdobrando-se em outras centralidades com o propósito de garantir a rentabilidade do capital investido, mesmo que para isso ocorrer, fosse necessário abandonar ou provocar a degradação de áreas já consolidadas com total infraestrutura, que simbolizava o esforço coletivo e a opção de várias gestões públicas que priorizam algumas regiões como o centro antigo em detrimento da periferia mais longínqua, sempre abandonada.

58 Existiam naquele período inúmeros cinemas na região central, destacando-se os mais famosos: Ipiranga,

Metrópole, Marabá, Olido, Ouro e Marrocos, dentre outros.

59 Segundo Scarlato (2004), todos os grandes hotéis e restaurantes de luxo localizavam-se no Centro Antigo,

como o Lord Hotel, na Praça do Patriarca; onde se localizava uma elegante casa noturna de São Paulo; O Grande Hotel Esplanada, na Praça Ramos de Azevedo ao lado do Teatro Municipal, o Hotel São Paulo na Praça das Bandeiras, o Hotel Jaraguá, na Rua Major Quedinho, o Hotel Excelsior, na Avenida Ipiranga.

Porém, alguns empresários influentes concentram o poder para redirecionar os investimentos da cidade, determinando quais espaços devem ser mais valorizados e, portanto, precisam de apoio da prefeitura e do governo do estado para implantar a infraestrutura, embasada no gasto público, repercutindo no valor dos imóveis e dos empreendimentos e valorizando espaços privados por intermédio das iniciativas da prefeitura. Foi o que aconteceu na cidade de São Paulo: uma forte e concentrada especulação imobiliária que definiu as novas centralidades, cristalizadas na parceria entre o poder público e os empresários dos setores imobiliários, de comércio e de serviços que exerciam forte influência no planejamento da cidade. Sendo assim, eles obtêm informações privilegiadas conseguindo conjugar seus interesses e os investimentos da prefeitura.

De fato, a face mais visível da transformação de São Paulo foi a do seu próprio centro histórico. O centro da cidade, que nos anos 50 e 60 desfrutava do respeito devido a santuários de emblemas institucionais como o Fórum e a Catedral da Sé, ou da prosperidade como edifícios sede de empresas famosas, ou da cultura erudita como o Teatro Municipal e a Biblioteca Mario de Andrade, ou, ainda, da cultura de massas, como grandes cinemas, no decorrer dos anos 70 foi sendo abandonado por empresas, escritórios e consultórios, tendo em vista a crescente congestão por carros e ônibus. Mas, contraditoriamente, essas mesmas pessoas jurídicas, buscando garantir contato com felizes possuidores de automóveis e atraídas pelas ofertas imobiliárias de farejadores de mercado, mudaram-se para pontos de fácil acesso rodoviário, em especial nas áreas de transição para bairros mais ricos. (SZMRECSÁNY, 2004, p. 133).

Vários foram os fatores que incentivaram a pulverização do centro, podendo-se apontar os obstáculos urbanísticos, as dificuldades de circulação dos automóveis particulares e locais para estacionamento, a instalação de equipamentos tecnológicos nos edifícios, a expansão da cidade seguindo as rodovias, marginais, bairros mais sofisticados para a burguesia; e com o transporte coletivo por meio dos ônibus e trens, foi possível levar os trabalhadores aos distantes bairros periféricos e cidades da região metropolitana.